Desfigurado

Desfigurado
Jorge Linhaça

Meu rosto desfigurado causa repulsa e medo aos passantes, sou qual um monstro saído do inferno de suas almas, sou o espelho do que poderiam ser se algo desse errado em sua gestação.

Sou a soma de seus medos mais secretos, o medo latente ao que é diferente, sou a aberração que perturba seu sono, invade seus sonhos como um pesadelo.

Sou o que ninguém jamais gostaria de ter visto,senão em filmes de terror...engraçado como é a vida, as pessoas pagam para tomar sustos nos cinemas mas quando me vêem ali, ao vivo, agem como se o próprio inferno se abrisse a seus pés.

Quem pode entender a natureza humana, afinal?
Pode uma face desvendar uma alma? Serão os belos sempre gentis? Serão os feios sempre criminosos, seres inferiores?

Ah, quem dera saber tais respostas...

Porque o disforme é sempre demoníaco e o belo sempre angelical?

Caminho silente pelas ruas da cidade, tentando esconder-me por sob um capuz para não afrontar ninguém com minha aparência.

Minh’alma treme , e sinto o pavor de ser assim diferente, a cada pessoa “normal” que cruza meu caminho maior é o terror que sinto dentro de mim...imagino-me sendo perseguido por uma multidão armada de qualquer coisa que lhes caia nas mãos, tentando matar o horrível monstro que nada lhes fez mas que é culpado apenas de sua deformidade.

Que maior horror poderia um homem sentir, do que temer a obviedade , do que temer o horror diário de se saber tão diferente a ponto de causar repulsa em seu semelhante?

Que horror maior pode haver do que sentir as trevas nos peitos dos homens de faces sadias quando me vêem assim desfigurado?

Salvador, 4 de março de 2012