"O Velho Rei" 03
As crianças e rapazes sentaram ao redor do velho rei.
O guerreiro Hatuzzi devia ter perto dos noventa anos.
Não tinha mais dentes na boca e seus olhos, não enxergavam quase nada.
Passava todas suas experiências vividas, ou por guerreiros que ele soubera.
A lição ficava para que se houvesse situação idêntica soubessem o que fazer.
Um bravo guerreiro o reverenciou, mas ao se afastar falou:
- melhor não ter rei.
De que serve um rei que não defende a tribo?
Os leões sempre são mansos, bravas são as leoas.
Às vezes acontece um acidente e o leão fica mau.
Na natureza mata-se apenas pela sobrevivência.
Este Juba Negra foi ferido em uma caçada e virou assassino.
Homens, mulheres, crianças e gado não tinham mais segurança.
Alguém precisa por um fim nisto.
O mesmo guerreiro disse:
-Se tivéssemos um rei novo, ele poderia matar o leão.
Aquelas palavras calaram forte no coração do velho rei.
Matara em sua vida muitos leões, não sabia ao certo o numero, mas era mais de cinqüenta.
Pegou seu escudo, sua lança de ferro chamou a todos.
-Hoje fui ferido no coração, no fundo de meu peito e resolvi.
Pensei em convidar o valente guerreiro que fez a brincadeira.
Ele é forte e pode ajudar a tribo, mais que eu.
Quero que ele sente em minha cadeira até eu voltar.
Vou ficar uns dez dias fora e ninguém sai de casa.
Como rei que sou, como foram meus antepassados, meu pai e meu avô, determino ninguém dormirá, só as mulheres e as crianças.
Os guerreiros não deverão largar a Lança por nada.
Se forem comer usam uma mão e a outra segura a lança.
As mulheres vão buscar água todas de uma só vez, quatro guerreiros irão junto.
Se for sozinha os homens deveriam acompanhá-la e não o fizeram serão expulsos, não mais pertencerão a tribo.
O rei falou.
Suas mulheres tentaram dissuadi-lo.
-Já pensaram que alegria, pensei que morreria contando histórias para as crianças e que sorte eu tive, justo um Juba Negra.
Quando saiu às suas costas foram fechados os portões.
Até o guerreiro que havia feito o comentário estava arrependido.
Com passos firmes e sem olhar para trás, o rei caminhou para a savana.
Se tivesse olhado, teria visto um vulto que sorrateiramente saiu em seu rastro.
Ouviu um ruído e se escondeu atrás de uma árvore.
Não capturou o leão, mas bateu com a lança de lado na bunda de seu netinho de sete para oito anos.
-Que faz aqui pequeno guerreiro?
-Vim ver meu rei matar um Juba Negra.
-Volte para casa, são ordens do rei.
-Agora você é meu avô e vou te ajudar a matar o Juba Negra.
-Pela distancia que andamos, não sei qual é pior, voltar ou ficar.
-Fique atrás de mim e não faça barulho.
-Também tenho minha faca vovô.
-Se para o leão as coisas estavam difíceis, e agora dois reis, ele não tem nenhuma chance.
-Vamos vovô, estamos perdendo tempo.
Ouvi um barulho de galhos quebrados, só via vultos falei para meu neto.
-É o leão?
-Não vovô é só uma hiena velha e feia.
Ainda bem porque se a hiena estava ali com certeza o Juba Negra não estava.
Caminhamos por mais uma hora, chegamos a um morro com pedras pontudas.
Senti o cheiro do leão e de carne podre.
-Pequeno rei olhe em volta, veja uma caverna está próxima.
-Não vejo nada vovô.
-Olhe melhor talvez, atrás desta pedra grande.
-Sim vovô, tem um buraco, mas não é uma caverna, mal dá para entrar um homem e deitado.
-Vamos entrar.
-E o leão vovô?
-Você está com medo meu rei?
-Não vovô o leão é que deve estar.
O buraco estreito ficou maior, até ficar uma grande caverna.
-Por isto não achamos ele, aqui ninguém o procuraria.
-Vovô olhe quantos ossos, de vaca, de cabra, acho que até de homem.
-Este leão, pequeno rei, está doente, precisamos matá-lo para que ele não sofra mais.
-Vamos para o fundo da caverna.
-Pronto agora você fica atrás de mim, quando ele vier você me avisa tá?
-Tá vovô.
-Ouvi um urro bem próximo acho que está chegando e sentiu nosso cheiro.
-Você está tremendo, está com medo guerreiro?
-Não vovô.
-Pois eu estou, se não tivesse com você, acho que saia correndo.
-Bom vovô, estou só um pouquinho.
O leão apareceu, se eu enxergasse pelo menos.
Bom ele não sabe disto vai pular no meu pescoço, tenho que posicionar a lança assim.
Coloquei a ponta quase a frente de meu rosto, o cabo coloquei entre as pernas.
Senti seu bafo horrível, quando meu neto gritou levantei a ponta da lança e por uma sorte muito grande ele se enterrou nela transpassado.
A lança de ferro havia atravessado seu peito.
Com o peso do leão caímos os dois.
Com a falta de ar e do peso desmaiei.
Quando acordei, meu pequeno rei acordou em seguida.
-Nós precisamos caçar mais estamos enferrujados.
-Dois homens para matar um leão.
-Precisava vir três ou quatro.
-Acho que cinco, vovô.
-Que é isto seu braço está ferido?
-Não fui esperto o suficiente como você meu rei e a garra dele me pegou.
Tirei sua tanga e enrolei em seu braço.
-Você deveria tirar o couro dele, mas como está ferido eu tiro.
Após tirar o couro do leão, pois não conseguiríamos levá-lo (era muito pesado) cortei o couro no meio do focinho até o rabo.
-Porque vovô?
-Quem matou o leão?
-Nós.
-E o que um rei faz com a pele do leão?
-Veste.
-Então você veste a metade e eu a outra metade.
-Outro dia a gente mata outro leão e emenda a pele que você acha?
-Amanhã vovô?
-Não posso, teremos reunião e uma festa.
Quando chegamos ao portão mal conseguíamos andar.
A mãe de Mkobo correu para ele e ia abraçá-lo.
Eu falei:
- Tire a mão do rei mulher, a menos que ele queira abraçá-la.
-Posso vovô?
-Você é o rei, pode fazer tudo que quiser.
Nunca vi tanto amor num jovem rei e numa jovem mãe.
-O rei precisa de cuidados, cuide dele mulher.
E o rei desmaiou nos braços de sua mãe.
A festa foi adiada, pois o rei estava quase morto e o pequeno rei Mkobo também.
No dia da festa além de várias homenagens recebi a visita do guerreiro que havia feito aquela brincadeira comigo.
-Você falou a verdade, seu rei não consegue matar uma cabrita, mas seu coração guerreiro podia ser mais bondoso.
-Já matei muitos leões e sei que você também, mas meu neto Mkobo, para me ajudar superou o próprio medo.
-Tenho vários filhos e netos, mas ele será nosso rei e você guerreiro, valente, será seu guardião, pois confio em você.
Peguei minha faca e fiz um corte em seu peito.
Ele sorriu e deitando de rosto no chão falou.
-Dizem que rei não tem idade.
-Agora acredito nisto.
-O senhor deu forças a um menino de sete anos.
- Conte como foi esta luta.
-Sua cabeça contará hoje quando dança.
-Conte a história do rei, que amou tanto sua tribo, que levou seu neto para matar um leão, terror da noite, o Juba Negra.
Vivi pouco tempo, mas mesmo assim testemunhei atos de heroísmo, que nem em sonhos se vê, de Mkobo.
O maior rei Hatuzzi, que teve a tribo Zulu.
O velho rei existiu.
O nome dele... Não importa.
O seu rei. O meu rei. O seu avô. O meu avô.
”Quando duas almas se juntam no amor, até o diabo corre de medo”
Esta história fictícia é minha homenagem, aos povos africanos
que
Desbravaram esta terra (sem salário, nem férias).
Oripê Machado.
As crianças e rapazes sentaram ao redor do velho rei.
O guerreiro Hatuzzi devia ter perto dos noventa anos.
Não tinha mais dentes na boca e seus olhos, não enxergavam quase nada.
Passava todas suas experiências vividas, ou por guerreiros que ele soubera.
A lição ficava para que se houvesse situação idêntica soubessem o que fazer.
Um bravo guerreiro o reverenciou, mas ao se afastar falou:
- melhor não ter rei.
De que serve um rei que não defende a tribo?
Os leões sempre são mansos, bravas são as leoas.
Às vezes acontece um acidente e o leão fica mau.
Na natureza mata-se apenas pela sobrevivência.
Este Juba Negra foi ferido em uma caçada e virou assassino.
Homens, mulheres, crianças e gado não tinham mais segurança.
Alguém precisa por um fim nisto.
O mesmo guerreiro disse:
-Se tivéssemos um rei novo, ele poderia matar o leão.
Aquelas palavras calaram forte no coração do velho rei.
Matara em sua vida muitos leões, não sabia ao certo o numero, mas era mais de cinqüenta.
Pegou seu escudo, sua lança de ferro chamou a todos.
-Hoje fui ferido no coração, no fundo de meu peito e resolvi.
Pensei em convidar o valente guerreiro que fez a brincadeira.
Ele é forte e pode ajudar a tribo, mais que eu.
Quero que ele sente em minha cadeira até eu voltar.
Vou ficar uns dez dias fora e ninguém sai de casa.
Como rei que sou, como foram meus antepassados, meu pai e meu avô, determino ninguém dormirá, só as mulheres e as crianças.
Os guerreiros não deverão largar a Lança por nada.
Se forem comer usam uma mão e a outra segura a lança.
As mulheres vão buscar água todas de uma só vez, quatro guerreiros irão junto.
Se for sozinha os homens deveriam acompanhá-la e não o fizeram serão expulsos, não mais pertencerão a tribo.
O rei falou.
Suas mulheres tentaram dissuadi-lo.
-Já pensaram que alegria, pensei que morreria contando histórias para as crianças e que sorte eu tive, justo um Juba Negra.
Quando saiu às suas costas foram fechados os portões.
Até o guerreiro que havia feito o comentário estava arrependido.
Com passos firmes e sem olhar para trás, o rei caminhou para a savana.
Se tivesse olhado, teria visto um vulto que sorrateiramente saiu em seu rastro.
Ouviu um ruído e se escondeu atrás de uma árvore.
Não capturou o leão, mas bateu com a lança de lado na bunda de seu netinho de sete para oito anos.
-Que faz aqui pequeno guerreiro?
-Vim ver meu rei matar um Juba Negra.
-Volte para casa, são ordens do rei.
-Agora você é meu avô e vou te ajudar a matar o Juba Negra.
-Pela distancia que andamos, não sei qual é pior, voltar ou ficar.
-Fique atrás de mim e não faça barulho.
-Também tenho minha faca vovô.
-Se para o leão as coisas estavam difíceis, e agora dois reis, ele não tem nenhuma chance.
-Vamos vovô, estamos perdendo tempo.
Ouvi um barulho de galhos quebrados, só via vultos falei para meu neto.
-É o leão?
-Não vovô é só uma hiena velha e feia.
Ainda bem porque se a hiena estava ali com certeza o Juba Negra não estava.
Caminhamos por mais uma hora, chegamos a um morro com pedras pontudas.
Senti o cheiro do leão e de carne podre.
-Pequeno rei olhe em volta, veja uma caverna está próxima.
-Não vejo nada vovô.
-Olhe melhor talvez, atrás desta pedra grande.
-Sim vovô, tem um buraco, mas não é uma caverna, mal dá para entrar um homem e deitado.
-Vamos entrar.
-E o leão vovô?
-Você está com medo meu rei?
-Não vovô o leão é que deve estar.
O buraco estreito ficou maior, até ficar uma grande caverna.
-Por isto não achamos ele, aqui ninguém o procuraria.
-Vovô olhe quantos ossos, de vaca, de cabra, acho que até de homem.
-Este leão, pequeno rei, está doente, precisamos matá-lo para que ele não sofra mais.
-Vamos para o fundo da caverna.
-Pronto agora você fica atrás de mim, quando ele vier você me avisa tá?
-Tá vovô.
-Ouvi um urro bem próximo acho que está chegando e sentiu nosso cheiro.
-Você está tremendo, está com medo guerreiro?
-Não vovô.
-Pois eu estou, se não tivesse com você, acho que saia correndo.
-Bom vovô, estou só um pouquinho.
O leão apareceu, se eu enxergasse pelo menos.
Bom ele não sabe disto vai pular no meu pescoço, tenho que posicionar a lança assim.
Coloquei a ponta quase a frente de meu rosto, o cabo coloquei entre as pernas.
Senti seu bafo horrível, quando meu neto gritou levantei a ponta da lança e por uma sorte muito grande ele se enterrou nela transpassado.
A lança de ferro havia atravessado seu peito.
Com o peso do leão caímos os dois.
Com a falta de ar e do peso desmaiei.
Quando acordei, meu pequeno rei acordou em seguida.
-Nós precisamos caçar mais estamos enferrujados.
-Dois homens para matar um leão.
-Precisava vir três ou quatro.
-Acho que cinco, vovô.
-Que é isto seu braço está ferido?
-Não fui esperto o suficiente como você meu rei e a garra dele me pegou.
Tirei sua tanga e enrolei em seu braço.
-Você deveria tirar o couro dele, mas como está ferido eu tiro.
Após tirar o couro do leão, pois não conseguiríamos levá-lo (era muito pesado) cortei o couro no meio do focinho até o rabo.
-Porque vovô?
-Quem matou o leão?
-Nós.
-E o que um rei faz com a pele do leão?
-Veste.
-Então você veste a metade e eu a outra metade.
-Outro dia a gente mata outro leão e emenda a pele que você acha?
-Amanhã vovô?
-Não posso, teremos reunião e uma festa.
Quando chegamos ao portão mal conseguíamos andar.
A mãe de Mkobo correu para ele e ia abraçá-lo.
Eu falei:
- Tire a mão do rei mulher, a menos que ele queira abraçá-la.
-Posso vovô?
-Você é o rei, pode fazer tudo que quiser.
Nunca vi tanto amor num jovem rei e numa jovem mãe.
-O rei precisa de cuidados, cuide dele mulher.
E o rei desmaiou nos braços de sua mãe.
A festa foi adiada, pois o rei estava quase morto e o pequeno rei Mkobo também.
No dia da festa além de várias homenagens recebi a visita do guerreiro que havia feito aquela brincadeira comigo.
-Você falou a verdade, seu rei não consegue matar uma cabrita, mas seu coração guerreiro podia ser mais bondoso.
-Já matei muitos leões e sei que você também, mas meu neto Mkobo, para me ajudar superou o próprio medo.
-Tenho vários filhos e netos, mas ele será nosso rei e você guerreiro, valente, será seu guardião, pois confio em você.
Peguei minha faca e fiz um corte em seu peito.
Ele sorriu e deitando de rosto no chão falou.
-Dizem que rei não tem idade.
-Agora acredito nisto.
-O senhor deu forças a um menino de sete anos.
- Conte como foi esta luta.
-Sua cabeça contará hoje quando dança.
-Conte a história do rei, que amou tanto sua tribo, que levou seu neto para matar um leão, terror da noite, o Juba Negra.
Vivi pouco tempo, mas mesmo assim testemunhei atos de heroísmo, que nem em sonhos se vê, de Mkobo.
O maior rei Hatuzzi, que teve a tribo Zulu.
O velho rei existiu.
O nome dele... Não importa.
O seu rei. O meu rei. O seu avô. O meu avô.
”Quando duas almas se juntam no amor, até o diabo corre de medo”
Esta história fictícia é minha homenagem, aos povos africanos
que
Desbravaram esta terra (sem salário, nem férias).
Oripê Machado.