DETALHES DO DESTINO (PARTE 02)
Algo dentro da casa do senhor Armando era peculiar, tinha um mistério em tudo, um agradável requinte de sobriedade na decoração e me deixava sentir como se estivesse em outro mundo, muito melhor que o meu, levando em consideração a solidão que eu vivia dentro de minha casa e a insegurança que sentia na casa de Victor.O Senhor Armando me conduziu até uma sala ampla com uma enorme porta de vidro que dava para seu jardim, ali tinha um piano de cauda e um conjunto de sofás de cor branca, onde ele deixava jogadas almofadas com desenhos geométricos coloridos, alguns quadros na parede de um bom gosto incrível, um aparador com porta retratos de pessoas velhas e novas, deveriam ser parentes.
Vendo que meus olhos reparavam na decoração, sorriu e disse para que eu ficasse a vontade, quando quisesse conversar estaria a minha disposição.
Senti meu rosto corar, o senhor Armando me fazia sentir ingênua, parecia querer minha companhia e ao mesmo tempo suas palavras me soavam rudes, como se ele estivesse me fazendo favores e não tivesse a minha disposição. Isto me dava raiva e sentia vontade de ir embora, mas não conseguia. Eram seus olhos magnéticos me virando do avesso. Perto dele não conseguia esconder nada, me sentia nua.
Como estava confusa e com os sentimentos abalados conseguia deixar ele também na duvida do que fazer em relação a mim, isto me dava vantagens, se eu não abrisse a boca e começasse a derramar a alma em palavras e lágrimas.
Sorri levemente enxugando uma gota de lagrimas que ainda formava nos olhos e sentei no sofá bem perto da porta que dava para o jardim, queria respirar ar puro.
O Senhor Armando sentou-se ao meu lado lembrando um psicólogo e disse:
_O que está te incomodando mocinha?
Algo em seu tom de voz soava como sarcasmo, como se já soubesse de tudo mesmo antes de eu contar; ou pior, antes mesmo de eu saber o que se passava.
_Me desculpa Senhor Armando vim assim sem avisar e parecendo uma louca, não sou, mas posso ficar se não conseguir ajuda, acho que eu deveria ir a um psicólogo.
Sorri tentando parecer menos apreensiva e continuei:
_Victor viajou e tenho umas tarefas bobas para fazer, coisas para o casamento; sinto-me sozinha e não quero sobrecarregar a mãe de Victor, só quero mesmo uma ajuda do Senhor quanto à decoração, preciso de um vaso para o altar. Não sei o que se passa comigo, mas acabei de dispensar a ajuda do decorador e dizer que tem um vaso especial para este dia.
_E tem?
_Não! Não sei explicar, parece que tenho na hora eu visualizei um vaso que não existe. Não quero voltar e fazer papel de boba e dizer que não tenho entende?
_Claro que sim, são caprichos das noivas. Prometo ajudar, mas vamos deixar de formalidades minha menina, me chame de Armando sim, só Armando. Sei que posso ser seu pai, mas vou-me sentir melhor sendo o amigo Armando.
_Ah! Claro Armando, nem é velho amigo, só mais experiente creio eu que não passa de uns quarenta anos e eu tenho vinte quatro.
_Oh, mas que mocinha gentil. Querida eu tenho cinqüenta anos e mais que o dobro de sua idade. Sou pai e tenho netos.
_Sério? Quantos filhos? E quantos netos? Onde estão todos?
_Calma! Tenho dois filhos, um casal e três netos. A filha é a mais velha e me deu dois lindos netos meninos, são gêmeos, Sergio e Renato. O rapaz é solteiro e pai de uma menina linda, Ana Clara. Cada qual seguiu seu caminho e nunca os impedi de irem a onde seus sonhos os levassem. Vez ou outra isto até de anos em anos os vejo. A mãe morreu num acidente de carro e me culpam pela morte. Eu dirigia e tudo não passou de uma fatalidade, mas como não estávamos vivendo bem há algum tempo o rancor os faz pensar o pior de mim. Mas deixa de lado isto. Vamos falar de você e seu vaso precioso. Sorriu divertido e me disse:
_ Tenho alguns aqui, se servir pode levar o que quiser.
_Mão Armando, pensei em sair e comprar algo numa destas lojas de antiguidades.
_Mas quem disse que aqui não tenho do moderno ao antigo?
_ Vim mesmo pelo seu bom gosto, mas jamais pegaria algo emprestado, ensinamento de meu pai, se quebrar terá que pagar mesmo, então compre o seu.
Rimos e acrescentei.
_E como pagar lembranças? Deve de ter muitas, cada objeto uma recordação, uma história, um momento único.
_Pensa assim Sabrina? Na sua idade se apega a recordações e objetos com sentimentalismo?
Pensei na rosa que ele me deu e que beijei com a boca suja de vinho. Senti um arrepio e medo dos olhos de Armando está visualizando tudo. Ele parecia um bruxo, um mago, sei lá, era diferente e me causava uma sensação de paz e desconforto ao mesmo tempo.
_Penso sim Armando, guardo uns cartões de amigos, lembranças de momentos bons, creio que no futuro terei acumulado mais.
Sorrimos muito e Armando foi até o piano e o abriu. Segui-o com os olhos sem saber o que isto significava. Começou a tocar uma musica linda. Mas que droga era aquela agora, estava tocando a musica que dancei seminua e bebendo vinho. Não disse, ele sabia de tudo. Este homem era minha perdição, eu tenho que sair daqui antes dele me transformar em uma de suas conquistas, está ficando fácil demais para ele me contando histórias que não tem como provar e eu não tenho tempo para descobrir. Fazer o que agora? Vou escutar a musica e dizer que toca bem e me mandar daqui.
Ele sorriu e olhou para o relógio na parede.
Eu detesto isto, significa para mim que passei da hora, que devia já ter ido embora.
_As horas na primavera passam rápidas, está com fome? Eu estou. Vamos comer algo.
Mais uma vez eu interpretando tudo do pior modo possível, as horas; não queria me mandar embora e sim me prender mais ali.
_Eu vou embora Armando, volto outro dia, quanto ao vaso acho que posso achar sozinha ou esperar Victor chegar, eu sempre me apavoro, não gosto de nada de ultima hora, mas foi bom conversar com você, vim aqui e...
_Sabrina eu quero te ajudar. Não tem compromisso hoje e seu noivo não está na cidade. Podemos jantar juntos e amanhã vamos buscar seu vaso, tenho uma leve idéia de onde encontrá-lo. Eu vi certo dia e quis comprá-lo, mas algo me disse: “Este vaso pertence a uma mulher especial que vai buscá-lo na hora certa”.
Riu, Armando riu, mas eu tive medo, acreditava em tudo que ele falava.
Sorrindo disse:
_Daqui a pouco tudo estará uma maravilha mocinha, vou colocar um vinho para resfriar.
Foi até a adega e voltou com um vinho tinto. Sempre de bom humor preparou um arroz branco e eu me prontifiquei a ajudar com a salada, mas tudo estava já lavado, picado. Era impressionante como ele sozinho fazia tudo. Fiquei imaginando como me sairia como dona de casa.
Pedi licença e fui até o toalete lavar o rosto e retocar minha maquiagem, tinha até esquecido que tinha chorado muito e estava sem batom, mordia os lábios quando nervosa.
Quando voltei Armando estava olhando para fora da porta da cozinha, na mesa tinha um vaso com rosas brancas e vermelhas que ele trouxe enquanto eu estava me arrumando.
Sorri e me senti envergonhada de pensar que ele era uma ameaça para mim. Nada! Armando era um bom homem, solitário como eu sempre fui. Ter pai, mãe, filhos, enfim família não nos livra da solidão. Nem Victor me era suficiente. Sempre com o trabalho em primeiro lugar, eu e Victor tínhamos pouco tempo juntos. Casar seria mesmo a solução? Não queria admitir, mas estava era com medo da responsabilidade. E chorar depois com quem, se meus pais não queriam nem que eu me casasse tão cedo. Seriam deles a culpa ao me deixaram para viver a vida deles? E eu só quis a certeza de que alguém cuidaria de mim, era Victor a solução para minha vida de insatisfação?
A companhia de Armando era maravilhosa, o jantar estava divino e saboreei o vinho que tanto desejei conversando animadamente com ele.
Depois ele me mostrou a casa e seus objetos preferidos, me observava quando eu parava de frente de algum, nada, não estava ali o que pensava estar. O vaso não existia para Armando, era só uma bobagem da minha mente. Mas combinamos de sair no dia seguinte para ver o tal vaso que ele tinha visto na loja de antiguidades.
Dirigi pensativa até minha casa e quando cheguei fui até a lixeira onde tinha jogado a rosa branca que Armando me deu, já murcha e sem vida, peguei apenas uma pétala e guardei no meu diário.
Victor tinha deixado vários recados na secretária, estava furioso por eu não atender nem o celular. Justifiquei que estava sem carga e não consegui dizer que passei a tarde e a noite na casa de Victor. Contaria um dia, depois do casamento talvez, ou anos depois, que diferença fazia se eu ia me casar com ele?
Quando cheguei ao local marcado para encontrar com Armando ele já me esperava com um enorme sorriso de bom dia vida.
_Olá! Bom dia Armando, tudo bem com você?
_Melhor agora minha menina. Vejo que esta mais animada hoje e este sorriso lindo deixa qualquer um feliz de conhecer a dona de tão belo sorriso.
Só ri e nem ousei pensar que seria mais que um elogio bobo.
_Estou ansiosa para ir à loja, como vamos até lá? No seu carro ou no meu?
_No meu, gosto de dirigir e a mocinha merece um motorista.
_Então o que estamos esperando, vamos logo, deixa só eu comprar uma faixa azul para o estacionamento.
Partimos e senti bem deixando que ele cuidasse de mim.
A loja parecia um museu, tinha de tudo e parecia tudo tão frágil, tão santos, quase intocáveis eram os objetos ali.
Sentia respeito pelas peças como se os próprios donos as vigiassem.
Andei de um lado para o outro com cuidado e prestando atenção aos mínimos detalhes de tudo. Armando ficou conversando com a senhora que cuidava de mostrar a ele um álbum com fotos de outros objetos e suas historias.
_Armando! Gritei com alegria, venha, venha ver, é este que quero.
Quando se aproximou de mim e viu o que eu apontava, Armando mudou de cor como se fosse desmaiar.
_Este Sabrina?
_Sim!
_Mas o que tem de especial nele querida?
_Não sei, não sei, quero este senhora, pode, por favor, embrulhar.
A senhora alta e de uma simpatia na medida para o meu vitorioso dia, pegou o vaso e fez um embrulho com papel com o devido cuidado de rechear o vaso com papel antes, não poderia quebrar. Finalizou com papel bolhas e colocou em uma sacola que Armando apressou em pegar antes de mim.
_É presente meu.
_Não Armando, eu pago.
_Faço questão, quem poderia se sentir mais honrado ao dar de presente para uma noiva algo que significa tanto para ela? Repito, faço questão minha querida.
_ Obrigado Armando, pode pagar, mas eu tenho que levar o vaso para o decorador fazer o arranjo, ele vai pensar em algo especial para ele.
_Eu quero ser o decorador deste vaso Sabrina, eu sei como colocar as rosas e as hortênsias aqui.
_Como? Como disse? Como sabe que terá hortênsias nos meus arranjos?
_ Não sou adivinho, te juro, mas vi desenhos de hortênsias no vaso de porcelana, não viu?
_Sim vi.
_É que pedi hortênsias na decoração também, vou me casar em uma pousada onde têm muitas delas e o clima lá é adequado para elas.
Confiei a Armando o vaso principal da decoração do altar e me senti aliviada por mais este detalhe do casamento resolvido.
Quando me despedi de Armando já era tarde e disse para ele me perdoar por não poder o chamar para ser um dos padrinhos, já tinha escolhido todos, que não eram muitos, só dois.
Ele riu e disse me olhando nos olhos:
_Já me sinto honrado pelo seu pensar querida, mas mesmo se convidasse eu jamais poderia aceitar. Um dia saberá o porquê. Agora quanto ao arranjo farei o melhor, eu também aprecio este vaso e muito.
Não entendi nada, mas já bastava de mistérios.
Beijei seu rosto cheirando sândalo e me afastei sentindo algo estranho, fervilhava meu rosto.