Sam parou com seu cavalo no ponto elevado do deserto, donde poderia avistar até o horizonte. Nada viu daquele lado, mas não perdeu a esperança. A tarde chegava ao fim; o vento zunia agora com um pouco mais de rigor e ele teve medo de que o frio aumentasse muito; não seria fácil dormir aquela noite, os pelos de Ventania davam indicação da mudança que estava prestes a ocorrer; a crina levantada fazia o cavalo relinchar com o incômodo. Sam sentou-se na areia a fim de colocar a cabeça no lugar e decidir o que faria a seguir. Perder-se do grupo foi a pior coisa que poderia ter acontecido.

Pouca água, não mais do que um resto de fumo e alguns biscoitos. Talvez, se andasse um pouco mais rápido poderia encontrar um oásis ou algo parecido onde pudesse passar a noite. Foi o que fez. Abriu a garrafa de água, jogou um pouco na garganta e molhou a cara; ergueu a cabeça de Ventania, escancarou os beiços do cavalo e espirrou por ali, entre os dentes, alguns jatos da bebida preciosa. Montou e seguiu jornada.

Duas horas mais tarde avistou de longe aquilo que procurava: um oásis. Seria uma miragem? Tinha certeza que não. Ainda estava forte e bem alimentado e sem sede; miragens não acontecem nesta situação. Uma sensação de alegria lhe dominou o espírito. Sempre foi um homem de sorte e essa, mais uma vez o ajudou. O lugar era realmente aprazível. Havia alguns coqueiros, um pequeno riacho e uma plantação rasteira e contínua por toda a extensão da área, não mais do que isto. Era tudo de que precisava. Desceu, amarrou ventania em uma das árvores e foi até a água. Deliciou-se com aquele frescor; chegou a abrir um sorriso largo, coisa que há muito não fazia. Fartou-se do líquido.

Ao começar, porém, a retirar as botas para se refrescar melhor, ouviu tiros, vários, um atrás do outro. Por serem as árvores muito próximas umas das outras, formando uma fileira e um semicírculo, não conseguiu ver de onde vinham os tiros, mas também não esperou para saber. De onde estava, saiu agachado em direção ao outro lado do coqueiral a fim de conseguir alguma proteção. Mal alcançou a árvore que desejava, ouviu um baque seguido de um grito lancinante; um homem caíra na outra extremidade. Os tiros, porém, não cessaram e isto fez com que o sangue lhe gelasse nas veias. Afastou para o lado um pouco da ramagem e olhou ao longe. Um grupo de pistoleiros empenhava-se em acirrada perseguição. Acompanhou-os com olhar curioso e espantado até que sumiram por detrás de uma elevação de dunas.

“É certo que voltarão”, este pensamento atravessou a mente irrequieta de Peter, mas ele logo o abandonou. Contudo, não iria ficar ali para averiguar. Foi interrompido em sua divagação pelos gemidos do homem caído do outro lado. Não poderia furtar-se a ajudar um homem ferido, mesmo sabendo que isto seria arriscado; cada minuto era precioso demais, considerando-se as circunstâncias. Levantou-se e foi até o ferido.

-Água... Por favor, água...

Este era o pedido de um agonizante. Tirou da cintura a garrafa e fez com que o outro bebesse.

-Devagar! Disse Sam e passou a averiguar o ferimento. O homem tinha dois tiros alojados na altura do peito; era grave o seu estado.

-Siga aqueles homens; precisa alcançá-los.

-O que está dizendo, porque fizeram isto com você?

-Eles querem o ouro, o ouro - a voz tornava-se cada vez mais fraca.

- Vá até o National Park, no Vale da Morte. É lá que vai encontrar todo o dinheiro e todo o ouro. Não quero que fique para Terry, ele vai matar minha mulher para ficar com a carga; precisa impedi-lo de matar minha mulher.

- Vou colocá-lo no cavá-lo e levá-lo daqui; está muito mal.

- Não se preocupe comigo, escute. Fale com Mia; ela vai orientar você. Ela sabe onde está todo o ouro, mas precisa de proteção. Danfree é o lugar. Apenas Mia conhece o paradeiro. Por favor, vá. Vá e salve minha mulher. Dizendo isto, expirou. Sam ainda tentou reanimá-lo, mas sem sucesso. Ficou na mesma posição, olhando para a fisionomia do morto, como que paralisado, totalmente estático.

- Muito bem, espertinho! O que ele disse? - o cano frio de um revólver encostado ao pescoço de Sam fê-lo sentir o calafrio próprio de um momento como esse. Não teve reação. Ficou a esperar quais seriam as próximas palavras do embusteiro. O homem chegara por trás, sorrateiramente e conseguiu pegar as últimas palavras do infeliz. Como muitos que não perdem a chance de se aproveitarem de um oásis em pleno deserto, ele viu de longe o cavalo de Sam e se aproximou com cuidado. Ao vê-lo de costas e agachado não perdeu a chance de se aproximar e rendê-lo. Na lei do deserto vence o mais astuto e preparado. Nada mal se conseguisse algumas moedas e alimento de sua vítima. Mas ao ouvir a palavra “ouro” sua ambição tomou frente e a abordagem foi outra.

- Não sei do que está falando - respondeu Sam, ainda na mesma posição, sem ver quem era o seu assaltante.

- Não banque o espertinho. Ouvi suas últimas palavras e ele falava de ouro. Levante-se com as mãos para o alto. Pode virar-se agora.
Só então Sam viu o bandido. Magro e muito barbudo, trajando um paletó marrom, já bastante gasto pelo uso contínuo. O chapéu estava caído nas costas, pendurado ao pescoço. Com um sorriso de vitória, mostrava os dentes amarelados e não tirava o outro da pontaria.

- O que prefere: contar-me o que disse o sujeito ou ir para o inferno agora mesmo? A escolha é sua.

- Como pode ter certeza de que ele falava sobre ouro?

- Quanto a isto não resta dúvida. Já disse que ouvi muito bem. Minha pergunta é: onde está o ouro?

- O que vai fazer se eu não contar a você?

- Então, é certo que existe ouro. Sabia que não me enganara. Quanto a sua pergunta, adivinha o que quer dizer este gesto? - Dizendo isto, destravou a arma e mirou para a cabeça de Sam.

- Está esquecendo de um detalhe - disse Sam, sem perder a tranquilidade. E, sem esperar resposta, emendou - se me matar, aí mesmo é que não vai saber o paradeiro do ouro.
O bandido torceu o nariz, gesto que denunciava sua confusão mental. - Suba no cavalo - disse, após um breve raciocínio, como se alguma ideia lhe tivesse aflorado à mente. Sam não tinha alternativa a não ser obedecer. Encaminhou-se até o animal, sempre sob a mira do outro. Montou e o homem fez o mesmo.

- Não tente ser engraçadinho. Vai seguir a minha frente com muito cuidado, na direção que eu ordenar, pois é onde se encontra a cidade mais próxima. E seguiram em marcha lenta deserto afora. Para não tornar tão monótona a viagem, vez ou outra o homem se aproximava de Sam e puxava conversa. Os cavalos emparelhados e a arma apontada ao lado da cintura em direção à vítima. A conversa tinha por objetivo arrancar de Sam, de forma mais suave e às vezes cordial, informações preciosas a respeito do ouro, mas ele não conseguiu muita coisa. Sam ficou sabendo que aquele forasteiro era do grupo que atirara e matara o que ficara para trás. Ele se separara sem que fosse percebido com a intenção de encontrar o homem ainda vivo e conseguir informações sobre a valiosa carga.

Em dado momento, Sam, bem próximo do outro, consegue aplicar-lhe um golpe na mão e a arma cai. Para impedir que ele salte do cavalo a fim de resgatar o revólver, Sam pula para cima dele e começa uma acirrada briga. Os dois caem no chão ao mesmo tempo, engalfinhados. Entre socos e pontapés parece que Sam consegue se dar melhor, levando quase a nocaute o outro. Mas ele é forte e resiste aos golpes com incrível valentia. Agora a briga se reverte e Sam leva vários socos, um atrás do outro. Em dado momento o forasteiro corre para pegar a arma caída perto dali, mas Sam, mesmo em meio a muita dor, consegue rapidamente aplicar-lhe uma rasteira e ela cai. A briga então recomeça. Desta vez Sam realmente leva a melhor. Vários golpes seguidos no queixo amolecem a resistência do forasteiro e ele cai sem sentidos. Sam pega a arma e coloca-a em sua cintura.

Os dois cavalos encontram-se na mesma posição em que seus donos caíram como se, obedientemente os esperassem. Foi até o animal e verificou a algibeira. Revistou todo o seu interior. Encontrou água, mais uma arma, um pouco de fumo e uns papeis velhos e amassados. Verificou rapidamente o seu conteúdo; nada importante. Precisava sair dali imediatamente antes que o outro voltasse a si. Pegou os dois revólveres e colocou-os na cintura. Em seguida montou e tratou de cair fora o quanto antes. Não mexeu na água e nem no resto de um queijo que havia no alforje do estranho.

Isto porque, embora não lhe tivesse agradado o encontro daquele homem, devia agradecer sua aparição porque foi graças a ela que pode se encontrar. O homem o levou ao caminho certo. Como dissera, sabia onde ficava a cidade e, de bem longe, Sam já conseguia avistá-la. A noite já estava prestes a chegar e ele precisava acelerar ainda mais o galope; foi o que fez e, em pouco mais de vinte minutos atravessava as cansativas areias do deserto para um chão de terra coberto, aqui e ali, por uma vegetação esparsa e pequenos arbustos.

Sam seguiu por aquele trecho agora um pouco mais confiante, porém ainda preocupado, pois não tinha uma moeda no bolso, precisava comer e nem ideia tinha de onde passaria a noite. Na cavalgada, agora lenta e despreocupada, não percebera que atrás de si vinha outro cavaleiro. Este se aproximou e colou o cavalo ao de Sam. O susto foi inevitável, mas logo dissipado por um sorriso de alegria.

- Jody! O que faz aqui? - perguntou em alto e claro som.

- Eu é quem pergunto, homem. Esquece que me mudei não faz muito tempo?

Era um belo e formoso rapaz nos seus vinte e um anos cheios de vida. Jody era de família abastada, mas fora obrigado a deixar seu território em virtude da tremenda confusão que arrumou ao se meter com o principal gangster da região. Acabou por matar um de seus homens e fugiu antes de ser julgado. Apaixonado pela filha do xerife local e já prestes a se casar teve que fugir para não ser assassinado. Rupert, o gangster, desconfiou da proteção a ficou furioso, prometendo de morte o jovem. Jody era um loiro, de ótima estatura e porte físico e amigo de Sam já há alguns anos.

- Não sabe como prezo em encontrá-lo. Acabo de passar um mau pedaço - foram as palavras de Sam.

- Não duvido! Exclamou Jody entre sarcástico e contundente. Está sujo e mal cheiroso; precisa de um bom banho. Quer me acompanhar?

- Não desejaria outra coisa no momento. Não sabia que morava por essas bandas. Em que cidade nós estamos?

- Não reconhece? É Desert Hills ... é porque ainda estamos em sua periferia. Vai se lembrar quando chegarmos ao centro comercial. Estivemos aqui há alguns anos para a compra de algumas armas.

- É claro que me lembro. Este lugar me traz grandes e agradáveis lembranças. Mas porque saiu de Susanville e veio pra tão longe?

-É uma longa história. Mas, vamos ter tempo de sobra para conversarmos. Também intenciono saber o que houve com você. Vamos; Lauren vai nos preparar uma bela sopa.

Este nome não era estranho para Sam. Enquanto cavalgavam ele ia ouvindo as explicações do rapaz sobre o que o levara a escolher aquela cidade. Jody começou a conversa, falando do bando de Ben Rupert. Do quanto temia aqueles homens. Mas, mesmo assim, ao ver que um deles se engraçara com sua amada Suzy, não titubeou, assassinou-o pelas costas. Reconhecera que fora um ato extremado.

Mas já havia ameaçado àquele bandido de morte caso ele continuasse com gracinhas para cima de sua namorada. Prevenira o xerife que o aconselhou a ser cauteloso e que tomasse cuidado, pois podia ser morto a qualquer momento. “Aqueles homens são extremamente perigosos” advertiu o xerife Bert. Mas ao ver o homem em cima de sua amada no celeiro do próprio rancho onde morava, não suportou e o matou com dois tiros a queima roupa. A reação de Sam ao ouvir aquilo foi de muita solidariedade com o grande amigo, prometendo-o ajudá-lo no que fosse necessário.

 
Professor Edgard Santos
Enviado por Professor Edgard Santos em 05/02/2012
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