Show de Realidade
No primeiro mês, a câmera mostrava uma panorâmica da ampla sala de estar, de aspecto antigo, paredes de madeira, mas visivelmente decoradas pela Empresa … Decorações para aparecerem em rede nacional, e doze pessoas sentadas em um sofá em forma de U ao redor de uma televisão de muitas polegadas, ainda não lançada no mercado, da marca japonesa … entre outras tantas ferramentas tecnológicas ou tão necessárias para uma vida moderna e confortável. Os doze vestiam roupas da Grife … e as mulheres exibindo jóias da boutique de mesmo nome. Na tela, o apresentador explicava as regras aos milhões de telespectadores. “…este será o desafio dos participantes do mais revolucionário programa da televisão brasileira, inovando em 2012: A Casa Assombrada. E não é qualquer casinha que escolhemos para testar a coragem dos nossos guerreiros, ela é considerada uma casa maldita pelos vizinhos, na cidade de Rialma, estado de Goiás. Localizada às margens do Rio das Almas, os moradores mais antigos contam a história que a casa de três andares antigamente era um bordel famoso. As garotas da Dona Clô tiravam muito dinheiro dos viajantes que por ali pernoitavam após a venda do gado. Só que o bordel era barra pesada, e muitos assassinatos – de clientes, meretrizes, policiais e jagunços – aconteciam, fazendo com que a casa conquistasse a fama de mal assombrada após a sua desativação na década de 1950. Dizem que os fantasmas dos que morreram ali continuam na casa, inclusive o da proprietária, Dona Clô, que desapareceu uma noite e nunca mais foi vista. A casa foi especialmente preparada para acompanharmos – especialmente os assinantes do nosso canal Pague-para-ver – os participantes vinte e quatro horas por dia, sete dias da semana, dando aquela espiada em qualquer cômodo, em qualquer horário, até mesmo no escuro, com as nossas câmeras de visão noturna. E só existem dois modos de se sair da casa: ou o participante pressiona o botão do pânico, localizado na porta da frente e desistindo da competição por covardia ou então quando os nossos sensores detectarem que somente uma pessoa restou na casa e tocarem a música da vitória, anunciando ao último felizardo que ganhou 10 milhões de reais. E você que está aí em casa: quem vai ganhar esta disputa? Façam as suas apostas agora mesmo pelo 0800… mas lembrem-se: quanto menores as chances do seu concorrente favorito vencer, maiores serão as chances de você ganhar!”. Neste instante ouviu-se uma risada feminina histérica vindo da cozinha. Todos correram para lá, e a tela muda para mostrar o local, mas encontram o cômodo vazio.
No terceiro mês, todas as revistas e jornais – sensacionalistas ou não – comentavam a tragédia do programa. Nem uma única desistência até então. Fora as noites de insônia por causa de barulhos estranhos e inexplicáveis e a sensação de mal estar generalizada atribuída ao confinamento, os jogadores pareciam estar em uma colônia de férias, se divertindo jogando vídeo games ou fazendo musculação na academia montada no porão. Mas a mídia foi unânime ao mencionar aos altos índices de audiência da emissora na madrugada devido a quantidade de cenas sexuais protagonizadas por dois, ou mais, participantes. Algumas bizarras ou sadomazoquistas. Um destaque especial chamava a atenção para a participante Carol, que mesmo mostrando-se inicialmente tímida, em apenas um mês já havia transado com todos os homens da casa. E com algumas mulheres. O programa ganhou o apelido de A Casa Sodomizada.
No quinto mês, o comentário nas ruas era sobre o conteúdo do baú encontrado em uma parede falsa da casa. Fotos mostravam a Dona Clô em rituais sexuais de magia negra. O diário dela foi lido e relido várias vezes, primeiro por curiosidade dos jogadores, depois por orientação da produção, e narrava com descrições detalhadas o que acontecia naquela casa no passado. Muitos telespectadores discutiam sobre sacrifícios humanos e outras perversões. Os participantes, para se livrarem um pouco da monotonia – e talvez por orientação da emissora pressionada pelos patrocinadores – resolveram simular um dos rituais descritos no diário, no sótão, sentados em um pentagrama desenhado no chão. As cenas tiveram de ser editadas para irem ao horário nobre, mas vazaram integralmente na internet. A brincadeira terminou em uma orgia sem precedentes. Todos transaram com todos. Alguns patrocinadores retiraram o seu apoio. A audiência aumentou. Outros patrocinadores se interessaram. Carol assumiu o apelido de Dona Clô e tornou-se uma espécie de líder do grupo.
No sétimo mês, os jornais televisivos – em especial os concorrentes – deram destaque à investigação conduzida pela Polícia Federal para apurar o que de fato acontecera com os participantes do programa. Alguns comentavam ser apenas uma estratégia da emissora para ganhar audiência em cima de um programa que não dera certo. Porém, parentes e amigos dos participantes desaparecidos exigiam indignados uma solução para o caso. Deputados e políticos pressionavam por respostas. O delegado-chefe das investigações repetia em incontáveis entrevistas que os técnicos e perícia estavam analisando as filmagens que inexplicavelmente pareciam defeituosas na hora em que os sensores acusaram em rede nacional que restara somente uma pessoa na casa. Não foi filmado ninguém saindo pela porta da frente, apenas os participantes de madrugada se dirigindo para outros cômodos, embora não aparecessem nas câmeras dos locais para onde se dirigiram. A última a desaparecer foi Carol, que antes mandou um beijo para a câmera de visão noturna e deu uma gargalhada. E, mesmo dias após o ocorrido, o sensor continuava acusando erroneamente que uma pessoa ainda permanecia na casa.