NO JARDIM DO MOSTEIRO (PARTE 2)

(continuação de No Jardim do Mosteiro)

(Esta segunda parte é uma interação feita por meu amigo e confrade PAULO MORENO, que se revela a cada trabalho, num autor de excepcional qualidade. Agradecido e com enorme satisfação, publico em minha pagina.)

Não sou nenhum detetive, mas eu tinha uma sensação de que algo não se encaixava.

De repente lembrei-me do monge que havia me recebido. Onde estava ele? Pra onde ele foi?

Resolvi comentar com o delegado chefe, responsável pelo caso e como já era de se esperar não obtive êxito. Na verdade acho que ele nem me ouviu, pois só disse três palavras que se resumiram em ok.

Fui procurar um hotel, pois já não seria hospedado no mosteiro e com a cabeça em turbilhões não conseguia comer nada devido ao cheiro de putrescina que parecia sair de mim e tudo o que eu tocava exalava Tetrametilenodiamina, uma substancia que eu conhecia das aulas de química.

O que eu mais queria era tomar um banho.

Deitado numa cama que mais parecia um ninho de ácaros e Deus sabe mais o que, fiquei rememorando o acontecido.

O convite de Manoel escondia algo que eu em minha ignorância não consegui perceber?

Eu tenho o costume antigo de deitar com o lado esquerdo para cima e deixar o pé fora das cobertas.

Perdido em meus pensamentos, tentado juntar as peças que mais pareciam um mosaico em que alguns componentes se perderam, fui tomado de espanto ao ouvir meu nome sussurrado tão perto que daria para sentir o calor do hálito.

Mas não, não senti nenhum calor apenas aquele cheiro de novo, como se eu estivesse no mosteiro. E a voz se eu não estivesse errado era a voz do Abade, meu amigo Manoel.

Fiquei algum tempo paralisado, pois meus ossos não respondiam ao comando de meu cérebro que era sair correndo daquele lugar e nem olhar para trás.

Novamente a voz, agora muito mais nítida e com a sensação de ter alguém sentado aos pés da cama. Eu disse sensação, pois meus olhos não abriam nem com um pé de cabra, tamanho medo eu sentia.

Quando a mão gelada pegou no meu pé, tentei gritar, mas a voz não saiu.

Eu estava apavorado, suava por todos os poros e sensação de impotência tomou conta de mim.

Mas eu precisava reagir. Afinal sou adulto, consciente, dono da minha vontade e estava me comportando como criança. Tinha que admitir que aquilo que eu estava sentindo, não passava de alucinação.

Sem dúvida, era um pesadelo e eu devia acordar imediatamente e não gritar por mamãe. Ela estava muito longe e já de idade avançada para matar os monstros que povoavam meus pesadelos.

Mas não era sonho, era real. Tão real quanto eu e a voz, agora em tom imperativo disse:

- Acenda a lâmpada. Precisamos conversar.

Senti o formigamento atingir todo meu corpo e pulei da cama.

De pé, junto à porta, acendi todas as lâmpadas do quarto. Custei a acostumar-me à claridade e quando pude ver, ele estava em minha frente.

Tentando me recompor, e a curiosidade em mim sempre foi o que me metia em apuros.

Dessa vez não foi diferente.

- Quem é você? Perguntei ainda com a voz tremula.

- Você não se lembra mesmo!

Com a mesma imperatividade do primeiro dialogo.

O capuz não me deixava ver o rosto e as mãos pareciam desprovidas de carne e nervos, somente ossos enegrecidos.

- Manoel? É você?

Perguntei esquecendo que Manoel agora era ou foi um Abade e eu deveria tratá-lo com respeito.

Não parecendo se importar com a forma que lhe dirigi a palavra ele responde.

- Não mais.

- Então, quem é você?

- Isso não importa agora, apenas ouça.

Sem outra opção fiquei ali obedecendo à ordem do ser à minha frente.

- Você busca respostas e irá encontrá-las voltando ao mosteiro.

- Mas como? A polícia interditou o local, ninguém entra.

- Por isso você deve ir agora. Lá encontrará o que procura.

Meu estomago dava voltas como quando se está em uma montanha russa só que potencializado ao extremo que chegava a doer o umbigo.

Dizem que a curiosidade matou o gato, espero que esse ditado não seja literal.

Antes que eu fizesse mais alguma pergunta o monge se dissipou numa nuvem de fumaça negra me deixando ainda mais angustiado com aquela situação.

Os minutos pareciam horas e o dilema em que eu me encontrava estava me deixando louco.

- É isso! Estou ficando louco. Nada disso está acontecendo. Dizia em voz alta pra que eu mesmo ouvisse.

Tentando colocar as idéias em ordem voltei a sentar na cama e notei que onde estava o monge agora estava um colar, uma espécie de amuleto não soube precisar.

Ao pegá-lo lembrei que todos os monges tinham um daquele pendurado ou no pescoço ou na cintura junto ao nó do cinto. Deduzi ser de meu amigo e resolvi levá-lo comigo.

Passava pouco da meia noite e eu impelido por uma força que não saberia precisar de onde vinha me dirigi ao mosteiro.

A rua estava deserta, salvo por um cão que remexia uma lata de lixo e não se importou com minha presença ao passar por ele, uma nevoa não tão espessa cobria o local, mas não dificultava a visão.

O hotel ficava a uma distancia curta do mosteiro e nem percebi que já estava à porta do local tão rápido.

Outro problema. Como entrar?

Antes de terminar de formular mentalmente pergunta a porta se abriu fazendo ranger as dobradiças seculares e uma onda de pavor tomou conta de mim despejando uma quantidade cavalar de adrenalina que todos os pelos de meu corpo se eriçaram que pareciam ser arrancados e congelando os poros ao mesmo tempo.

Pensei em voltar correndo e esquecer tudo aquilo, mas antes de fazer isso a voz se manifestou dizendo:

- Entre, rápido! Não era um pedido e sim uma ordem.

Adentrei novamente ao local onde horas atrás fui testemunha de algo que jamais imaginava que fosse passar, nem em pesadelo.

Tudo apagado.

Eis que noto sair uma luz de dentro do bolso de minha jaqueta.

Era o tal amuleto que emitia uma luz verde azulada que ia aumentando de intensidade ao passo que eu me aproximava do jardim agora envolto por faixas amarelas com listras pretas, que a policia técnica usou para que se preservasse o local onde estava a suposta planta que envenenara os monges.

Na primeira visita ao mosteiro devido aquela agitação do ocorrido eu não havia notado que no jardim existia um chafariz inativo cujas sentinelas eram gárgulas com grandes olhos lapidados em quartzo e com suas asas recolhidas sobre o tórax.

Seis delas no total circundavam a piscina não muito grande e agora desprovida de água, apenas folhas secas e excrementos de pássaros acumulados por falta de manutenção.

Eu já usando o amuleto como lanterna, dirigi o foco de luz para a face de uma das gárgulas que estranhamente faltava um olho e sua boca, por onde no passado deveria jorrar água, estava fechada.

O que me chamou a atenção foi o outro olho, ele emitia uma luz idêntica a do amuleto, porem com menor intensidade. Ao me aproximar, para analisar melhor, fui surpreendido por uma coruja que levantou vôo devido a minha aproximação, eu não a havia visto.

O susto foi tão grande que instintivamente saltei de costas com a agilidade de um gato e caí no gramado que amorteceu bem a queda.

Notei que com a queda fui forçado a soltar o amuleto para usar as mãos minimizando o impacto e ao soltar o amuleto, o mesmo foi atraído pelo olho da gárgula e adaptou-se ao vazio do olho faltante, como uma chave e sua fechadura.

A criatura começou a se mover dando passagem para um corredor estreito iluminado por pequenas pedras cujo brilho oscilava tal uma chama de vela.

Nesse momento lembrei-me de um trecho da carta onde meu amigo dizia que o retiro espiritual, que eu tanto almejava, me faria andar num “caminho de estrelas” e era realmente o que me parecia aquele corredor, com as pedras cintilando, um caminho de estrelas.

Parado à entrada eu era palco de uma batalha travada entre o instinto de sobrevivência e a curiosidade.

Ir ou não ir? Eis a questão...

(continua em No Jardim do Mosteiro - final)