Inevitavel

Ele tentou avisá-los, mas ninguém tomou uma atitude. Como pôde acreditar que o ouviriam? Quem era senão um estudante qualquer de engenharia viciado em computadores, morador do subúrbio, filho de taxista e merendeira? Querendo ou não o status sempre contava.

Estava sentado nas escadas do ministério da defesa, os dedos longos e finos agarrados aos cabelos, indiferente aos olhares desconfiados. Depois do que acontecera e o que estaria para acontecer nada mais importava. Levantou a cabeça e viu centenas de pessoas de um lado para o outro, apressadas, preocupadas, alheias ao conhecimento que ele tinha. Poderia ficar de pé ali mesmo, contar tudo o que sabia. Mas não ia adiantar de nada. Ninguém mais presta atenção.Todos estão atentos demais ao seu mundinho.

Deixou escapar um riso. O egoísmo é uma piada insípida a qual nos forçamos a rir. Ele também achava que poderia viver indiferente ao todo. Que suas escolhas deveriam sempre beneficiar o seu futuro.

Alguns minutos atrás estivera com Raquel, major do exército. Em uma sala simples, mas organizada, conversaram sobre o destino de uma cidade.

-Você entende a gravidade disso?-ela perguntou depois de ouvir tudo- Preciso ter certeza de que não é um engano.

-Vai por mim, a vida de muita gente depende disso.-respondeu o rapaz, convicto

-Se estiver errado, a coisa pode complicar para você.

O estudante devolveu um olhar frio.

-Se nada for feito vai complicar pra muita gente.

-Eu não posso garantir muita coisa. As pessoas pensam que é como em um filme em que pode se avisar uma ameaça e imediatamente tomam providências. A parte burocrática é cortada. Vão convocar uma reunião , talvez mais . Dependendo disso, vão consultar especialistas...

-Escute, me desculpa se falto com o devido respeito, mas até decidirem se me levam a sério ou não será tarde demais.

Raquel mordeu o lábio,respirou fundo.

-Seria mais fácil você divulgar na internet.

-Ninguém acreditaria.

-É difícil acreditar que durante meses você rastreou um grupo terrorista e descobriu que querem explodir a cidade.

-Mas aqui- ele sacudiu uma pasta cheia de papéis diante dela- está a prova. Nomes, telefones, esquemas. Com isso é possível detê-los.

-Não é tão simples.

-Dentro de algumas horas os aeroportos serão tomados. Eles vão encher aviões com bombas e jogá-los pela cidade. Alguns prédios estão sobre explosivos o bastante para derrubar meio quarteirão. Leu a parte em que algumas crianças carregam mochilas cheias de bombas químicas?Nesse momento estão na escola junto com outras centenas. E o fato de cortarem o abastecimento de água? Imagine como vai ser com a cidade em chamas.

A major levantou a mão esquerda. O canto dos lábios estremeceu.

-Impossível. Como teriam ocultado um esquema nessa proporção?

-Como? Vivemos em um país pacífico, nunca lidamos com esse tipo de coisa.

-Mesmo que seja verdade, não há como evitar tudo ao mesmo tempo. Pode ser a qualquer instante. Você disse que antes eles entrarão em contato com o governador .Quando e o que querem?Não vi isso em sua pesquisa.

-Ainda não descobri.

Ele lembrou da dúvida no olhar da major. Nítida. Foi quando entendeu que na verdade estivera sempre ali esperando uma oportunidade. Todo aquele interesse foi apenas para confirmar uma decisão já tomada desde que entrara em contato. Dispuseram-se a ouvi-lo apenas pela insistência e a remota possibilidade de estar certo.

- Não entendo como conseguiu acessar os planos desses terroristas e não saber o motivo, nem a data decisiva. Seria a primeira informação, não acha?-dissera Raquel com a desconfiança pregada na voz.- Aliás, esqueci de dizer que antes de tudo você terá de ser investigado. É isso que quer?

Na ocasião ele precisou conter um riso debochado. Achava um absurdo a relutância daquela mulher. Não acreditava nele. Provavelmente riram quando ele ligou alegando que precisava falar de um assunto que envolvia a segurança nacional, isso ao saberem quem era, porque é a primeira preocupação deles. Importa quem você é, depois o que tem a dizer. Status. Talvez a imprensa tivesse sido mais eficiente. Mas ele preferiu dar um crédito às forças armadas.

- Moça- respondeu ele em tom um pouco mais alterado que a educação permitia-Se eu estiver errado o máximo que pode acontecer não chega perto do que se eu estiver certo. Fiz o que pude. Porque os caras vão detonar a cidade eu não sei. Só sei que vão.

-Tudo bem, vamos fazer o seguinte: eu vou apresentar tudo o que você me mostrou aos meus superiores e eles é que vão decidir. Agora, enquanto isso, conto com seu silêncio. Nada de ir à televisão, contar no blog...

-Você disse que teria sido mais fácil divulgar na internet.

-Disse que seria fácil, não que deveria. Estamos combinados?

Claro que ele não acreditou. Dava para perceber a pressa em dispensá-lo. Quando se retirou da sala, compreendeu que teria de pensar em alguma outra coisa para evitar o pior. O problema é que aquilo era monstruoso demais para acreditar. Até entendia um pouco a posição da major, mas não era algo para ser simplesmente ignorado, mesmo vindo de alguém como ele.

Decidiu que levaria aquilo aos jornais. Mesmo que parecesse uma notícia sensacionalista, deixaria a população alerta. De uma coisa ele sabia:se esperasse alguma atitude a cidade estaria perdida.

Quando estava para se levantar sentiu alguém segurar o seu ombro.

-Está com pressa?- Raquel sorria para ele.

-Pareço estar?

Ela ergueu os ombros e se agachou.

- Sobre nossa conversa, espero que cumpra nosso acordo.

-Do contrário serei preso?

Raquel riu baixo, afagou o cabelo dele.

-Não, querido eu garanto que você não vai ter chance de contar pra ninguém.

Os olhos do rapaz se arregalaram, suas mãos ficaram trêmulas.

-O que, o que você quer dizer com isso?

-Você é um garoto inteligente .Achou mesmo que poderia descobrir esse tipo de coisa sem que percebessem?

-Eu tomei precauções.

-Não foi o bastante.

-Você é um deles, não é major coisa nenhuma.

-Sim e não. A patente é verdadeira, já o patriotismo...Você só soube aquilo que queríamos que soubesse.

-Se alguma coisa me acontecer...

-Tem visto filmes demais, Breno. Tudo o que você tem está sob nosso controle...inclusive sua vida.

Ele se sentiu zonzo. Um gosto amargo queimou em sua garganta.

-E agora?O que acontece?

Raquel segurou o queixo dele e aproximou o rosto até tocar o nariz.

- Eu vou embora, você fica bem aqui. Mexa-se e um amigo meu resolve a questão. - apontou para um ponto vermelho no ombro dele.- Não se arrisque à toa.

Ela se levantou e sem qualquer razão ele notou que seus cabelos eram longos e cheios. Um detalhe ridículo para uma hora imprescindivel.

-A propósito,telefonaram para o governador enquanto conversávamos. Olha, vocês precisam escolher melhor nas próximas eleições. Por causa dele um bocado de gente vai morrer. Por favor, não se culpe.Não sei se sabe o que significa a palavra inevitável, mas se aplica à situação. Dentro de algumas horas tudo o que contou vai acontecer. E se serve de consolo, em nenhum momento duvidei de você.

Renan Moraes
Enviado por Renan Moraes em 23/03/2012
Reeditado em 23/03/2012
Código do texto: T3571026
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