ROSAS BRANCAS
(AMOR PROIBIDO)


 
 
 
 
Num dia lindo como meus olhos o via, eu colocava cuidadosamente algumas rosas brancas num vaso de porcelana na sala da casa grande, o filho dos meus senhores chegaria naquele dia e haveria uma festa para recepcioná-lo.
A alegria de todos era contagiante, o sinhozinho partiu ainda criança para estudar fora e os escravos mais velhos só tinham boas lembranças dele.
Naquela noite eu iria conhecer o filho tão estimado da casa; eu fui escolhida para servir na festa e me senti honrada. Toda faceira fiquei à espreita para não perder a entrada dele na sala, já que quando ele chegou, eu estava trabalhando na cozinha com as outras preparando os pratos preferidos do rapaz.
A música invadia toda a casa e o cheiro das rosas brancas também, eram suas preferidas segundo a sua mãe.
Meus olhos brilharam como uma estrela ao ver o rapaz, era ele bonito e sorria enquanto desfilava na sala cumprimentando todos.
Não perdi quase nada pensava eu, naquela época em que meus olhos só olhavam para baixo e concentravam-se nos meus afazeres, nada poderia sair errado, eu era jovem, mas já conhecia os castigos para quem errava ou levava a culpa de outros.
Donana a ama de leite dele me pegou olhando para ele com um sorriso e foi logo me empurrando para a cozinha dizendo:_ “Não se esqueça de quem é menina tola!”
Meu riso morreu, concordei com ela, claro que sim, meu lugar no mundo era na serventia da casa e meu futuro um dos filhos dela ou outro escravo qualquer.
Senhorzinho jamais me olharia nos olhos, imagina se ia perceber numa negrinha da senzala.
 
 
 
 
 
 
 
Os dias se passaram desde que o senhorzinho chegou e meu coração se agitava ao vê-lo, mas sempre baixei a cabeça para não sofrer por alguém que jamais seria meu. Às vezes falava alto para eu mesma ouvir: _ “Nem pense em deixar que ele veja seu olhar”.
Não mencionava seu nome, ninguém além dos pais o chamava o pelo nome, apesar de ouvirmos sua voz gentil em tudo que pedia e não exigia.
 
 
 
 
 
Meses se passaram e meu corpo tomava mais forma de mulher e logo os escravos notaram na minha beleza negra e jeito moleque de brincar e sorrir nas nossas festas.
Raimundo foi o que mais me atraiu pelo seu porte físico. Parecia um rei negro. Tinha a pele lustrosa e os músculos bem torneados de tanto trabalhar. Seu sorriso era de uma brancura que lembrava cocô ralado. Eu ria de eu mesmo imaginado o Raimundo me beijando toda vez que ia para a cozinha ralar coco para doces.
 
 
 
 
 
 
 
Num final de tarde enquanto pendurava roupas na corda, fui surpreendida por Raimundo todo suado de olhos em mim. Sorri faceira, gostando e me divertindo, por causar desejos de homem naquele rei negro.
Naquela noite íamos nos reunir para cantar e dançar em volta de uma fogueira enorme que o marido de Donana fazia para aquecer do frio e comemorar a vida de todos segundo ele, já que ali ninguém sabia nem a idade que tinha direito.
Estava eu olhando para a casa grande, admirando sua beleza e fazendo comparações das festas tristes deles com as nossas alegrias. Queria saber o que o senhorzinho fazia naquela hora, queria sim. Mas fui despertada dos pensamentos com a presença de Raimundo que me pegou pelas mãos e me colocou na roda para dançar.
Depois me pediu em casamento, assim mesmo, do jeito dele, todo senhor de si e sem nenhum rodeio.
Fiz charme e disse que queria pensar. Mas estava decidida a casar logo com qualquer um já que meu coração besta batia forte por um homem branco que jamais me olharia.
Raimundo insistiu no pedido dias depois e eu disse sim.
 
 
 
 
 
 
No dia do meu casamento vesti um vestido lilás e coloquei margaridas no cabelo, pensei nas rosas brancas do jardim da casa grande, mas as margaridas não eram de ninguém, estavam por todos os lados perto de nossas modestas acomodações.
A festa foi simples, regada de comida e bebida, mas todos sabiam que não seriam dispensados do trabalho para cair na bebedeira.
Eu estava feliz e Raimundo me parecia bom partido dentre todos que me cobiçavam. Eu não conheci meus pais, minha mãe morreu ao dar à luz e meu pai por certo era um dos senhores do engenho e jamais me reconheceu como filha. Donana cuidava de mim com carinho de mãe e me aconselhava a casar logo com Raimundo que me amava feito louco, antes que um dos senhores colocasse os olhos em mim e me tirasse à virgindade na marra, como aconteceu com a maioria das mulatinhas da senzala.
 
 
 
A alegria era envolvente naquela noite até que ouvimos gritos e barulho de vidros se quebrando na casa grande. Assustados todos pararam de dançar e logo um dos capatazes veio até a minha festa dizendo:
_ “Francisca, venha já comigo”!
Donana tentou impedir dizendo que era meu casamento, mas a resposta foi: “Negros não se casam, venha você também, senhorzinho precisa de sua ajuda”.
Ao ouvir a palavra senhorzinho agitei dentro de mim como águas revoltas e corri para a casa grande, parecia medo, é era medo mesmo, não de castigo, mas de saber que algo ruim poderia acontecer com ele; meus pensamentos agitavam-se e meu coração batia acelerado, não podia mais negar, eu amava senhorzinho.
Quando cheguei à sala o espelho estava quebrado, tinha uma taça em pedaços no chão e vinho tinto sobre rosas brancas que foram pisadas no chão.
Donana me mandou catar os vidros e limpar tudo ali enquanto foi para cozinha preparar um chá para senhorzinho.
Ninguém falava nada, ninguém explicava nada para escravos dizia Donana e me mandava ser ligeira e voltar para meu marido.
Assim que sai vi de longe o olhar de senhorzinho Rui molhados de lágrimas me fitando como quem pede socorro, desejei abraçá-lo, mas abaixei a cabeça e sai correndo para abraçar Rei como eu chamava agora meu marido.
Se escrava tivesse valor humano, naquela noite eu ia saber que desde o primeiro dia senhorzinho Rui não tirou os olhos de mim e seu coração partido por saber do meu casamento o fez beber até fazer besteira naquela noite. Um amor proibido e guardado a mil chaves para ninguém sofrer.
 
 
 
 
Ao sair da casa, rei já me esperava e me abraçava forte. Não sabia de meus sentimentos e se soubesse ou desconfiasse dos de senhorzinho não iria jamais me dizer.
Viu-me com roupas nas mãos e não questionou o que eu ia fazer. Sabia que eu era apenas uma escrava. Na verdade a roupa era de senhorzinho Rui, uma camisa suja de vinho, alguém deve de ter tirado dele ou ele mesmo, e eu quis lavar, cheirar, beijar, estava louca.
 
Rei me acompanhou até o rio onde molhei a camisa e comecei a esfregar.
As mãos fortes de rei me puxaram contra seu corpo e me beijou com sofreguidão, como quem pede desculpas por não poder impedir um desastre logo neste dia tão especial para nós.
Suas mãos me acariciaram os ombros e me despiu ali mesmo bebendo do meu corpo o calor e néctar de uma virgem assustada.
Foi carinhoso e me fez sentir prazer nas caricias; eu que pensei estar completamente louca, o corpo era de rei meu marido e o rosto era do senhorzinho Rui me olhando o tempo todo.
Ironia deste destino doido mesmo, a camisa dele serviu de travesseiro para meu delírio total.
_Rei, Rei, eu sussurrava sempre com medo de gritar outro nome.
 
 
 
 
 
 
 
No dia seguinte ninguém tocava mais no assunto da farra do senhorzinho como alguém comentou na noite passada.
Eu permaneci na cozinha o dia todo e por mais que me doía à alma não conseguia esquecer os braços do rei meu marido. Sentia-me uma rainha de tanto que me amou e me fez feliz.
 
 
 
 
 
Meses se passaram e não engravidei, tomei chás e cuidados que as escravas me ensinaram, não queria ter filhos ainda, não me sentia preparada, embora rei os desejasse muito.
Vida de escravo não é fácil rei, melhor adiar filhos o quanto pudermos dizia eu para ele, e nos meus braços rei se consolava amando-me com fúria e paixão.
Quanto ao senhorzinho continuei vendo o pé dele, não me atrevia olhar em seus olhos e ele jamais ia me pedir tal coisa pensava eu.
Certo dia estava eu colhendo as rosas brancas para mais uma festa na casa grande e o vi me espiando da varanda da janela de seu quarto.
Entrei na casa e cuidei do arranjo para colocar na sala.
Ouvi quando comentaram que uma moça ia vim com os pais para o aniversário de senhorzinho Rui e que era desejo da família que eles se casassem.
Senti náuseas e sai da sala tonta, sentei na beira do fogão onde Donana preparava quitutes, e ao me ver pálida como cera perguntou o que se passava.
_ “Nada Donana, apenas me senti fraca”.
Logo começaram a dizer que era gravidez. Chorei, não queria filhos ainda, não queria mesmo.
Mas pior que está grávida agora era pensar que todo este mal estar era por um amor proibido, cada dia mais proibido e impossível.
Senti aliviada quando meus dias chegaram e não estava prenha. Na casa grande uma nova notícia, o casamento de senhorzinho Rui seria aquele mês.
Na casa o cheiro de doces era constante, fizemos vários tipos de doces para festa e novamente eu sou uma das escolhidas para servir. Rei também trabalharia a noite toda na recepção do salão de festa; todos estavam envolvidos com o casório de Dr. Rui como o chamava a sua bela noiva, a senhorita Isabel.
Isabel parecia frágil e era bela como uma flor perfumada. Pedi a Deus que ela fosse também de bom coração como o rei era para mim e fizesse o senhorzinho feliz.
 
 
 
 
 
 
 
 
A festa estava linda, disfarçadamente olhei para o senhorzinho várias vezes e não notei nem alegria e nem tristeza, estava sóbrio e parecia saber o que fazia.
Já cansada e ainda com a Donana me poupando de serviços pesados, pois achava mesmo que eu estava prenha, (e eu nem tive o trabalho de desmentir, assim qualquer mal-estar estaria justificado naquele dia).
Chamando-me de lado me disse: “Filha vai se deitar, por hoje chega, nem vão dá por sua falta, tem muita gente na festa e muitos escravos servindo”.
Não pensei duas vezes, precisava de um momento sozinho, longe de todos, longe de rei meu marido, queria chorar, queria gritar, ou simplesmente pensar.
 
 
 
 
Caminhei até o rio onde tive minha primeira noite de amor com rei e ajoelhei ali de lado, usava o mesmo vestido que casei, era o mais bonito que tinha.
A noite estava linda, a lua refletida nas águas brincavam de dançar quando minhas lágrimas quentes tocavam a água fria.
Recordei cada detalhe do dia do meu casamento, de como fiz amor com rei meu marido e o senhorzinho ao mesmo tempo. _ "Santo Deus"! Peguei. Que rei nunca imagine o que fiz.
Abri os olhos e agora a lua dançava ao lado de uma imagem escura, mas parecia o senhorzinho Rui. Fechei novamente os olhos imaginando-me louca para sempre.
Senti cair em meus ombros algo leve e perfumado como pétalas de rosas e abri os olhos; lá estavam às pétalas de rosas brancas no meu vestido e algumas dançando com a lua nas águas frias. Uma mão suave tocou em mim e pensei: “_Rei”? _ "Não "! Rei era másculo e apaixonado, mas nunca romântico.
Antes deu levantar os olhos para ver quem era, senhorzinho já estava de joelhos junto a mim.
O impossível não existe pensei; ele estava tão próximo, seus olhos vivos lendo minha mente, suas mãos quentes me tocando e nossa respiração ofegante. Sem palavras, ele me beijou com amor e de modo especial como nunca fui beijada antes. Deixei que ele me acariciasse e sua boca encontrasse meus seios arrepiados. Entreguei-me a ele ali como sonhado antes.
Dele fui fogo sem pudor e medo e desejei que as águas nos levassem para longe dali.
Senhorzinho Rui me segredou amor, paixão, desejos e não me prometeu nada. Nem precisavam, nossos destinos estavam cruzados.
Levou-me para dentro do rio e me banhou sorrindo alto, como se não se importasse com mais nada.
Levou-me ao céu, aquele sorriso era meu, era para mim.
Abracei seu corpo nu e senti naquele momento que eu era a senhora dele agora e ele meu escravo do amor.
Amamo-nos novamente e cansado ele deitou-se no meu colo nu com olhar de criança que ganhou doces escondidos.
Segredei em seu ouvido:
_ “Te amo”!
_Meu anjo de fogo eu também te amo! Minha loucura de paixão quer morrer em seus braços.
Beijou-me e senti o gosto de sangue em meus lábios, olhei para água e a lua estava ficando vermelha, senhorzinho desfalecia em meus braços.
Gritei:
_Não Rei, nãoooo!
Mas rei estava enfurecido e a lamina de sua faca pingava o sangue do meu amor, meu único amor.
Rei me afastou do corpo e o empurrou para água, só não me matou ali por saber que o crime estaria relacionado a ele se eu também morresse.
Carregou-me no colo e apanhou minhas roupas.
Chegou em casa e não falava nada, andava de um lado para o outro, e eu chorava de soluçar.
Logo o dia amanheceu e a notícia se espalhou: _" Gente, mataram sinhozinho Rui".
Rei saiu correndo e se juntou aos outros. Eu o vi passar ajudando carregar o corpo de senhorzinho Rui.
Dobrei meu vestido e certifiquei se não tinha manchas de sangue. Nada! Apenas uma pétala de rosa branca que coloquei num dos meus seios.
Juntei-me aos demais na casa grande e como senhorzinho Rui era um bom homem todos choravam e não disfarcei meu pranto.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Nove meses depois eu dei a luz a uma criança que chorou forte e com carinho o recebi nos braços. Estava amamentando-o e beijando sua mãozinha clara com uma mancha no formato de uma pétala de rosas, quando rei entrou no quarto com a mesma faca que matou o pai de meu filho.
 
 
 
 
 
 
FIM

 


Texto sugerido
PIOR NÃO VAI FICAR
Cloque no título
Simplesmente Sys
Enviado por Simplesmente Sys em 10/10/2011
Reeditado em 22/01/2018
Código do texto: T3268059
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