Logo no primeiro gole aquela sensação, aquele conforto na fodida alma.
Ao sair da editora, caminhei à deriva pela rua. Pensando em qual direção tomar. Decidindo se valeria a pena ir direto ao encontro de Camila ou se deveria parar em algum dos sórdidos muquifos que adornavam a região.
Com carinho pensei no bar do sujo português, aquela taverna fétida e aconchegante, contudo, ao passar em frente ao lugar decidi seguir adiante, tendo os olhos do dono da especulanca, cravados como dardos em mim. Não foi um olhar muito encorajador, então segui com minha caminhada.
Logo me deparei com o terreno baldio de Michele, de tão idílica lembrança. Difícil entender o porquê não apreciou a experiência. Entrei em um ônibus que me deixou a poucos metros do encontro com Camila. Na entrada da faculdade, o burburinho de universitários idiotas, com seus cigarros, uma leviana pretensão e uma tola satisfação consigo mesmo. Me esgueirei por entre eles, dirigindo-me a um segurança de quem consegui, com muito tato, algumas informações das quais precisava. Ele conhecia Camila. Informou-me que sairia em sua última aula, em uma hora. Tempo mais do que suficiente para eu descolar algum barzinho lá perto, beber alguma coisa e ainda voltar a tempo para conversar com a maldita universitária, a aspirante a escritora. Minto. O aspirante era a minha fodida pessoa.
Quanto à garota, muito talento e um par de olhos verdes sem mácula. Gentilmente pedi ao lacaio da Universidade que avisasse Camila sobre a minha presença e para me esperar, caso aparecesse antes de mim.
Numa ruazinha lá perto, encontrei um restaurante. Limpo. Asséptico. Com suas polidas e atenciosas atendentes. Não, definitivamente não era o meu tipo de lugar. Mas havia bebidas. Então pedi um uísque com gelo. Logo no primeiro gole, aquela sensação, aquele conforto na fodida alma. Perto da faculdade havia também um colégio. E por causa dele meu sossego findou quando alguns gazeteiros, provavelmente foragidos das aulas, entraram no bar, numa irritante e ruidosa alegria, sentando-se num mesa a poucos passos do balcão, onde me encontrava largado, saboreando minha toxina. Aparentavam ter dezesseis, dezessete anos no máximo. Mas nem por isso a garçonete deixou de servi-los, uma cerveja. Ao pensar em seus professores e que poderia ser eu a dar aulas para semelhantes monstrinhos, meu rosto desfigurou-se numa expressão sádica de desprezo. Lecionar, só se tudo, absolutamente tudo falhasse.
Levantei-me e fui até a calçada fumar. Uma das garotas do grupo fixou seus olhos exatamente no ponto onde eu me encontrava encoberto pela fumaça do cigarro e a da que se emanava dos escapamentos dos veículos trafegando pela rua, ao meu lado. Pronto, a cretininha virá até mim, pensei. Merda. Dito e feito. Destacou-se dos amigos, requebrando as anquinhas como uma genuína piriguete e antes de me dar tempo para qualquer esboço de reação postou-se ao meu lado. Não sei por que ainda me surpreendo com essas ridículas situações, pensei.
- Me dá um cigarro. – ela disse.
Deveria ter lhe dado de imediato e assim quem sabe ela não falaria comigo. Mas como o bom idiota que sou, respondi, dando margem para futuras réplicas:
- Você é muito bebezinha pra fumar.
- Não sou não. – respondeu-me com indignação.
- É claro que é. Quantos anos têm? Quatorze? Quinze? Dezesseis? É uma fedelha.
- Tenho dezessete, se você quer saber! – disse ela, enquanto empinava os peitinhos na minha direção.
Sorri.
- O quê? Não acredita?
- Evidente que não. Você é uma franguinha ainda.
A fedelha sorriu também e me intimou:
- Você vai me dar o cigarro ou não?
- Dou. Mas com uma condição.
- Qual?
- Que você o fume e suma. – disse pra ela.
Sem reação diante da minha brutalidade, mas com os olhos luzindo ódio e rancor, a garota voltou para sua mesa. Talvez por vergonha, talvez por medo de ser ridicularizada pelos amigos aparentemente não lhes disse nada sobre nossa amistosa conversa. Cinco minutos depois a patotinha levantou-se e dispararam porta afora. A menina, porém, passou devagar, ainda me lançando um último olhar pleno de malignidade e veneno.
- Tchau, franquinha. – ainda falei pra ela.
- Vai se foder. – foi sua resposta.
Depois disso foi minha vez de ir embora. Ainda faltava um certo tempo para o horário que o segurança havia me dito ser o de Camila, no entanto, não queria correr o risco de um desencontro.
Entretanto, para meu pesar, quando cheguei à recepção da faculdade e perguntei ao meu informante se ela já havia saído, ele me disse que sim.
- Mas você não deu meu recado? – perguntei, surpreso.
- Dei sim – informou o homem – mas ela quis embora mesmo assim.
Cretina.