AI, QUE DOR DE DENTE!
 
 
Há uma semana, meu dentista(...) já havia tentado extrair o dente – o último da arcada inferior à esquerda que, na verdade, não me servia para nada, posto que, nos implantes  ele havia sido descartado. Cinco ampolas de anestésico, uma hora de vãs tentativas e nada. A extração não foi possível, devido à bolsa de processo inflamatório que envolvia toda a região. Voltei para casa, com a medicação que me foi passada de medicamentos antiinflamatórios.
 
Ontem, ainda com dores em todo o maxilar esquerdo, retornei à clinica odontológica para a esperada extração do inútil e dolorido dente. Eu estava com medo, claro. Medo da dor que provavelmente eu sentiria, medo de novo fracasso na operação, pois a alternativa seguinte seria a internação de um dia em hospital, com anestesia intravenosa para a retirada do indesejável.
 
Mais cinco tubos de anestésico aplicados no local (meu dentista, há quinze anos, além de grande amigo, é de extrema competência) e nada! A maldita não pegava lá onde deveria agir apesar de sentir todo o meu rosto anestesiado. E, assim, passou-se um longo e interminável tempo, com toda a paciência do mundo – minha e dele – esperando que o local também fosse anestesiado.
 
- ..., hoje eu não saio daqui levando este dente, nem que a vaca tussa!
 
- Nem eu deixarei você ir embora com ele, Emília. Não mesmo. Hoje ele sai!
 
Mas o tempo passava e, cada vez que ele tentava afastar a gengiva e tocar o maldito dente, eu gritava. Gritava mesmo, parecia filme de horror! Ele se afastava, dava uma volta pelo corredor e retornava, com nova ameaça. Nada!
 
- ..., ele está fácil de sair? se estiver, eu vou suportar a dor, até que ela se torne insuportável.
 
- Bem, não está difícil, só preciso que o anestésico penetre lá no fundo da raiz. Como faremos, então?
 
- Manda bala, vou agüentar o tranco. Quando eu erguer a mão, é porque já estou quase desmaiando. Vai fundo, meu amigo... Não volto pra casa com este desgraçado.
 
Iniciou-se todo o procedimento doloroso. Primeiro a broca elétrica, para afastar a gengiva da raiz. A espátula com uma ponta imensa para abalar o dente e a dor. Quase insuportável! Agüentei firme. Quando ele estava quase conseguindo concluir a operação – Ploft! Um pequeno estouro. A obra da companhia de luz do outro lado da rua, desligou a eletricidade da clínica. Irritação geral. A secretária saiu para saber o que havia ocorrido no que foi informada que a eletricidade só seria restabelecida às dezoito horas. Eram quinze e trinta.
 
- Ah, não! Isto não pode estar acontecendo – lamentava meu dentista, quase aos prantos.
 
- Você me extraia esse maldito dente nem que seja às escuras! Aproveite que eu decidi agüentar a dor até o final. Não pare, por favor!
 
A secretária veio, abriu todas as persianas (ainda bem que, após dias e dias de céu nublado, frio e chuva, àquela hora havia muito sol, claridade e calor).
 
- Vamos continuar? Propôs-me...
 
- Vamos, é claro. Eu já disse, manda bala!
 
E assim foi. Depois de uma hora e meia, deitada naquela poltrona reclinável, muita dor e transtornos, sem o uso de luz direta, o dente, finalmente, foi extraído – em duas partes, pois, é claro, a raiz partiu-se ao meio. Mas o maldito estava fora, finalmente!
 
- Filho da puta... Disse-lhe, quando ele mostrou-me os pedaços retirados.
 
- Puta que pariu, Emília, que parto! E rimos... Rimos muito daquela situação que, enfim havia terminado bem. Nós dois merecíamos soltar uns palavrões!
 
Agindo rápida e competentemente, mesmo sem a iluminação necessária, ele finalizou a operação, suturando o corte, medicou-me e saí, com um suspiro de alívio e deixando-o também tranquilo, pois eu já não sentia mais nenhuma dor. Eu estava livre daquele incômodo de alguns meses, da dor intensa que sentia nos últimos dias, devido à piora do quadro inflamatório.
 
O único problema que ainda restava para resolver era como descer do alto da poltrona reclinável, uma vez que não havia eletricidade para baixá-la à altura dos pés. Não houve outra solução. Ele pegou-me nos braços e ajudou-me, a me sentar e descer em segurança. Ao chegar em casa eu não tinha dor e nem inchaço no local. Ficou tudo bem! Estou ótima, graças a Deus e, o que é melhor, livre do maldito que insistia em não sair.
 
 
(Milla Pereira)