Por Baixo do Capuz Vermelho
A escova deslizava suavemente pelos cabelos, como uma folha que percorre livremente o percurso da correnteza de um rio, cabelos esses num forte tom de bronze. Emoldurava o angelical rosto infantil, suavizava a postura de mulher, juntava-se à brisa na dança do vento. Era como um vento que podia ser visto, tremulava ferozmente, escapava entre os dedos, parecia desmanchar-se com um simples toque. Repousava atrás das orelhas como se indicasse inocência, caía sob os ombros como trunfo de sedução, aquele ruivo flamejante era o coração que palpitava na menina que se tornava mulher.
O inverno vinha e não poupava.
A neve vinha, quebrava galhos, congelava e pousava.
Neve, tão branca, pura, mas tão sombria. A garota, que caminhava como se não notasse o frio, manchava o neve com seu capuz vermelho. Era como sangue que gotejava na neve tão branca, tão pura. Era como um pássaro de fogo em uma luta falha contra o inverno. Fina lã vermelha, flamejava com os flamejantes cabelos ruivos.
- Diga garota, à mim que não sois digno de vossa delicada presença, de onde trazes o magnífico calor envolto de teu corpo? - Sussurrou o lobo, em desconcertante tom de voz, arfando.
- Não se acanhe diante de minha presença, velho lobo. Minha senhora sente frio, e só o meu calor não lhe basta. Venha até mim! - Sugeriu a doce e generosa voz, em um gesto de acolhimento.
O lobo, por sua vez, acomodou-se junto à garota naquele aconchegante metro de lã vermelha. Em um ato de carinho, a garota deslizou a mão por cima da lã que cobria o cão, tirando de algum lugar um objeto. Abraçou o lobo e sussurrou:
- Dê-me o teu calor, velho lobo, e eu lhe mostro de onde trago o meu!
Ergueu o braço e, em um gesto quase que imperceptível, cravou o afiado objeto no corpo do animal. Houve um uivo! Um forte uivo que fora calado por sangue e uma lágrima. O couro cheio de pelos lhe foi tirado e, agora, a lã se encontrava ainda mais vermelha.
O animal, ali jazeu, pousando junto à neve.
Foi-se a garota manchando o branco tão puro!