NOITES PÓSTUMAS -ATO II
ATO II
(A cena: A mesma cena anterior. O Poeta, O Mancebo e O Velho se encontram em um diálogo fervoroso.)
Velho:
Peço para atentarem ao fato,
O qual neste momento eu relato
Tu bem sabes, que a vida,
É o mistério que não se importa,
Como a chaga, a tornar-se ferida,
Ela está agora finada e morta.
Do que valeu então o apreço?
De tê-la e com tal costume,
Se paga com a vida o preço,
Da insanidade do ciúme?
Sonhara no passado ter ela amante,
Que a cortejava com flores e poesia,
Ceguei-me no despertar delirante
Quando pulsou em mim a idolatria
Os olhos crisparam em ardência,
Em segundos me fiz possesso,
Dominado pela incrível demência,
Fiz da morte um nobre processo;
Não me julgues de bom grado,
Se com estas mãos de sangue,
Carrego o meu próprio fado,
No fim do amor que se langue,
Em um estalar de loucura,
Sufoquei-a com um pequeno carmesim,
Enterrei-a morta na sepultura,
E sua cova se encontra em meu jardim.
Aquele cadáver descorado e inerte,
Repousara sobre o mármore do chão,
Na ilusão de meu doentio flerte,
Matei-a com ódio e sem compaixão
E ela, no seu auge do desespero,
Grunhia como uma corça cativa,
Prendeu as unhas no meu cabelo,
Na angustia de continuar viva,
Aos poucos em seus pulmões,
O ar foi se arrefecendo,
E no seu respirar as contrações,
Ela aos poucos morrendo
As forças de seus dedos diminuíam,
Conforme eu lhe apertava o pescoço,
O viço do existir se diluíam
Nos lábios esse meu desgosto
Disse-a: -“Vede mulher faceira,
Tu que aos lábios alheios beijou,
Terás por fim a visão derradeira,
Daquele que a ti matou,
Ousou macular minha honra,
Em deita-se com outrem,
Tua vida é o preço da desonra,
Quem irá salvar-te?Ninguém!”
Com as pálpebras abertas enfim parecia,
Que diante da minha própria imagem,
No semblante da morte para mim sorria,
Como uma póstuma homenagem...
Meu crime, por anos a fio,
Me desperta como pesadelo eterno,
Do diabo, agora senão rio,
Com uma temporada no inferno
Dorme-se? Não agora sou insone
À noite, a maldição me consome,
Ouço a voz dela ao ouvido sussurrar,
Como a litania de um profeta,
Quero a paz, por fim irei me matar
Lembra-te disto meu jovem poeta!
O poeta:
Quanta infâmia, o homem é capaz,
Do homicídio ao intenso torturar,
Na morte, meu velho a tua paz,
Irá ao teu encontro te consolar.
Mísera vida é o que dispomos,
Do pó a vida, assim somos...
Julgar a ti? Quem me dera,
Ter juntado as mãos teu destino,
Salvar-te a alma e a dela
E aliviar o teu triste desatino...
Se a sabedoria nos conduz,
Do precipício a redenção,
Deus será para ti a luz,
E perdoará a tua maldição.
Ergue-te a fronte descorada,
E siga por si só a tua jornada.
O Mancebo:
Morreu, contigo senão o anjinho
Que o teu leito enfim embalava,
Agora só, segue teu caminho,
Pois a morta por ti não esperava,
Tal atrocidade de torpe vilania,
Do marido em unção espiritual,
Resta-te esta dolorida agonia,
Em teu corpo vivo e material.
Velho:
Minha culpa foi, contudo,
Ouvir o suspiro de um afã,
Conquistar e perder o mundo
Junto à sombra de Satã
Porém, deixa que este caminho
Da morte e mórbida languidez,
Evapora-se em um trago de vinho
No fervor insano da embriaguez!
O mancebo:
Sim! Que o álcool te queime a borda,
Os olhos e a alma enegrecida,
A tua taça, o néctar assim transborda
Cantarolando um canto em vida!
Beba velhaco, que teu pecado,
Pela carne será consumido,
Todo peito em paixão arrebatado,
Em loucura findará perdido!
O poeta:
Por enquanto teu segredo,
Como esse amor e medo,
Estará no túmulo da confiança,
Com os grilhões acorrentados,
Pois da chuva a boa bonança,
Serão meus versos calados
***Fim do Ato II***