Harpias

O táxi me deixou na porta da boate. Quase noite. Antes de entrar fiquei olhando para a arquitetura do lugar. Uma antiga casa colonial. Foi o que deduzi pela fachada. Não havia mais que dois andares. Três seguranças guardavam a entrada. Um deles me cumprimentou e abriu a porta de madeira. Entrei. Um cheiro forte. Eram várias essências. Perfumes de puta, mesmo assim, deliciosos. Fui direto ao bar. Um rapaz preparava alguns coquetéis. Algumas garotas estavam sentadas na sua frente. Logo que entrei, elas olharam para mim. Em seguida, viraram desinteressadas os rostos e permaneceram contemplando o nada. Eram mulheres frias. Más. Harpias. Gostei delas. Sentei no bar, ao lado de duas. Acendi um cigarro e deixei meus olhos correrem pelas mesas. Apareceu uma loira.

- Oi. - chegou ela dizendo.

- Oi.

- Posso sentar aqui?

- Claro que pode. Quer beber?

- Quero. Um uísque.

O barman me trouxe uma garrafa. Uma música irritante começou a tocar e algumas putas foram até a pista de dança. Chegaram alguns clientes e a boate, que até então estivera vazia, começou a encher. A chegada de mais homens agitou as garotas e elas disputavam encarniçadamente, entre si, a posse de tantos idiotas. A loira ao meu lado não era diferente, por isso tratou de grudar em mim.. Depois de umas três doses, uma intimidade quase total. Conversávamos como velhos amigos. Quando eu dizia alguma coisa engraçada a putinha sorria numa alegria infantil. Tão bonitinha! Tão ingênua! Tão inocente! Uma dama, na verdade. Me explorava com tanta dignidade!

- Qual o seu nome? - perguntei.

- Márcia.

Era o nome artístico. O verdadeiro não quis me dizer.

- Você é muito bonita, Márcia. - falei, atulhando mais bebida no meu copo.

- Casa comigo então.

- Caso.

- Olha que as putas dão excelentes esposas. - falou Márcia, rindo.

- É verdade. - concordei, lembrando-me de algumas colegas da faculdade que se casaram.

Minutos depois, levantei e fui ao banheiro, quando voltei, a garota tinha sumido. Felizmente a minha garrafa continuava intacta, no mesmo lugar. Continuei bebendo e, então, quando já não esperava mais, Márcia reapareceu.

- Você sumiu. - comentei.

- Estava trabalhando. - respondeu Márcia num cinismo delicioso.

- Vem. Vamos beber. - falei, apontando um lugar vazio ao meu lado.

Márcia sentou-se e me abraçou. Ectoplásmatica.

- Gostei muito de você - disse-me de repente - é diferente dos imbecis que encontro toda noite aqui!

- Que nada. Sou igual.

- Me leva pra algum lugar. - disse Márcia.

Pensei no apartamento, mas achei melhor não. Talvez Patrícia o estivesse rondando.

- Então, vamos pra algum lugar? - falou Márcia novamente.

- Não posso.

Márcia deu de ombros e não insistiu mais. Encheu nossos copos e acendeu um cigarro. Conversamos bastante. A noite corria. Meus cigarros acabaram. Pedi um trago do de Márcia. Quis saber as horas. Ela agarrou seu celular, que estava ao lado da garrafa de uísque e me disse que já eram três da manhã. O lugar estava um pouco mais tranqüilo. De repente uma música começou a tocar.

- Vem, vamos dançar! - disse Márcia, agarrando minha mão e levando-me para um recanto escuro da pista de dança.

Nem tive tempo de dizer não e mesmo que tivesse não o faria. Por que não ser patético até o final? Márcia abraçou-me e beijou minha boca. Nesse momento lembrei que ela estivera trabalhando minutos atrás. Felizmente, minha imaginação não teve o interesse mórbido em especular o que ela estivera fazendo com a linda boquinha naquele período. Retribuí o beijo com ferocidade. Ela tinha um cheiro muito bom e uma boca muito gostosa. Dançamos até o final da música. Depois, me levou até o segundo andar, que era onde ficavam os quartos. Havia uma dúzia deles.

- Espera um pouco aqui, que eu vou até lá embaixo pegar a chave e mais algumas coisas.

Fiz um gesto afirmativo com a cabeça e abandonei meu corpo na porta de um dos quartos. Márcia desceu as escadas correndo. Quando voltou, depois de uns minutos, trazia na mão duas toalhas, um lençol, a garrafa de uísque e dois copos com gelo. Entregou a bebida e os copos para eu segurar, enquanto abria a porta do quarto. Seus longos braços alcançaram o interruptor e acenderam as luzes.

- Vem, vamos entrar! - ela disse.

Obedeci. Márcia me seguiu e fechou a porta atrás de si. No quarto, uma pequena mesa redonda com duas cadeiras. Nesse lugar sentei e depositei sobre a mesa a garrafa e os copos. Enquanto isso, Márcia estendia um lençol limpo na cama. Assim que terminou, veio até mim e postou-se na minha frente, na outra cadeira.

- Encha meu copo, por favor.

- Só se você me der um cigarro.

Márcia foi até a cama e pegou um maço da bolsa. Deu-me um cigarro e jogou o maço na mesa, ao lado da garrafa. Enchi um dos copos e entreguei a ela. Márcia o apanhou e deu um gole. Em seguida, olhou para mim e sorriu.

- Feliz? - perguntei.

- Sim. Muito! É que estou começando a ficar bêbada. - justificou, sorrindo novamente.

- E também porque gosto de você. Esse seu rosto me deixa maluca. Por que não me leva pra sua casa? - suplicou pela segunda vez.

Apenas um canalha com cara bonita, pensei, contudo, não disse nada.

- Eu adoraria te levar, mas não posso. Vou viajar amanhã. - menti. Em seguida, tentei beijá-la.

- Pára. - pediu ela. - Antes quero tomar um banho, você vem?

Fiz com a cabeça que não, apanhei mais um cigarro e fui me esparramar na cama. Márcia tirou sua roupa e entrou no banheiro. Também tirei a minha e acendi o cigarro. Uns dez minutos depois, ela saiu do Box. Foi direto ao interruptor e apagou a luz. Depois, jogou a toalha num canto do quarto e saltou com a vivacidade de uma puta, na cama.