NO JARDIM DO MOSTEIRO

Aquela visita ao mosteiro estava nos meus planos desde que recebera a carta de Manoel, meu colega de infância, que entrara para o convento ainda bem moço e agora fora eleito Abade.

Entre outras coisas, a carta falava no retiro anual que eu sempre desejara fazer, mas que nunca tinha tido a oportunidade.

Considerei que era chegada a ocasião e de mala em punho, toquei várias vezes o sino da entrada do mosteiro.

Lentamente, abriu-se uma janelinha, no meio da imensa porta e com voz sumida, alguém perguntou o que eu queria. Entreguei meu cartão de visitas e disse que queria falar com Manoel.

- Aqui não tem ninguém com esse nome.

- Manoel foi eleito Abade no mês passado e mandou-me essa carta.

Passei a carta convite pela janelinha. Algum tempo depois, a janelinha foi fechada com a mesma lentidão da abertura, os sons dos ferrolhos sendo corridos chegaram a mim e a porta se abriu. Apenas o necessário para que eu entrasse.

Entrei no pequeno cômodo, escuro, frio e úmido. O frade de costas para mim fechou a porta com todos os ferrolhos.

- Venha comigo, senhor.

O pequeno homem passou por mim e caminhou lentamente junto à parede. Era uma figura estranha. Vestido com o hábito negro dos pés à cabeça, só dava para ver a barba longa e as pontas dos dedos dos pés tão brancos quanto os da mão gelada que me devolvera a carta e o cartão de visitas.

Seguimos pelo longo corredor, tão sombrio quanto a saleta de entrada.

A diferença é que havia a corrente ar que trazia o cheiro nauseabundo da putrescina.

Quando chegamos a frente da porta alta, toda talhada com medalhões de santos, ele disse:

- Espere aqui. Se quiser pode sentar naquele banco.

Fui sentar e quando olhei novamente para a porta o frade tinha desaparecido.

Os minutos de espera se transformaram em hora e eu permanecia sentado, olhando as ratazanas e baratas que passavam por baixo das muitas portas enfileiradas no corredor.

Eu estava realmente incomodado com aquele cheiro horrível e impaciente pela longa espera, fiquei de pé.

Pensei comigo, vou procurar um local onde possa beber água e o respirar ar puro do jardim interior que todo mosteiro tem.

Do lado de onde tinha vindo, era a saída. Portanto eu teria que continuar andando mais para dentro do mosteiro que, fatalmente, encontraria alguém.

O silêncio era palpável.

Entrei no enorme salão de refeição. A mesa única, nua, com os bancos inteiriços nas laterais e na cabeceira a cadeira com o espaldar alto que imaginei ser a do Abade.

Pensei comigo, aquela deve ser a porta da cozinha, e lá encontrarei alguém para pedir água, mas para minha surpresa também não havia ninguém.

As panelas estavam limpas e guardadas, assim como a louça. O fogo apagado.

Era muito estranha aquela situação.

De uma das janelas entreabertas, vi o jardim, onde deitado num dos bancos, havia um monge.

Passei pela porta e fui falar com ele. Segui pelo caminho forrado de seixos rolados e pus-me em sua frente.

O frade estava com a cabeça coberta pelo capuz e reclinada no braço do banco, como se estivesse olhando algo no chão. Falei, toquei nele e não houve nenhuma reação.

Tomei um grande susto quando olhando para seus pés, vi que só havia os ossos. Toda carne tinha sido consumida por formigas ou qualquer outro animal pequeno e dele saia o terrível cheiro da putrescina.

O frade estava morto e em adiantado estado de decomposição.

Voltei correndo para o corredor e abri a porta onde eu deveria entrar para encontrar Manoel.

O susto foi ainda maior.

O cadáver de Manoel estava abandonado sobre a cadeira com um livro semi-aberto no colo. Outro cadáver estava junto à mesa.

Saí da sala com o coração aos pulos, querendo sair pela boca.

Verifiquei nas outras portas, todas eram das celas dos frades e eles estavam mortos.

Voltei para a sala de trabalho do abade e liguei para a polícia.

Ocorrera algo extraordinário ali.

Teria sido ação de assaltantes? Por que os frades estavam mortos e insepultos? Teriam sido vítimas de algum maníaco?

A polícia técnica encontrou no jardim do mosteiro a resposta para aquela cena Dantesca.

Entre as plantas havia muitos pés do cogumelo Amanita exitialis que foi acrescentado ao shiitake (Lentinus edodes) na sopa, cuja sobra estava na geladeira.

Toda comunidade havia morrido envenenada, uma semana depois do dia em que Manoel escrevera a carta me convidando para visitá-lo.

(continua em Jardim do Mosteiro - parte 2)