Lobos

"Não importa onde estejamos,

a sombra que corre atrás de nós

tem decididamente quatro patas."

(Clarissa Pinkola Éstes - Mulheres que

Correm com os Lobos)

Há semanas ela esperava. De seu esconderijo via os dias descerem e as noites subirem. Parecia mais tempo desta vez. Ansiedade! Sempre parecia mais tempo! Fitava o céu. Não, ainda não era hora, ainda não era 'a' noite!

E esperou. Até que, finalmente, sentiu aquela sensação forte de novo. Aquela sensação de que era chegado o momento.

O sol se punha. O horizonte era uma pintura fauvista, púrpura, laranja, e depois vermelho, vermelho, o sol descendo, descendo, até sumir atrás de alguma coisa infinita, arredondada e azul.

A sensação aumentou, precisava de ar. Fechou os olhos e respirou profundamente o ar noturno, em seguida olhou outra vez o céu. Estava lá, a Lua Cheia. Seu sinal, sua cúmplice, sua irmã!

Movimentou-se em direção à floresta negra e olhou, tudo calmo, tudo escuro, tudo limpo. Mas era preciso cautela.

A visão da lua a tranquilizou, e ela correu, confiante, veloz, a cabeleira negra esvoaçando , azulada pelo brilho da lua.

Guiada pelo olfato apurado, seguia na direção de seu objetivo.

Sentia já a proximidade do alvo e diminuiu sua marcha, continuou a passos lentos, quase sem tocar o chao. Então parou.

Da beira da floresta, vigiava a pequena cabana. Uma janela mostrava a luz de lamparina. Mais algum tempo e a cabana ficou às escuras.

Ela começa a se aproximar, vagarosamente, cada vez mais perto da casa.

Olhava para a lua, a presença dela, alta no céu, a encorajava.

Chegou à porta. Nesse momento, um cão saiu de trás da cabana e ficou diante dela, dentes arreganhados, rosnando ferozmente. Porém, ao vê-la no clarão da lua, o cão parou de rosnar, balançou a cauda e chegou mais perto, ela o acariciou, e o cão voltou para de onde veio.

A janela estava aberta. Sem fazer nenhum ruído, entrou.

O homem dormia profundamente. A espingarda apoiada na parede, ao lado da cama, vigiava. Aproximou-se. Viu-o sob o luar que vinha da janela e ficou a observar-lhe o rosto, o contorno do nariz, a boca, os músculos... De repente, o homem abre os olhos, assusta-se e procura a espingarda, mas ao ver aquela criatura, deslumbrante, nua, à sua frente, para, extasiado. Como que hipnotizado, puxa-a para perto de si. Deitado ao lado dela, se deixa levar pelo olhar, pela pele, pelo desejo...

O dia nasce. A moça acorda, espreguiça-se e olha para a janela aberta. Lembra da noite anterior e sorri. Sentia-se bem. Caminhou até a porta e saiu, e correu, cabelos negros ao vento, forte, nua e feliz.

Mais tarde, homens armados voltariam à floresta para caçar

o lobo que devorava homens em noites de lua cheia.

Bete Allan
Enviado por Bete Allan em 07/02/2012
Reeditado em 23/02/2023
Código do texto: T3485649
Classificação de conteúdo: seguro