Na editora

Foram meses alucinantes. As mudanças começaram após a viagem. Acordei bem cedo e fui direto para o computador. Escrevi a manhã toda. Um monte de merda. Ana ligou e me pediu para que desse um pulo na editora. Disse que tinha uma novidade. Ainda tentei argumentar que precisava escrever, mas ela disse não. Queria conversar comigo de qualquer maneira. Meio a contragosto fui. Fazia um tempinho que não punha os pés na editora. Não reconheci a menina da recepção. Não era a mesma que me recebeu das outras vezes. Estava ocupada lendo alguns papéis e não notou a minha chegada. Parei diante dela e fiquei observando enquanto trabalhava. Não disse nada. Quando finalmente deu por mim, assustou-se.

- Oi, desculpa. Estava distraída. - disse-me sorrindo. Desajeitada.

- Não faz mal. - falei, deliciando-me com a sua timidez.

- O que posso fazer pelo senhor?

- Meu nome é Carlo Pinheiro. Ana Dummont está me esperando.

A garota pegou seu telefone e fez uma ligação. Em seguida, me disse que poderia subir.

Já no quinto andar, fiquei confuso sem saber qual era a sala de Ana e o rumo a tomar. Felizmente uma mulher apareceu. Era a secretária. Diferentemente das outras funcionárias não era bonita. Veio apressada ao meu encontro e sorriu, mostrando-me seus maus dentes.

- Carlo não é? - disse, apertando minha mão.

- Sou.

- Acompanhe-me.

Fui atrás da mulher que parou em frente à uma sala e fez sinal para que entrasse. Encontrei Ana atrás de uma mesa de vidro. Estava de pé. Aproximei-me sorrindo, mas parecia preocupada, fria. Olhou para sua secretária e lhe disse que podia sair.

A mulher obedeceu e imediatamente o rosto da executiva desanuviou.

- Ainda bem. Já estava ficando preocupada. - brinquei.

Ela sorriu e contornou sua mesa vindo em minha direção. Abraçou-me e beijou.

- Pensei a noite toda em você.

- Eu também pensei em você. - menti.

- Desculpa ter bancado a chefe contigo, mas não quero que ninguém saiba da gente por enquanto. Não aqui na editora.

- Entendo.

- Sente aqui, lindo. Preciso contar uma novidade. - disse-me, indicando um lugar.

Ocupei uma cadeira e Ana voltou para trás da mesa. Fiquei em silêncio, esperando que começasse.

- Você vai trabalhar na editora, aqui dentro, quero dizer. Chega de só ficar fazendo suas traduções em casa.

- Como? - perguntei assustado.

- Vai ficar sob minha supervisão. Avaliar o trabalho de escritores iniciantes.

- Ficou maluca! Não sei respeitar horários. Além disso, como poderia trabalhar aqui? Maurício me detesta.

- Calma, Carlo, me deixe terminar.

Fiz sinal para ela continuar.

- Maurício não trabalha mais aqui.

- No duro?

- Sério. Falei com Artur, o dono da editora e contei o que Maurício fez com Lúcia. Artur é um homem às antigas e ficou furioso. Primeiro telefonou para Roberto, desculpando-se e querendo saber mais detalhes. Os dois são velhos amigos. Enquanto conversavam, fiquei na sala. Quando acabou, me pediu que chamasse Maurício. Quinze minutos depois estávamos na sala do conselho. Artur na cabeceira da mesa olhava aborrecido para Maurício, que arrogantemente sustentou seu olhar. Sabia que essa atitude daria confusão, pois Artur detesta funcionários insolentes. Para encurtar a história, resta dizer que quando Maurício foi questionado se revoltou e começou a gritar. Estava furioso, principalmente comigo e me chamou de vadia e mais algumas gentilezas. Artur ordenou que ele calasse a boca, mas o homem não parava e continuou com os insultos. Artur perdeu a paciência e o despediu.

- E o que Maurício disse? - perguntei.

- Me xingou novamente de vadia.

Aquela notícia era sensacional, pois com Maurício fora ficaria muito mais fácil publicar algumas das minhas histórias idiotas.

- E agora? - perguntei.

- Agora nada. Maurício era competente, mas não imprescindível. É verdade que vou ficar meio sobrecarregada no começo, mas logo as coisas se ajeitam. Além disso, conto com você pra me ajudar. Acho que agora você não tem mais nenhuma desculpa pra não trabalhar aqui comigo.

Era verdade. Eu não tinha desculpa. Só que não queria ficar enclausurado naquele prédio. No entanto, também não podia dizer não, pois se Ana se irritasse, poderia liquidar com o meu serviçinho lacaio de tradutor e era ele que me permitia continuar saboreando aquela vidinha autônoma, irresponsável e mediocre que me encantava tanto.

- Eu não sei, Ana, sinceramente não sei.....

- Pelo amor de Deus, Carlo, qual é o drama? - disse Ana, agora já um pouco alterada. Pegou uma caneta e ficou tamborilando sua mesa com ela. Levantou-se e dirigiu-se à cafeteira. Pegou um café para ela e outro para mim. Acendi um cigarro. Ela me pediu um e eu lhe entreguei.

- Voltou mesmo a fumar? - perguntei, tentando ganhar tempo.

- Não desconversa, Carlo.

Dei um suspiro de resignação e disse:

- Preciso pensar, Ana, dá um tempo pra mim.

- Ok. Mas não demore muito. Falei de você para Artur e ele já deu o aval da sua contratação.

Que bosta, pensei, mas não disse nada. O telefone tocou e Ana atendeu. Ficou conversando por alguns minutos. Enquanto esperava, fumei mais um cigarro. Quando ela terminou, falei:

- Melhor eu ir embora agora. Você deve ter muito trabalho e eu também preciso voltar para o apartamento e escrever.

Ela levantou-se da mesa e veio até mim. Beijou-me novamente e me disse:

- Você vai trabalhar aqui. Não vou aceitar um não como resposta.

- Vou pensar. - disse novamente.

- Vamos nos ver essa noite? - ela perguntou.

- Claro. Que tal um jantar? Você conhece um restaurante chamado Nova Caledonia. Não fica muito longe daqui.

- Conheço sim. Passo por lá depois das dez. Tudo bem?

- Perfeito. Mas agora é melhor eu ir embora. - disse isso e sai. Antes, olhei para Ana e fiz um aceno. Ele me mandou um beijo. O elevador havia acabado de aportar no andar. Corri e consegui alcançá-lo antes que descesse novamente. Estava muito cheio e me encolhi na frente de duas mulheres. Relaxei minhas costas nos seios de uma delas e ela olhou para mim agradecida. No saguão, encontrei de novo a recepcionista. Ela me reconheceu e sorriu.

- Dessa vez não assustei você. - comentei, aproximando-me do balcão.

- Ainda bem, né. – ela brincou.

- É bom se acostumar comigo, talvez tenha de me ver todo dia.

- Você vai trabalhar aqui?

- Parece que sim. Infelizmente.

Ela olhou-me sem entender.

- Qual o seu nome? – perguntei.

- Michele.

- Você é muito bonita, Michele.

- Obrigada. - disse ela, ruborizando-se.

Era mesmo muito bonita. Mas não era esse o seu maior encanto. É meio constrangedor admitir, mas sempre tive uma queda por empregadinhas...