Náufrágio

Ouvia-se um marinheiro gritar no convés antes que fosse levado pelo mar revolto. Era um dia terrível, escuro e envolvido numa tempestade de proporções gigantescas, onde só se podia esperar pelo comando de abandonar o navio. Era um dia de 16 de outubro.

Quem poderia estar olhando por nós naquele momento? Naquele dia o mar nos mostrou sua verdadeira fúria. Uma força assombrosa que fez nossos piores pesadelos se tornarem meros sonhos. As ondas batiam no casco como se quisessem despedaçá-lo, enquanto os poucos marinheiros que ainda estavam vivos lutavam contra o mar e a morte, mas sabíamos que nesse combate o mar prevaleceria. O capitão, que estava em sua cabine de controle, olhava para tudo aquilo de pé, perplexo com o que o que poderia sobrevir. Isso aconteceu pela madrugada.

"Abandonar o navio!", seria a coisa sensata a se fazer. Mas nenhuma palavra era ouvida do nosso comandante. Muitos marinheiros haviam se afogado no mar, outros estavam estirados pelo convés, sendoarrastados de um lado para outro devido ao oscilar violento. Em pouco tempo tudo iria à pique. Mesmo assim o comandante apenas olhava para aquela cena assustadora, pensativo e um pouco confuso. Gritei então aos seus ouvidos o que deveríamos fazer, mas apenas olhava para os olhos de cada um e voltava a mesma situação. Arquitetar um motim? Essa era uma possibilidade de salvação, mesmo que remota, e quase todos também pensavam em fazer isso, porém não queríamos na realidade. Esperávamos as ordens do capitão. Certamente morreríamos junto com esse navio.

Naquele momento o capitão finalmente se pronunciou. Seu rosto crispou-se e sua voz rouca disse num tom sombrio: "salvem-se". Ficamos tomoados por um sentimento totalmente novo, algo amedrontador e horrendo. Corremos para os botes e logo baixamos para o mar. Ainda podia ver o capitão solitário naquela cabine, vendo-nos partir e aos poucos sentia que o mar estava engolindo pouco a pouco o destemido navio. A última coisa que vi foram as chaminés desabando. Num bote salvaram-se cinco. Ao todo morreram cento e vinte.

Aquilo seria algo que jamais iríamos esquecer. Muitos ainda se perguntam por que o capitão não tomou uma atitude de ordem que pudesse salvar mais. Eu também poderia me perguntar sobre isso, afinal de tantos apenas cinco sobreviveram? Penso nas famílias deles, nos filhos e não consigo acreditar em mais nada. Eu me tornei a única voz naquele navio, que o mar sempre o guarde.

*A tempestade não foi um evento ao acaso, o navio ficou desaparecido durante anos até ser encontrado encalhado nas ilhas do Pacífico. Apenas uma vítima foi encontrada: o capitão.

Gabriel Russelle
Enviado por Gabriel Russelle em 17/01/2007
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