A CASA 453 - Parte IV
Como a vida é cheia de encontros, neste exato momento, em que a casa 453, está a afundar, o vejo na minha frente como aquele dia.
E Belinha, a bruxa assombrada. Com seus cabelos em desalinho, uma boca torta e cheia de dentes amarelados pelo cigarro. Uma caipora, de tanta fumaça que exala.
Ela vai a prateleira, pegar seu ultimo maço de cigarros, que resta na noite, e recomeça a fumar. Sorver o último gole da garrafa quase seca de cachaça, que também está a se findar.
De repente senta na cama em um estado de catalepsia. Esperando que a labareda das chamas da casa chegue ao quarto, à memória, aquele dia, retorna.
Aquele belo pai, branco como cera, da cabeça vermelha, como um pica-pau, tinha uma amante. O meu marido Gomes. Como ficam as juras de amor, que ele fazia, e às vezes repetidas. Amarei pela eternidade. Foi uma decepção a descoberta.
Quando resolvi dar cabo a vida dele, encontrava-me no quarto com meu coração aos pulos, numa batida acelerada de taquicardia, sentindo um gosto amargo de sangue em minha boca. De imediato, frente a frente com o fantasma da morte.
Decidi acabar com essa farsa, assim que a descoberta da traição veio até mim. Primeiro o abracei como nunca e depois fiz juras de amor. Depois como uma mulher traída, deferi o golpe fatal e o corpo pesado caiu. Ele expirou derramado em litros no meio da sala. Ainda o vejo ensangüentado, de branco na minha frente, pedindo perdão. Os golpes um a um, certeiros e diretos. Agora o infeliz jaz na cacimba. Resolvi matá-lo.
Uma lágrima escorre pelo rosto de Belinha, singela e longamente. Lembranças.
Uma palavra na solidão que tem um significado particular. É o abraço da saudade.
TARTAY/ABRIL-2012