SEQUESTRO UMA HISTÓRIA DE AMOR E TERROR

Ele não sabia a quanto tempo estava olhando para ela deitada na cama, meio que jogada, languidamente. Ela era simplesmente a coisa mais linda que ele já vira na vida. Embevecido não queria nem se mexer, para não fazer barulho e a tirar de seu sono de Bela Adormecida. De vez em quando ela dava uma ronronada, o que afetava pavorosamente o seu coração. Ele não sabia bem o que é que faria com a arma no seu colo. A cadeira executiva, que roubaram em outro assalto era bem confortável. Ele dormia e acordava entquanto Samantha, Sam, estava no cativeiro. A menininha de uns dezesseis para dezessete anos era um sonho impossível para ele, um velho, catético de trinta e cinco anos. Ele era burro como uma porta, bronco, grosso, só pensava em sexo, suas piadas eram todas sujas, nem seus companheiros gostavam delas. Ele também não era muito querido. Sendo um homem grande, corpulento, servia como ajudante para carregar as coisas, ou arrombar portas, além de assustar. A ordem do chefe era ficar próximo à vitima de boca fechada, porque se ele abrisse a boca seria um completo desastre. Mas mesmo um bronco como aquele sabia reconhecer uma flor rara, como uma rosa negra, exótica. Ele não sabia a quanto tempo Sam estava no cativeiro. Quer dizer, ele não sabia a quanto tempo eles estavam no cativeiro, pois ele estava também. A mesma claustrofobia que ela sentia, ele sentia também. Esse era aliás o único medo de Victor, pois, era-lhe inimaginável ser preso e ficar atrás das grades. Ele não agüentaria.

Com um gemido Sam remexeu-se em dor, o que a acordou. Seu aspecto não era muito bom, tinha leves olheiras e um ar cansado.

- Oi. – Disse Victor, tentando ser amigável.

- Quando vocês vão me soltar, eu acho que estou morrendo. – Havia uma mancha de sangue abaixo do seio de Sam, ela levara um tiro no seqüestro.

- Sam, eu não sei, já lhe disse isso. Não depende de mim soltá-la. Se seus pais pagarem o resgate, você vai embora logo. Eu não sei o que dizer, não sei porque o médico está demorando tanto. Ta doendo demais? – Victor era sincero, ela sabia disso.

- Não. Ta só um pouco. - Ela sentou-se na cama e esticando a mão pegou uma maça e deu uma mordida, enfastiada.

- Eu queria comer algo gostoso. Não agüento mais essas comidas que vocês me dão.

- Mas a gororoba não é tão ruim aqui, eu já comi pior, isso quando não ficava com fome. Sam, você dormiu bastante, eu não fiz barulhinho nenhum, como você mandou. – Havia uma pergunta ali e ela sabia o que era.

- Já sei, você quer que eu continue a ler o livro. – Ele não entendia muito o que ouvia, Sam lia em voz alta e ele gostava do som das palavras. E gostava de ver ela lendo o livro para ele. De vez em quando ele a interrompia, para que ela explicasse algo, uma frase, uma palavra, a situação, o que fosse. Ele queria que ela não acabasse nunca de ler aquele livro para ele. Ainda bem que o livro era enorme e lindo. Falando sobre política, economia, uma trama de assassinato, Só o Vento Sabe a Resposta de J. M. Simmel, falava de amor. O livro era a história de amor de um casal, que nos fazia apaixonar. Não era uma historinha besta de vampiros para adolescentes, os protagonistas não eram uma perfeição de beleza, ele, um senhor gordinho, já de meia-idade apaixonasse por alguém mais ou menos da sua idade. Victor se achava um velho e sem chance alguma com Sam, mas o seu coração lhe dizia outra coisa. Ele perdera a noção se era dia ou noite ali, onde estavam, naquele cativeiro. Havia uma dificuldade em se lembrar direito como entrara naquele quarto, com uma janela fechada por fora com madeiras e uma porta apenas. Ele remexeu-se na cadeira, o tiro que levara nas costas doía demais. Quando ele levantava da cadeira via-se uma mancha enorme de sangue na cadeira. Victor levantou-se e pegou o livro, pois Sam acenara para ele. A capa do livro de Sam mostrava um homem caminhando só, numa estrada de terra, cercada por árvores. Eram 699 páginas de um romance que Sam já lera com seus quinze anos, três vezes e agora lia para Victor.

Na sua juventude, ela só conheceu meninos metidos a besta, Victor era o primeiro homem que ela conhecia. Quer dizer, era o primeiro que ela se apaixonava. Ele era mais velho do que ela, alguns anos, vinte anos, trinta anos? Não sabia dizer. Ela jurava que haviam horas em que ele aparentava ser mais moço e haviam horas em que ele parecia estar com os cabelos brancos, talvez fosse a fraca iluminação do quarto que fazia ela ver coisas. A única coisa boa naquele quarto era ler para ele. Ela simplesmente amava o livro que roubara da biblioteca da mamãe e nunca mais devolvera. Sam achava que Victor não sabia ler, não era possível, ele ficava tão embevecido, quase estático, absorvendo a história que ela contava, que a encantava. É lógico que haviam duvidas em muitos momentos, se ele estava escutando a história ou se estava olhando para ela. Parecia que seus olhos estavam parados em sua boca que se mexia, pronunciando tantas palavras, ou então então olhando para suas pernas, o que a fazia corar - mas ela tentava disfarçar -, Outro dia, enquanto lia, ela percebeu que ele olhava para seus seios e quando ela percebeu e ele viu-se descoberto, abaixou o rosto, com medo? Com vergonha? Que meigo que ele conseguia ser em tantas horas. No começo, ela morria de medo dele, de estar presa ali, não sabia onde, de que ele pudesse matá-la, ou abusar dela, ou a torturar, ou bater, ou sei-lá-o-quê. Mas, ele a protegia, de alguma forma. Sam sentia-se segura com Victor. A situação toda, a proximidade com um homem maduro, não os moleques de escola, alguém que poderia sim, agarrá-la pelo braço, deixando marcas de dedos fortes, e tirar um beijo forçado, os lábios comprimindo os seus, enquanto apertava o seu peito másculo de encontro ao seu feminino, puxando os seus cabelos longos e negros, deixando-a sem respiração ou com chances de defesa, se é que ela pensasse em se defender de um beijo.

Sam começou a ler o livro que Victor deu a ela até muito tarde, imaginava que até de manhã, mas poderia ser até de noite, também. A história que era narrada e que Sam lera quatro vezes, ou seriam cinco, na cama, de sua casa, no sofá e que até lhe arrancara algumas lágrimas e que sempre imaginou que nunca passaria um amor igual, no qual tinha medo de morrer e nunca ser beijada, amada, sentir desejos de gente grande, fossem lá como fossem. Sam se apaixonara pelo seu professor na 5ª série, mas ele nem sabia que ela existia. De qualquer jeito, na época era uma pixoquinha de nada. Mais uma no meio de tantas meninas de onze anos.

Curioso é que Bob Dylan tinha uma musica que se chamava Só o Vento Sabe a Resposta, ou mais ou menos: Blowing in The Wind, que na verdade não tinha nada a ver com o livro, era apenas pura coincidência.

Numa hora em que Sam levantou-se para beber água, após horas lendo para Victor, sendo observada por ele e se deixando observar, ela sentiu tonturas e quase caiu. Ela nem viu como, mas de repente ele estava segurando-a, amparando-a, seu braço esquerdo a abraçando. Ficaram assim, olhando-se nos olhos durante um tempão, até que da forma mais natural do mundo, se beijaram, um beijo doce e amigo, mas muito sexy. A mão direita de Victor tocou no rosto de Sam e o acariciou, mas aos poucos começou a escorregar para outros lugares, onde ia descobrindo, apertando, deixando-se ficar, causando sensações. Depois de dar-lhe água, Victor deitou-se com ela na cama e os corpos foram achando o seu lugar, se encaixando, se ajustando, até que os dois eram um só. Ficaram assim a noite toda, se achando, se encontrando, se ajustando.

Victor acordou, com Sam ronronando em dor e acordando em seguida. Ele não se lembrava de ter colocado a roupa e nem de ter sentado na cadeira novamente. Também não se lembrava da hora em que ela se vestira. Ele tinha uma sensação de dejavu. Havia uma maça, que Sam comeu, enquanto ele a olhava com carinho. Ela sorria para ele, pensativa. E não era difícil imaginar o que ela pensava. Uma menina de dezessete anos e um homem mais velho de vinte e dois - ou seriam vinte e sete? Num lugar inesperado, ela se sentia feliz. Sempre achou que faltava algo em sua vida e parece que agora encontrou. Alguém. Só alguém pode nos completar. Falta alguém. Faltava alguém e Sam agora achara, naquele bruto, que a agarrava com força a menininha rica e meiga, apertando seu braço até doer, comprimindo seus lábios até perder o fôlego e fazendo-a desmaiar em seus braços, com seus carinhos exasperados. A impressão que tinha é que a cada pergunta dele em relação ao livro que estavam lendo juntos, é que ele ia ficando mais inteligente a cada página, ou a cada situação. Suas perguntas eram agora mais elaboradas, o livro o estava mudando ela o estava mudando e isso fazia um bem danado para ela. Sam sentia-se útil a alguém, para alguém. Para alguém... que amava agora. Victor a olhava agora com olhos mais sábios, mais inteligentes. A cada página, algo acontecia.

Durante muitos dias os dois descobriram seus corpos. Era inevitável que pensassem em fugir juntos. Victor arriscava-se com seus companheiros, mas eles planejaram sair dali com muito cuidado e fugirem juntos para algum lugar onde ninguém os encontrasse, ou soubessem quem eram. Com Só o Vento Sabe a Resposta debaixo do braço Sam dirigiu-se para a porta, quem abriu foi Victor e então viram o inesperado. Além da porta estava o universo. As estrelas brilhavam, constelações seguiam o seu curso. O vácuo e o frio enregelante estavam ali também. Além da porta estava o universo. Eles estavam num quarto que era um cubo, vagando num universo infinito, enorme, com várias possibilidades. Não havia chão, não havia uma extensão de casa, não havia nada. Eles flutuavam no vácuo frio, sós, únicos.

Assustados fecharam a porta e ficaram quietos durante muito tempo. Até que as recordações vieram, aos poucos, aos goles. O pai, a mãe e Sam saíram do teatro e ao entrarem com o carro em casa, foram cercados por homens armados. Os seguranças do pai de Sam começaram a atirar. Depois disso os fatos se precipitaram loucamente. Gritos. Confusão. Correria. Sangue. Sam levou um tiro no peito que a jogou para trás com muita força, como um murro inesperado muito potente, caindo nos braços de Victor. Ele a colocou no colo e a levava correndo para a Van quando levou um tiro no meio das costas, rasgando a pele, entrando pelo seu corpo, perfurando órgãos vitais e importantes. Sua camisa começou a se ensopar de sangue imediatamente. Quase cambaleando de tanta dor ele ainda conseguiu colocar a menina rica no carro. Perfumada, com um vestido lindo de festa, curto, com uma saia fofa, era como uma princesinha em seus braços. Durante um instante eterno, enquanto corriam para se salvarem das balas mortais, seus olhos se encontraram e eles se olharam e se conheceram. Victor queria salvá-la. Sam queria alguém que a pudesse salvar. Sam morreu na cama, como um gatinho ronronando. Linda, cheirando a flores do campo. Talvez uma rosa negra. Victor morreu na cadeira, observando-a, amando-a, como jamais amara ninguém na vida.

Depois de muito tempo Sam sentou-se na cama e pegou o livro e começou a ler de onde parou. A sua voz começou fraca e foi crescendo, se afirmando. Victor aos poucos foi tirado do torpor, para ouvir a voz linda da sua amada e a continuação de uma história de amor inigualável. Depois de alguns minutos ele, num gesto inesperado até ali, agarrou-a pelo braço e a puxou com força de encontro aos seus lábios. O beijo apertado, como o era o abraço, única coisa que restara, aos poucos foi ficando meigo, influência de Sam, que mais madura, já quase vinte anos, ou cento e vinte, ali, parece que tanto faz. Do beijo, escorregaram para a entrega do amor.

pslarios
Enviado por pslarios em 25/03/2012
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