Premonição
No edifício luxuoso, em algum lugar da cidade, o homem consulta o relógio enquanto tira a arma de um coldre que está sobre a mesinha de cabeceira. Confere o conteúdo do carregador e, sem esboçar nenhuma expressão, ajusta o acessório ainda vazio ao próprio corpo, pega a arma, volta a conferir a carga e, só depois, torna a calçá-la na bainha. Em seguida, dirige-se ao guarda-roupa e escolhe o paletó e a gravata com o esmero de quem vai a um encontro importante.
Ao sair do condomínio, cumprimenta gentilmente o vigilante em serviço e, enquanto aguarda o portão abrir, sorri para o serviçal tamborilando com os dedos ao volante. Logo o elegante carro preto se mistura aos outros veículos no trânsito, ainda intenso, apesar do avançado da hora.
– “Hoje, excepcionalmente, estou sozinho em casa. Todos foram a uma festa. Já eu, a pretexto de uma reunião que terei com meu editor, logo às primeiras horas da manhã, fiquei recolhido, para dormir mais cedo. Entretanto, a fim de passar o tempo, sentei-me ao computador e comecei a escrever esta história. Diversas vezes, tive vontade de apagar tudo e ir para a cama. Todavia uma força estranha me impele a escrever. A história está sem graça e enfadonha, mas não consigo parar. Não sei quem é meu personagem nem o que ele vai fazer!”
O automóvel desliza suavemente pelas avenidas fartamente iluminadas, refletindo no brilho do capô profusos letreiros de anúncios comerciais. Em seu interior, o homem liga o som, ao que uma música alegre enche o ambiente. A cena tão comum nas grandes cidades do País em nada reflete o que está por acontecer. Ele é um profissional. Nunca se interessa pelos motivos de seus clientes e, menos ainda, conhecer detalhes da personalidade dos destinatários de suas ações. Normalmente, seus contratos são firmados pela Internet. Metade dos numerários é depositada antecipadamente em uma conta bancária e a outra parte ele recebe da mesma forma, após o serviço ser concluído.
Depois de muito rodar pela cidade, o homem chega ao seu destino, estaciona na alameda do jardim e sem muita dificuldade entra na casa. O interior está silencioso e em penumbra. Ao final do corredor, uma réstia de luz escapa pela fresta da porta. O homem caminha até lá e chegando, antes de tocar na maçaneta, saca da arma e calmamente enrosca o silenciador. Só então, cuidadosamente, abre a porta e entra no recinto.
“O ruído de um automóvel estacionando no jardim desvia minha atenção do teclado. Ouço passos no corredor. A festa deve ter terminado mais cedo – imagino”.
A pessoa que está no interior do aposento sentada à frente do computador não percebe ou não se incomoda com a entrada do estranho. Então ele a observa e quando não tem mais dúvidas de que é a pessoa certa, aponta a arma e atira uma única vez!
“Ouço a porta se abrindo e instantes depois sinto um tremendo impacto em minhas costas, seguido do estampido abafado de um tiro. O fogo de uma brasa queima minhas entranhas, sinto as vistas escurecerem... Meu Deus! O que está ocorrendo?... A mesa e o teclado sobem, vertiginosamente, em direção ao meu rosto eeeeeeeeeeeeeeeeeeeee eeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee eeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee...”