O PEQUENO MARCELO (Primeira parte)

O PEQUENO MARCELO

(Primeira parte)

A noite choveu torrencialmente. A manhã prometia chuva para o dia todo. Dona Rosilda respirava com dificuldades. Seu marido Marcelino era conhecido na redondeza como Camelo Velho, pois o infeliz tinha uma corcunda que o incomodava. Tossia em volta do fogo, com um palheiro que não parava de girar em sua boca. A bronquite, a asma e a dor nas cadeiras deixava-o bastante irritado. A velha gemia de tantas dores. Consequências de uma série de coisas, inclusive da má alimentação. O barulho da chuva no telhado de tabuinhas, quase uníssono com o vento que assobiava nas frestas da velha casa toda preta de picumã.

Marcelo, o filho único do casal ficava sem saber o que fazer diante de tantas dificuldades. Andava de um lado para o outro. Não sabia se preparava um pouco de comida ou dava o remédio para os dois viventes, um deles já na ânsia da morte. O vizinho mais próximo era só em Esmeralda, na fazenda Quatro Imbúias, a quinze quilômetros dali. Tentando manter a calma, preparou algo para comer. Em seguida colocou o remédio numa xícara e entregou à sua mãe, que com dificuldades engoliu-o. Para o velho repetiu o mesmo processo. Naquela semana haviam recebido o “médico” do Matão, Sr. Francisco. Homeopata, raizeiro e benzedor muito respeitado na região. As raízes medicinais, as ervas e as cascas tinham em abundância no calor do fogo, que era alimentado debaixo da velha trempe usada como fogão. Sempre que acabava um litro do medicamento preparado, o velho Marcelino ou o Marcelinho, punha uma certa medida de água, de acordo com as orientações do seu Chico. Após preparado, deixava descansar por sete dias. Só depois começava a ser usado.

O pequeno Marcelo, menino inteligente, fazia todo o serviço de casa e até roupas lavava. Não era um trabalho perfeito, mas, afinal de contas... era o que ele podia. A roça, como dizia o ditado da região, era vendida ao “João de Mato”, isso porque o pai plantava e não conseguia capinar. Apenas em em alguns pontos da mesma o fraco Marcelinho limpava, isso quando vinha alguém da redondeza ver como estava dona Rosilda. A colheita dava um pouquinho aqui, um pouquinho acolá. O que produzia não dava para passar um ano. Graças ao padre João Maia, pároco do local, que conseguia alguns mantimentos para a família. Assim evitava que passassem fome.

A situação piorou. A vizinhança reuniu-se em mutirão para roçar o mato. A planta do milho e feijão ficou com o pobre Marcelinho entre “trancos e barrancos”. Quando estes nasciam, vinha junto o mato. Os amigos tornaram a reunir-se para capinar, o que fizeram tudo em um dia.

Passaram-se alguns meses. O garoto estava até perdido no tempo. O dia do seu aniversário pra ele era indiferente. O que importava era a saúde dos pais. Não agüentava mais aquela vida. Seus pais não tinham culpa. Entendia tudo isso, mas vez ou outra desanimava. Lembrava sempre do conselho da mãe e do pai: “Filho, faça o bem, que você vai ser muito feliz”. – Feliz? - Pensava. Isso é felicidade? Mas... na hora certa vou ser mesmo!

Numa noite chuvosa a pobre velha tossia cada vez mais. O velho ressonava. Marcelo, com muito sono, segurava em sua mão a velha lamparina. A lenha estava acabando. Lá ia o menino à procura de alguns gravetos para queimar. A luz da lua não aparecia devido à brusquidão do céu, mas dava pra ver um pouco o chão. Todo molhado, trazia a lenha pra dentro de casa. Com um machado, cortava-as em pedaços regulares e colocava-as perto do fogo para enxugá-las. A mãe continuava tossindo, gemendo e se virando na cama. Mais uma dose do remédio estava sendo inútil. A mulher não melhorava. O filho pensava em seu íntimo: “Hei de ser médico e ajudar amenizar a dor das pessoas. Não sei como... mas vou conseguir”. Pensando assim, criava um pouco mais de ânimo.

Lá pelas três ou quatro horas da manhã, os galos haviam cantado já pela segunda vez. Os gemidos da dona Rosilda cessaram. Finalmente... o menino conseguiu dormir. Silêncio total. O esposo dormia profundamente.

O dia já claro e o silêncio quebrado com o cantar da passarada. Marcelo dá um pulo da cama. Olha o sol pela fresta da choupana. – Meu Deus... está na hora do remédio!

Correu, preparou primeiro o do pai, em seguida o da mãe, mas não quis dar na hora certa pra não acordá-la. Pensou: “Finalmente depois de vários meses ela conseguiu dormir profundamente. Enquanto esperava, preparou a refeição matinal. Fazia isso com rapidez, devido à prática adquirida.

Chegou a hora do medicamento. Já havia passado tempo demais. Foi acordar sua mãe... tocou nela levemente. A mulher não se mexia. Sacudiu com mais força. Nada de se mexer. Pôs a mão em sua fronte. Estava gelada. Quase entrou em pânico. Não queria assustar seu pai, que dormia virado para a parede. Chamou seu Marcelino, e este o atendeu.

- O que foi meu filho? Você está precisando de ajuda? Eu... já estou me levantando.

- Papai... veja a mamãe...

- Meu Deus! Está...

- Está morta, não é mesmo, papai?

Está sim, filho... vamos manter a calma... vá chamar a vizinhança...

- Está bem... eu hei de ser um médico. Não quero ver ninguém mais sofrendo... Disse o menino entre lágrimas...

Os vizinhos começaram a chegar. Quatro pessoas ficaram incumbido de cavar a sepultura. Seu Isidoro e seu filho Julio providenciaram o caixão, que um rico madeireiro da região doou. As despesas do funeral foram rateadas pelos amigos da família.

Adolfo Ofmann, mais conhecido como Alemão, homem rico da região também estava no velório. Ouvia o menino entre prantos dizer que seu sonho era tornar-se médico. “Médico?” Pensava o Alemão. “Se ele mal sabe escrever seu nome”! O recém órfão não estudou devido à falta de recursos e a consequência das doenças.

Marcelo Mendes continuava suas atividades no papel de pai e mãe dona de casa. Ficou maravilhado quando viu um diploma de médico na parede na casa do Sr Ofmann. Tratava-se de um certificado do curso de medicina que pertenceu à sua esposa, morta há alguns meses num acidente. Após o homem explicar ao pequeno franzino, os olhos deste brilhavam. Tudo o que sonhava era ter um daquele em seu próprio nome...

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CONTINUA........

(Christiano Nunes)