Memória de uma psicose
A noite estava muito quente e Alberto não conseguia dormir. O silêncio da noite estava carregado de uma sensação muito negativa. Era como se alguma coisa sinistra estivesse por acontecer. Puxou o cobertor até a cabeça, enrolou-se todo para tentar dormir, mas o calor infernal o obrigou a se descobrir. Um medo injustificado começou a invadir sua mente, o quarto estava cada vez mais sufocante, uma gota de suor brotou da sua fronte, escorreu pelo rosto e pingou formando uma mancha no assoalho.
Era pouco antes da meia noite quando sem conseguir se conter levantou-se da cama, esfregou os olhos e abriu a porta do quarto. A luz de uma lâmpada da rua entrava pela janela mal fechada iluminando o corredor. Alberto sentiu um calafrio percorrer pelo seu corpo e recuou, respirou fundo tomando um pouco de coragem e saiu. O corredor seguia por toda a casa até a porta da rua. Seguiu silenciosamente, passou pela porta do quarto da mãe entreaberta e ouviu sua respiração dificultada pela sinusite crônica. Olhou para dentro, mas só viu a escuridão do quarto. Seguiu adiante e ganhou a rua.
No alto de um poste uma luz fraca tremia, e a lua entre as nuvens iluminava as árvores criando um efeito estranho como uma sombra fantasmagórica. Um gato, sentindo a sua presença, se apressou pelos cantos e de um salto desapareceu rapidamente abrigando-se na escuridão de um muro que ladeava a rua.
Alberto seguiu rapidamente ladeira acima como se perseguisse alguém. Caminhou horas seguidas sem parar, até que começou a encontrar pessoas que madrugavam para ir ao trabalho. Todas as pessoas que seguiam tinham um destino. Alguns se apressavam para pegar um ônibus na avenida principal, outros buscavam a estação de metrô. E Alberto sabia que tinha que se apressar, alguma coisa estava por acontecer e lhe cabia evitar.
- Seu vagabundo! Gente como você deveria ser queimado no fogo do inferno!
Alberto olhou para trás assustado, mas não viu ninguém. Olhou em torno de si, para ver a reação das pessoas, mas todos estavam ocupados caminhando de um lado para outro sem prestar atenção. Ninguém parecia ter ouvido aquela voz.
Ainda bem, pensou. Mas quem será que gritou assim comigo?
Olhou novamente em torno e não reconheceu onde estava. A seu redor as pessoas caminhavam apressadamente seguindo o caminho do trabalho, o dia começava a clarear e a vida voltava a fervilhar. Era mais uma segunda-feira de sol que estava por começar. Alberto estava de camiseta e um calção que vestira para dormir, nos pés um par de sandálias.
- Onde estou? Pensou. O que estou fazendo aqui? Era a segunda vez que lhe acontecia isso, e Alberto não sabia de onde vinha a voz que insistia.
- A culpa é sua, você não presta. Você é a perdição deste mundo. Tudo culpa sua.
Só tinha uma certeza, alguma coisa sinistra havia acontecido e ele não tinha conseguido evitar. Sentiu um peso na boca do estômago, um mal-estar terrível. Levou instintivamente a mão à boca, mas não conseguiu evitar o vômito. E de sua boca saíram além de um líquido verde e fétido, uma profusão de larvas que cresciam e se movimentavam em todas as direções dominando todo o espaço.
Alberto tentou correr, mas as pernas estavam paralisadas. Desesperado viu as larvas rapidamente subirem pelas suas pernas, percorrerem por baixo do seu calção e não demorou até senti-los invadir seu corpo pelo ânus. Sentiu percorrerem por dentro de si centenas de larvas. Estavam invadindo todo o seu corpo, eram centenas, não, milhares invadindo todos os seus órgãos até que alguns começaram a comer o seu fígado, outros subiram pelo intestino e chegaram ao estômago. Sentiu um calor insuportável, era o suco gástrico atacando os insetos queimando-os aos montes. De repente explodiu tudo num novo vômito, e as larvas subiram pela sua garganta e invadiram as narinas.
Agora o Alberto já sabia o que eles queriam, eles queriam invadir o seu cérebro, queriam controlar a sua mente. Foi nesse momento de pavor que uma dor lancinante invadiu todo o seu ser e o grito sufocado explodiu na madrugada.
Alberto caiu desmaiado na calçada no meio de uma poça de seu próprio vômito, formando uma única mancha escura no meio da calçada. Quando acordou não reconheceu onde estava. Paredes brancas, janelas altas de alumínio, um ventilador barulhento no teto, ruídos estranhos e um cheiro. Cheiro não, fedor. Virou-se e viu, deitado no leito ao lado, um homem todo embrulhado em ataduras. Este homem está apodrecendo, pensou. Avistou alguns utensílios e reconheceu o lugar. Estava num hospital.
Seus braços estavam presos na lateral da cama impedindo-o de movimentar-se livremente. Sentiu seu estômago embrulhado e lembrou-se do acontecido. As larvas! Assustado olhou em sua volta, as paredes do quarto, o chão, nos cantos onde a vista conseguiu alcançar. Tudo limpo, não havia larvas. Havia o homem no leito ao lado, todo enrolado numa fétida atadura que o incomodou.
- Tirem ele daqui. Gritou. Por favor, tirem ele daqui.
Alberto continuou a gritar, gritou, gritou até que seus olhos escureceram. O branco da parede se tornou cinza e finalmente se apagou totalmente. Em seu sonho viu sua mãe chorando sobre um caixão. Chorava desesperadamente e perguntava: “E agora? E agora?” Dentro do caixão, inerte e sereno descansava o seu corpo. Olhos fechados, cabelo penteado, pele branca como uma cera. Estava lindo, aparentava calma que nunca tivera em vida, repleto de dignidade, barba cuidadosamente aparada. Sim, pela primeira vez em sua vida viu a sua própria imagem fora de um espelho, e gostou do que viu, parecia sereno e feliz. Sentiu uma alegria que chegava como em ondas de calor, teve vontade de gritar e dizer que estava livre, mas foi apenas um instante, pois de repente tudo se transformou num pavoroso grito de horror.
- NÃO!!!
Viu o algodão cair da sua narina e por ela saia uma fila de larvas que saltavam para dentro do caixão se escondendo entre as flores.
Acordou sentindo o perfume da Giselle. Ela estava debruçada penteando seu cabelo com os dedos. Ao ver seus olhos se abrindo, se aproximou e beijou seus lábios. O calor daqueles lábios carnudos, a maciez dos seus seios se apoiando no seu corpo foi como uma luz abençoada. Alberto tentou abraçá-la e descobriu que ainda estava com os braços presos por uma atadura, de modo que ficou paralisado. Gisele continuou beijando, enquanto seus lábios desciam lentamente passando pelo queixo e depois o pescoço, as suas mãos desabotoavam a camisa. Alberto logo sentiu seus lábios úmidos e quentes acariciando seu peitoral e depois a barriga. Sentiu suas mãos soltando o cinto e os botões da calça.
- Giselle! Conseguiu dizer:
- Me tira daqui.