Enfim o silêncio
Nasceu em uma família simples, porém estruturada nos mais fixos alicerces que uma pode ter. Aprendera na infância o valor da honestidade, dos princípios e da natureza humana. Porém, sempre foi um personagem à parte. Desde novo destacava-se dos demais pela inquietude, pelos pensamentos e pelo gênio. Cresceu com problemas que a vida insistiu em colocar diante de seu caminho. Com o tempo acostumou-se com eles. Não havia percebido que tamanho descaso com os infortúnios eram somente presságios de uma desistência precoce.
Seu intelecto era o que mais valorizava. Por isso viveu sozinho durante muito tempo. Mesmo sempre acompanhado e em círculos sociais volumosos, sentia-se só, vazio e confuso. Tamanha a semelhança àquele filósofo, mesmo sempre envolto a amigos e família, na sua intimidade era recluso. Um ser misterioso. E essa reclusão de sentimentos, de vontades, nada mais era do que um processo de martírio e degradação da alma, do ser. Por ter sido sempre tão sutil, ninguém percebera que a mente nesse caso matava o homem.
Viveu só durante muito tempo. Não no sentido carnal, da proximidade com outros. Mas das aflições que ninguém, nem ele mesmo poderia solucionar. Aprisionava-se cada vez mais num mundo onde somente ele conhecia cada espaço da sua mente, cada detalhe, porém, não se sentia feliz ao conviver com eles. Ninguém havia percebido que por trás daqueles olhos que brilhavam cada vez menos intensamente, existia um ser que clamava por ajuda sem proferir nada que remetesse a isso.
Com o tempo o silêncio passou a ser seu melhor amigo. Falava pouco, expressava-se pouco, sua sensibilidade aos sentimentos havia morrido. Quando pequeno tinha pesadelos. Sonhava que estava em perigo e ao gritar por socorro não havia voz, não havia som. Vivia isso hoje, tentava falar com os olhos já apagados, e ninguém haveria de perceber. Sua alegria na vida teria ido embora com a última estação... ou seria a penúltima? Não sabia mais. Sentia-se amedrontado ao acordar e fracassado ao dormir. Precisaria tomar uma atitude. Aprendeu que sempre haveria uma. Que quando tudo estava perdido sempre haveria um caminho.
Tinha medo. Não sabia como se daria a continuidade dos poucos que amava. Mas ao mesmo tempo, sabia que a vida por si só seria um martírio muito grande para ter somente o sorriso desses como retorno. Inclusive, esses se o amavam, amavam também no silêncio. Sabia o que fazer. Havia muitas formas para isso. Não tinha interesse em virar mártir, tampouco fazer disso um ritual. Até aquele dia evitou pegá-las nas mãos. Eram oblongas e frias, desenhadas em branco e azul celeste. Prometiam trazer tranquilidade e paz. E era disso que precisava. Paz para todo o sempre.