Jorge Linhaça
 
Seu corpo esquartejado "enfeitava" os postes da vila, o sangue escorria pela madeira amplificando o tétrico da cena.
Alguns sentiam arrepios de horror ao contemplar-lhe as partes espalhadas, outros satisfaziam seus instintos mais sádicos diante da dantesca visão.
O enforcado jamais voltaria a ser um problema para as autoridades locais, a satisfação estava dada aos seus superiores.
 
Havia sido traído por um de seus asseclas, quiçá vendido a peso de ouro aos seus executores.
Entre todos os demais julgados foi o único a quem se aplicou o ignóbil suplício, tendo ele sido considerado como o cabeça da conspiração debelada.
 
Seu corpo foi deixado a apodrecer sobre os postes e devorado pelos animais.
 
Estava irreconhecível quando subiu os degraus que o conduziam ao cadafalso onde seu martírio apenas se iniciaria.
Cabelos e barbas enormes e desgrenhados praticamente ocultavam seu rosto pálido pelo longo tempo encarcerado.
Vestido com a mortalha dos condenados era praticamente impossível comprovar-lhe a identidade senão pelos gritos dos mais afoitos.
 
Sua morte teve o poder de, em pouco tempo elevá-lo de vilão a mártir, lendas foram criadas sobre suas palavras  estas eram usadas para inspirar aqueles que acreditavam em seus mesmos ideais.
Afinal é para isso que servem os mártires de uma causa qualquer.
 
Há dúvidas sobre sua pretensa morte, alguns dizem que foi uma farsa armada e que um outro condenado qualquer ocupou seu lugar desde a saída da prisão até o esquartejamento.
 
Dizem tê-lo visto, tempos depois em Paris a participar da sociedade local. No entanto, tão logo haveria ele se dado conta de ser reconhecido e havia desaparecido em meio a ruas e vielas talvez ajudado por alguém. 
 
Seu nome era Joaquim, como tantos outros Joaquins, inclusive o que o havia traído qual Judas traiu Jesus.
 
Era porém, José, como tantos outros Josés do passado e do presente.
 
Se realmente era ele o esquartejado, quem seria o personagem que desparecera em París? Seu fantasma viajando pelo mundo?
 
Não era , a bem da verdade, nenhum letrado ou pessoa de grande destaque na sociedade, era apenas um soldado como outros tantos, ao contrário de seus aliados na conspiração. Teria por isso sido indicado como bode expiatório?
 
Nas horas vagas dedicava-se à função se cirurgião barbeiro o que rendeu-lhe a alcunha pela qual ficou conhecido até os dias de hoje, eternizado no panteão da fama dos heróis.
 
De quem eram os restos mortais naqueles postes talvez nunca saibamos ao certo. Quando a realidade ganha ares de ficção é difícil separar o joio do trigo ainda mais passados tantos anos.
 
Verdade ou mentira; fato ou lenda; realidade ou farsa, a sua morte tornou-o grande.
 
O fato contado é que , naquele fatídico dia, registram os documentos oficiais, foi executado um tal de Joaquim José da Silva Xavier, vulgo Tiradentes.
 
 Salvador, 14 de fevereiro de 2012