"Inimigo Meu".




Moro em uma fazenda, muito grande, onde tenho criação de vários tipos de gado e cavalos.
Antes até, tinha gado comum, mas depois, optei por raças puras que embora trabalhosas, são mais rentáveis.
Recebo visitas, tanto de amigos, como de compradores.
Todos comentam sobre meu braço direito, o Senhor Sebastião.
Ele é uma pessoa de mal com a vida, mal humorado, xinga, cospe no chão.
O homem é uma figura.
Um grande amigo, após passar um mês de férias comigo, me chamou para uma conversa franca.
Ricardo
-Você se cercou de uma equipe de experts, veterinários, secretárias, adestradores, vendedores, peões, e o Senhor Sebastião.
Ele detesta tudo que você tem e faz.
É a antítese, você só não perde a clientela, porque as qualidades superam estas fraquezas, mas o homem é um grosso.
Concordo, mas para você entender, tenho que voltar no tempo.
Quando cheguei aqui, o Senhor Sebastião, já estava, ele era mateiro.
Como não conhecia nada, disseram que se conseguisse contratá-lo, não teria problemas, pois conhecia tudo do mato.
Quando fui falar com ele, não esperava ser tratado como rei, mas eu era um recém formado na universidade, merecia um pouco de respeito.
Sua casa era um amontoado de paus, parecia um castor.
Ele simplesmente falou.
-Volte amanhã, vou pescar.
Virou as costas para mim e foi embora, louco da vida eu o acompanhei.
Uma das poucas coisas simpáticas que ele disse neste tempo todo.
Quer pescar?
Sim.
 Aí, começou meu calvário, fiz o caminho de “Santiago”, pântano, mosquitos, calor, barro, mas realmente pegamos belos espécimes.
Pegamos, o que eles chamam de piroga, uma espécie de canoa indígena, muito estreita, ele parecia equilibrista pescava de pé, para pescar nela sentado, já era difícil.
Arremessava uma tarrafa como ninguém, .
A pescaria foi super produtiva, só que fui o carregador, não pensei que fosse este tipo de pescaria.
Quando voltávamos com o barco, se é que aquilo podia ser chamado de barco, ele parou de remar e falou baixinho.
-É um Açu, veio atrás dos peixes, não entendendo nada, fiquei de pé, para ver melhor.
Levei um nome, que minha santa mãezinha, deve ter mexido no túmulo, quando percebi, era tarde demais.
O Açu é o Jacaré-Açu, primo irmão do crocodilo, ou jacaré gigante, pensei que ele bateu com o corpo no barco, não foi, era o rabo e jogou-nos às margens.
Embora que a margem era um lamaçal, fomos ao fundo.
Na penumbra da noite, vi a enorme bocarra, me pegando pelo meio.
A dor foi tão forte, que pensei que seria seccionado, qualquer pessoa no mundo, inclusive eu, teria fugido dali, largado o companheiro a própria sorte.
Porém, este velho rabugento, que na época não era tão velho, só rabugento, encostou em mim, com um enorme facão, e xingando por todos os nomes possíveis e imagináveis, foi dando cuteladas, no monstro, e tirando pedaços, hora uma perna, hora um pedaço do rabo,
O monstro me largou, e foi em sua direção, ele não fugiu, nadou em direção à terrível fera.
Praticamente foi engolido, pelo ombro e cabeça, mas não parava, logo a fera boiava aos pedaços.
Mesmo sangrando muito, ainda me levou para um lugar seco.
Depois silou o que pode dos peixes, e os pedaços da fera.
Os peixes foram divididos, como ele sempre fazia, e antes de sermos socorridos ele só pediu a cabeça do Açu.
Eu fiquei quase dois meses no hospital, quando saí fui procurá-lo, e percebi que havia perdido o movimento do braço direito.
No serviço que ele exercia, quando isto acontece, melhor morrer, porque o homem só presta, quando produz.
Me aconselharam, se antes estava difícil, agora o Senhor não consegue nada com ele.
Bebe o dia todo, só sabe brigar.
Quando cheguei à sua casa, ele já foi xingando falei.
 - Pensei que poderia usá-lo em minha fazenda, mas acho que o senhor não consegue nem carregar um balde d’água, para mim não serve, preciso de um homem não de um pedaço.
Se eu não coro morreria ali. No outro dia minha secretária falou, tem um homem desde cedo, chegou ainda estava escuro, quer falar com o senhor, disse que é o aleijado.
Quando saí, ele me olhou, eu também o olhei e falei.
-Por alguém como eu, ninguém faria nem o favor de ajudar a atravessar uma rua, Vê-se que você é burro mesmo, o Açu te ofendeu muito?
-Até que ofendeu o molejo do braço. Mas eu o ofendi também.
-Aceita uma branquinha?Ele me olhou firme na cara e falou.
-E andei muito mole ultimamente, precisava de um homem para me falar umas verdades.
Então eu parei de beber, e vim aqui, trabalhar, se você quiser me paga, o que paga para os seus empregados, se não quiser tanto faz, eu só não posso morrer com este nó na garganta de alguém falar que eu sou aleijado, eu sou, mas ainda sei picar uma linha, limpar um terreno, trabalho de homem, porque sem trabalhar não posso ficar.
-Senhor Sebastião também sou muito homem para reconhecer um erro.
Quando falei tudo aquilo, para o senhor, é que quando fico com raiva, eu não escolho, o certo ou o errado, me arrependo depois, mas já falei.
Sei o que o Senhor fez com o Açu, e faria de novo, mas bicho é bicho.
Como o senhor lida com o bicho homem?Sabe mandar?
-Nunca fiz, mas acho que sim.
-Preciso de alguém que veja por cima de meu ombro.
Às vezes por medo, por simpatia, não vejo.
Aqui ele é um pequeno rei e eu assino embaixo.
Nunca perdemos uma causa, mas fico com dó de quem briga com ele.
Meus lucros triplicaram, pois tem a sabedoria da terra.
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OripêMachado.
Oripê Machado
Enviado por Oripê Machado em 01/12/2011
Reeditado em 02/12/2011
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