O Buraco
Ele telefonou para família Rodrigues no dia anterior.
Como resposta informaram que poderia vir no dia seguinte às treze horas em ponto no horário de final de refeição.
Quem o esperaria era a dona da casa cujo nome não citaremos. O marido só seria encontrado após as dezessete horas depois do expediente de trabalho.
Na hora marcada ele chega. A dona da casa uma mulher de rica beleza o convida a entrar. É simpática, de voz pausada e suave. Pede para ele se sentar em uma das poltronas cobertas com panos de seda.
Ele se ajeita na poltrona, faz uma batida com o olhar a casa toda. O silencio reina, não há barulho nas outras partes da casa.
A dona da casa gentilmente oferece café e ele com delicadeza recusa. Bate mais uma vez o olho na casa e nada, nada dentro lhe chama a atenção.
Sem delongas, a dona da casa pergunta o do por que da visita e que está atrasada para seu curso de crochê.
Ele responde que será breve, que veio saber de boatos vindos de pessoas referentes à casa e que é oficial da justiça.
Tal resposta assusta a mulher. O que o oficial da justiça quer? Para apagar o constrangimento, ela abre o sorriso, informa que o visitante prossiga.
Agradecido, o oficial veio por denuncias de moradores gerados por causa de algo dentro da casa que a família oculta.
Não há nada. Responde a mulher. Vizinhos e vizinhanças não têm o que fazer, e por esse motivo encontram razões e fantasias como passatempo.
O único motivo a oferecer é de estar casada, e que ela e o marido não tinham nada dentro de casa.
E as crianças? Ele pergunta. Avisaram de que crianças foram vistas.
Que crianças? Foi uma pergunta feita no susto. Não. Não há crianças, pois a mulher não pode engravidar.
E o oficial insiste nas provas e testemunhas, de que crianças foram vistas na casa e de que jamais saíram dela.
Não há crianças. Era fantasia das pessoas. Só moram ela e o marido.
Tal resposta foi seca e dura. E ele percebe que desde que entrou não ouviu barulho de vozes. E qual será o segredo que o casal oculta?
Algumas crianças, principalmente meninos desapareceram ou tiveram seus dedos mutilados e de alguns os dez dedos.
Soube do caso, e que, o casal não está envolvido e se são suspeitos, não era na casa deles que encontrariam respostas.
Porem, uma vizinha de cinquenta e quatro anos foi dada como desaparecida há duas semanas. a família acusa que a ultima pessoa vista com a parente era a dona dessa casa.
A mulher gargalha. Gargalhada nervosa e desequilibrada. Ela confirma que nem sabe de pessoa alguma nem do nome.
Rosa. Rosa o nome da desaparecida. Casada e com três filhos.
Não conhece Rosa. Não sabe de quem estão falando.
Se há esses casos de desaparecimento, por que o marido e ela não estão sabendo?
Não é que desconhecem dos fatos, reconhecem, mas eram livres de tais denuncias. E provas? Há provas? Falatórios de boca em boca não são consideradas provas contra o casal.
Perguntaram para as crianças?
Para a surpresa, criança nenhuma teve coragem de responder quem tinha sido o responsável.
A dona da casa aponta o relógio na parede de que precisa se arrumar para sair. Ao levantar o oficial pede o favor de verificar a casa. A mulher não nega, e oferece para acompanhar o oficial.
Ele recusa a companhia e verifica cada ala da casa. Procura segredos, coisas estranhas, objetos desarrumados. A casa está em ordem. Nada de diferente ou fato suspeito. O que realmente perturba, é o silencio. De resto, tudo normal.
Dá felicitações ao marido da dona da casa e que por motivos que não podia desfazer teria que voltar para novas averiguações.
A mulher não reclama. Dá permissão para o oficial retornar a qualquer dia e horário. E se despedem com um caloroso aperto de mãos.
Fechado a porta, ela desaba na poltrona. Está aliviada e ao mesmo tempo cansada.
Pega o telefone e tecla os números. Conversa em poucos minutos com alguém do outro lado da linha, sua voz pausada e seria.
Terminado, vai à cozinha. Coloca o avental, retira do armário a panela e acende o fogo do fogão. Com a colher grande mexe na panela. Prepara refeição no horário da tarde.
Tudo isso ocorre por quase meia hora. Com a panela em mãos dirija-se ao fundo da casa e sai no quintal e chega perto da tampa de cimento. Sem dificuldade, arrasta a tampa e a claridade ilumina o que está em baixo.
Pisos, parede com tinta branca e uma cama desarrumada lá dentro.
Ela desce os degraus da escada com dificuldade e coloca a panela no chão.
Abre a panela e o perfume da refeição instala no ambiente.
E há uma pessoa. Uma pessoa nua encolhida no canto da parede. Ela o chama. Diz o nome dela e a pessoa é branca e magra, de cabelo escuro e tem a altura pequena.
Ele ergue a cabeça e olha para a mulher. É uma criança, um menino aparenta ter treze anos.
Encara a mulher com olhos vermelhos de inocência. No sussurro diz:
- Fome.
Ela mostra a panela. Na timidez rasteja devagarinho para perto dela.
- Fome. Fome.
Os olhos se saciam ao descobrirem a refeição na panela. Na rapidez pega o que há dentro e feito animal devora a refeição.
- Fome. Fome. – Sussurra ao comer.
Ela senta na cama a observar o menino devorar o almoço. Não está nervosa, talvez com o passar do tempo se acostumou com a rotina. Só pede para o menino comer devagar, não deseja que adoeça por causa da comida.
Acabado a refeição, ela o chama para junto dela. Bate com a mão no colchão para que venha sentar na cama.
E se arrasta lentamente e senta. O olhar ainda é de inocência.
Ela o abraça. Beija de leve os lábios do menino. Puxa a cabeça para o peito e afaga o cabelo liso dele.
Fica por vários minutos, quando avisa que já vai.
O menino protesta. Resmunga sem pronunciar uma palavra. Não quer que ela vá. Quer que fique.
O conforta, promete que mais a noite trará comida.
- Comida. Fome.
Sussurra.
Ele volta a rastejar para o canto da parede. Encolhe-se. Protege o corpo.
Ela se despede. Diz o nome dele, que breve voltará.
Pega a panela e sobe a escada.
Ele escuta a tampa de cimento. Logo a escuridão governa o buraco.
Ela recorda o dia. Pois, ainda não foi apagado. Um dia qualquer de outubro.
Treze anos. Treze anos que, o casal e o menino...
Na noite de outubro daquele ano ela e o marido foram visitados por duas estranhas criaturas pequenas. Não pronunciaram palavra alguma e a raptaram levando-a para o céu. Foi uma semana, até que voltou. Revelou que ficou dentro da nave das criaturas sofrendo vários tipos de abusos.
Desses abusos trouxera algo no ventre dela. No útero gerou um ser.
Tao rápido a barriga desenvolveu tão logo o ser nasceu. Era menino, mas não tinha feições das criaturas. Era uma criança humana e bela.
As primeiras intenções era matar o menino. Não era fruto gerado dela com o marido. Mas desistiram. O menino carregava inocência.
E criaram. O menino cresceu. E fizeram o buraco no quintal para ele.
Então... Por que o buraco? Qual a razão para o menino viver no buraco no meio do quintal?
Medo. Medo de todos. A vizinhança usou os boatos de crianças desaparecidas e até de uma pessoa adulta para criar motivo para invadir a casa e descobrir o segredo. Porem, na vizinhança há treze anos as mulheres foram sequestradas pelas mesmas criaturas e também sofreram abusos e engravidaram.
Eis o segredo.
Foi combinado que ao nascer de cada criança os casais deveriam matar suas crias. E fizeram.
Menos o casal. Não podiam tirar a vida de um ser de pura inocência. Mentiram. Esconderam o menino. Treze anos de suspeitas dos vizinhos. Por isso os boatos de acusação de crianças desaparecidas, de suspeitas e agora a policia envolvida.
Mais cedo ou mais tarde a criança será descoberta, e o que farão com ele, ela não quer imaginar.
Ainda falta muito para o marido chegar. Liga a TV e a distração é a mãos que movem as agulhas de crochê.
Ainda lembra-se de uma cantiga popular dos tempos de infância. Sem jeito começa a cantar no ambiente solitário da casa.