Abjeta

Entrei no prédio da editora e lá estava Michele. Ela olhou-me constrangida e não me cumprimentou. Passei direto por ela e fui para o elevador. Ele parou no quinto andar. Desci. Dei de cara com Roberta, a secretária.

- Onde você estava? Ana está furiosa! E o manuscrito?

- Aqui. – falei, balançando a pasta na mão.

- Ainda bem! - disse Roberta, soltando um suspiro de alívio.

- Você nem imagina o que poderia acontecer se esses papéis sumissem!

- Ela está aí? – perguntei, mudando de assunto.

- Está. Vou avisar que você chegou.

Fiquei esperando e a secretária correu à sala de Ana para comunicar o meu regresso. Quando voltou, disse-me:

- Pode ir até, Carlo, ela está esperando.

Entrei na sala e encontrei Ana, sentada, escrevendo, com uma expressão rígida no rosto. Fiquei parado na porta, à espera que me dissesse alguma coisa.

- Olá. – eu disse.

- Eu já tinha visto você. - disse Ana.

- Já? – perguntei, enquanto fechava a porta. Sentei numa das cadeiras da sala e joguei a pasta em cima da mesa da executiva.

- É o livro da garota? – perguntou, nervosa.

- Ele mesmo.

- Você me deixou em maus lençóis, sabia?

- Sinto muito.

Ela olhou atentamente o meu rosto. Parecia averiguar se a minha desculpa era sincera ou não. Afastou com os braços os papéis, onde estivera escrevendo quando cheguei e me perguntou, muito séria:

- O que aconteceu, afinal? Por que você desapareceu? Uma semana sem dar as caras! E por que roubou o livro e a ficha da garota?

- Não roubei. – respondi lacônico e puxei meu maço de cigarros do bolso. Enfiei uma das mãos no bolso da calça e peguei meu isqueiro. Acendi o cigarro e dei uma tragada. Nesse momento, Ana se levantou e caminhou em direção à sua janela. Ficou observando por alguns instantes o movimento da rua, em silêncio. Parecia tomar uma decisão. Eu continuei sentado e fumando, indiferente.

- Você podia ao menos me explicar, Carlo? – disse ela, deixando a janela e voltando para sua mesa.

- Não posso.

Ela fez um muxoxo de descontentamento.

- Então eu sinto muito, mas você não vai poder trabalhar mais aqui! Nem como tradutor! Artur está ciente do seu sumiço e nada feliz!

- Entendo. – respondi, levantando da cadeira. Ana fez o mesmo.

- Adeus, Ana.

- Tchau, Carlo. – respondeu ela com a voz embargada.

Mas quando me virei para alcançar a porta.

- Se ao menos eu tivesse a certeza de que você não estava com alguma mulher!

E começou a chorar. Sem me virar, respondi, mentindo naturalmente:

- Mas eu não estava.

- Não vai embora! Fica que eu vou ajeitar tudo com o Artur. Preciso da sua companhia. Preciso de você. – confessou, Ana, abjeta.

- Ok. Eu fico.

Os lances seguintes foram rápidos. Ana ligou para a casa de Artur, que somente aparecia na editora uma vez por semana, e arrumou uma desculpa convincente para me manter na editora. Quando terminou, me acompanhou até à sala que me havia designado dias atrás. Pediu que Roberta providenciasse os papéis. Um salário fixo, meu cadastramento na folha de pagamento da empresa, as regalias médicas e mais algumas outras merdas. Quando já estava tudo certo, Ana me disse:

- Pronto, agora você já está oficialmente contratado.

Também me explicou qual seria a minha função. Disse que caberia a mim a avaliação do trabalho dos escritores iniciantes. Em seguida, um dos funcionários instalou o computador e o telefone.

- O restante eles vão arrumar depois do expediente. – disse Ana.

- Maravilha.

- Ah, Carlo, outra coisa. Vou precisar que você ligue para essa Camila. Veja se ela está em casa. Não consigo falar com essa garota. Já faz um mês que estou tentando.

- Tudo bem.

E antes de sumir definitivamente pelo corredor, acrescentou:

- Vê se não desaparece!

Sozinho, peguei minha carteira e resgatei o papel no qual estavam o endereço da escritora e sua foto. Joguei a foto em cima da mesa e sentei. Peguei o telefone e disquei o número da casa da escritora. Uma mulher atendeu.

- Pronto. – disse ela.

- Gostaria de falar de falar com a Camila, por favor.

- Ela está na faculdade. Mas, quem gostaria?

- Carlo Pinheiro.

- Carlo Pinheiro da onde?

- Da editora Prometeu. Olha! Preciso falar com a Camila ainda hoje. Qual o endereço da faculdade?

- Então o senhor é da editora. Da editora para onde ela mandou a história?

Mas que inferno de mulher, pensei.

- Sim. E preciso falar com ela ainda hoje. – repeti.

- Eu tenho o telefone do celular.

- Tudo bem. Mas eu preciso vê-la pessoalmente. Entende? Quem é a senhora?

- Sou a mãe dela.

A mulher relutou, mas acabou me dizendo o endereço da escola.

Uma maldita colegial, pensei, rancoroso. Arrumei minhas coisas para sair.

- Vou encontrar a garota. – disse para Ana, entrando em sua sala.

- Você vai encontrá-la aonde?

- Na universidade.

- Parece que Maurício ficou muito entusiasmado com essa garota. Você já leu o relatório dele?

- Li sim.

- Bem, é bom que você vá mesmo. Assim nós resolvemos de uma vez essa história. Acredita que essa menina se arrependeu de ter trazido o livro e não quer mais que o publiquemos. Ele caiu suas mãos por engano. Já estava arquivado e nós iríamos devolvê-lo para a autora. Fiquei sabendo disso hoje.

- Então ela não quer mais publicar? – perguntei surpreso.

- Não. A menos que você consiga convencê-la.

- Vou tentar.

- Boa sorte então! – disse Ana.