Anedota

Há muitos anos atrás, num povoado cercado pela mata virgem, surgiu o boato da Nega de um peito só.

Diziam que era a assombração de uma escrava que morrera castigada no tronco, ainda no tempo do Império, e que devido a truculência das punições que sofrera na vida, só tinha um único seio.

Os camponeses viviam assustados com os vários relatos que surgiam de pessoas atemorizadas por aquela terrível visão.

E para aumentar ainda mais o pânico da redondeza, o vigia local afirmava ser um grande perigo transitar pelas ruelas estreitas e mal iluminadas depois das dez da noite.

Aconteceu que um jovem seresteiro recusou-se a acreditar no que lhe diziam, passando a viver tranquilamente suas noites de farra.

Um dia, porém, o baile na casa de Dona Inocência passou da conta, e a alegria regada à altas doses de vinho lhe fez esquecer a hora e o perigo.

Com o bandolim na mão e a ousadia no coração, o moço seguiu seu caminho pela penumbra noturna sem dar ouvidos aos apelos dos companheiros, que o alertavam sobre a tal assombração.

Dobrou a esquina encontrando-se com o apressado vigia, que se admirou ao vê-lo perambulando na rua àquelas alturas:

- Diga-me uma coisa seresteiro, o senhor não tem medo de andar sozinho assim, sem alguém que lhe ofereça guarida? - Perguntou o vigia ironizando. Ao que o moço corajosamente lhe respondeu:

- Não! E por que haveria de ter? Já que não há viva alma que possa me incomodar a essas alturas? [...]

O vigia continuou:

- Nunca viu nenhum tipo de visagem... lobisomem ou outra coisa parecida?

- Eu nunca vi nada disso. Pra mim seria um prazer me encontrar com um desses bichos!

Dito isso, o moço seguiu seu caminho tranquilo, deixando o vigia que o observava de longe aborrecido.

De repente... deparou-se com um vulto vestido num manto negro, vindo vagarosamente em sua direção.

Um quando viu o outro se assustou, e por alguns minutos permaneceram imóveis onde estavam, esperando alguma reação contrária.

O moço pensou consigo: "Eu, voltar daqui, já no meio do caminho? De jeito nenhum!" [...]

Destemido, reiniciou a caminhada com a respiração ofegante, de modo que o estranho vulto empreendeu novamente seu rumo na mesma passada.

Gelado de frio e medo até os ossos, o moço teimoso segurava firme o bandolim como arma de defesa, para o caso de alguma emergência.

Finalmente os dois se cruzaram na via, e o limite entre o céu e a Terra foi vencido por suas almas, pelo pavor que ambas sentiram.

Mas afinal de contas conseguiu desvendar o mistério, pois constatou de perto que tudo era uma grande farsa.

A Nega era na realidade uma simples dona de casa, bastante conhecida por todos ali na região.

Durante o dia, cuidava do marido doente e moribundo. E à noite ia namorar o esperto vigia, que com essa história enganava todo mundo.