A Universitária

O restaurante ficava apenas alguns metros do apartamento. Obviamente fui a pé. Uma linda garota passou por mim e sorriu. Pensei em abordá-la, mas estava com fome. Cheguei ao restaurante e ele estava tomado por alguns universitários. Miguel contornou o balcão e veio me cumprimentar.

- Oi Carlo. Finalmente apareceu! - disse ele, estendendo-me a mão.

- Estava trabalhando. Fiquei a semana toda traduzindo.

- Mas então, o que vai ser hoje? Uísque ou vinho? - perguntou Miguel, mudando de assunto.

- Vinho.

Deixei o homem trabalhando lá no caixa e arranjei uma mesa afastada dos universitários. Quando sentei, chamei o filho de Miguel, um molecote de doze anos e pedi para ele ir até a banca comprar o jornal pra mim. Dei o dinheiro e ele foi. O garoto voltou e me entregou o jornal. Acendi um cigarro e me esparramei na cadeira. Na frente do restaurante um ponto de ônibus. Fiquei observando o movimento. Meu vinho chegou. Algumas pessoas almoçavam. Os universitários não comiam, bebiam apenas. Eu também bebia. E no terceiro gole do meu vinho me senti melhor. O rumor dos estudantes passou a incomodar menos. Comecei então a observá-los. Cinco caras e três garotas. As garotas eram bonitas. Os rapazes tinham cara de merda. Falavam todos ao mesmo tempo. Uma tetuda de cabelo preto e pele branca, que estava entre eles, olhou pra mim e cutucou a amiga que também me olhou. Fantástico, agora virei chamariz de vagabunda, pensei, e abri o jornal para não precisar olhar o focinho daquelas vadias. Quando o abaixei, a garçonete estava postada na minha frente e sorria. Também sorri. Gostava dela. Valia mil vezes mais que as três piranhas universitárias.

- Você demorou, Sílvia.

- Desculpa, Carlo, mas você está vendo como isso está hoje. Cada dia que passa fica pior.

- É verdade. - concordei.

- E então? Por que tanto tempo sem aparecer? - perguntou Sílvia, apertando-se rente à minha mesa para dar lugar à outra funcionária que vinha com uma bandeja nas mãos.

- Trabalhando. Mas hoje eu estou aqui. E morrendo de fome.

- Fome? Você? Não acredito! - falou Sílvia, rindo.

- Mas então, o que vai querer?

- Não sei. Por que você não escolhe pra mim.

- Ok. Que tal uma lazanha? E também mais vinho, não é?

- Pode ser - falei, acrescentando logo a seguir - você é uma garota formidável, Sílvia.

Sílvia sorriu, mas não disse nada. Em seguida, foi até à cozinha e fez o pedido. Também trouxe o vinho e sumiu por entre as mesas. Como já tinha lido meu jornal, me concentrei somente na bebida. A lasanha chegou. Comi alguns pedaços e estava muito boa. Quando terminei, acendi outro cigarro e pedi um conhaque. Aquela bebida seria o fim do meu trabalho, mas não me importei. Minha cabeça estava preguiçosa e, de qualquer modo, a concentração seria impossível. Não sei se por efeito do álcool ou por estupidez mesmo, mas acabei sorrindo para a universitária. Ela levantou-se, vindo em minha direção. Fiquei esperando. De repente, curioso em ouvir a conversa daquela diaba. Além disso, os peitos eram tão grandes.

- Oi. - chegou ela dizendo.

Não respondi imediatamente. Queria constrangê-la ao máximo.

- Quer sentar? - perguntei, depois de quase um minuto.

- Posso?

- Se estou convidando.

Sentou. Ficou me olhando e depois sorriu, querendo mostrar que era bonita. Assim que abrisse a boca, mostraria também o quanto era burra. Falou:

- Eu estava olhando pra você e te achei um gato! Você vem sempre aqui?

Meu Deus, a mulher é uma filósofa, pensei.

- Quer beber?

E apontei o copo com conhaque. Ela olhou-me indecisa. Fiz questão de incentivar. Queria vê-la passar mal. Sempre tive uma queda por mocinhas vomitadas.

- Meio forte, não acha? - comentou, olhando para a bebida.

- Que nada. Bebe só um copo. Vai te fazer bem. Depois eu peço algo mais leve pra gente.

Sílvia estava perto, por isso a chamei. Pedi mais conhaque. Ela anotou o pedido. Só que não veio trazê-lo, mandou o rapaz que trabalhava no balcão do bar. A bebida foi deixada na mesa. Na minha frente. Com um movimento lascivo de mão a empurrei para perto da garota.

Antes do primeiro gole, ela me pediu:

- Me diz teu nome.

- Carlo.

- Não quer saber o meu?

- Não.

E me olhou com uma cara de idiota que deu até pena.

- Brincadeira. Como é o seu nome?

- Jéssica.

Xiii, que nome de vagabunda, pensei.

- É um nome muito bonito esse o seu, Jéssica, parece nome de santa. Existe uma santa com esse nome, não existe?

- Sei lá. - respondeu a universitária.

Com um movimento de cabeça mostrei novamente o copo. Ela olhou para mim e finalmente se convenceu. Bebeu um gole. Nesse momento uma de suas amigas a chamou.

- Ei, Jéssica, vem aqui!

- Vai lá. - falei.

- Você não vai embora, vai? - perguntou-me.

- Não, não vou.

Levantou-se e foi correndo ao encontro das amigas. Abaixou-se e começou a confabular com as duas garotas. Enquanto faziam isso, olhavam para mim. Por fim se desvencilhou e voltou para minha mesa.

- Então? - perguntei.

- Minhas colegas te convidam pra sentar com a gente.

- Por Deus, não!

- Então espera um pouco que eu vou pegar minhas coisas e ficar aqui com você.

E de novo foi até à mesa dos amigos. Apanhou sua bolsa e alguns livros e voltou com um sorrisinho de oferecida na cara. Sentou e disse:

- Agora eu sossego e nós podemos conversar.

- Só se você beber mais um gole do conhaque. - provoquei.

- Você está querendo me embebedar, é? Olha que quando fico doidinha não me responsabilizo pelo que faço!

É, e depois volta pra casa todinha banhada de esperma, né sua putinha sem vergonha, pensei.

- E por que não? Nada de mais em a gente se divertir um pouco. - falei.

- O que você faz?

- Sou escritor.

- Sério? Caramba! Você não tem cara de escritor.

- Não tenho. Tenho cara de burro.

- Não. Não é isso não! É que sei lá, você é muito bonito. Parece mais um cantor, um artista, sei lá!

- E você?

- Faço engenharia. Segundo ano. É um saco.

- Se é um saco por que você faz?

- Sei lá. Sempre gostei de números.

- Você é a menina "dos sei lá".

- Como?

- Nada. Foi uma brincadeira.

- Ah! Entendi. - respondeu, embora sua cara de idiota revelasse exatamente o contrário.

Nesse momento os colegas de Jéssica se levantaram. Pararam no caixa e depois foram para o ponto. Passados alguns minutos o movimento do restaurante amainou. Restaram apenas uns sete clientes. E entre eles, Jéssica e eu. Conforme o combinado, pedi algo mais leve do que o conhaque. Veio um uísque. A essa altura Jéssica já estava toda animadinha. Eu, em contrapartida, estava sóbrio. Pensava no que iria fazer com aquela universitária. Quando já estava no ponto, perguntei:

- Então, Jéssica, que tal conhecer meu apartamento? Moro aqui perto. Nem dez minutos.

- Conhecer o seu apartamento? O apartamento de um escritor? Mas é claro! Nós vamos agora?

- Vamos.

Disse isso e abarquei o último gole do uísque. Jéssica fez o mesmo e acendeu um cigarro. Queria me despedir de Sílvia, mas ela tinha saído. Ao passar por Joaquim, no caixa, pedi que ele anotasse os gastos na minha conta. Aproveitei e peguei um cigarro. Abri o maço, retirei um e o acendi. Jéssica foi até o banheiro. Quando voltou, me encontrou na calçada, fumando.

- Estou pronta. Vamos indo?

- Claro.

Quando estávamos a poucos passos do meu prédio, comentei:

- Nós vamos ter uma tarde fantástica, Jéssica. Prometo pra você.

Ela não respondeu nada, mas me deu um beijo. Apertamos o passo. Queríamos chegar logo. E, efetivamente, chegamos. Jéssica entrou. Eu entrei. Recebi um beijo. Retribuí. Abracei. Quando estava no último degrau da escada do saguão, olhei a cara de Cássio, o porteiro. Estava lívida. Fiquei preocupado, pensando no que poderia ter acontecido. E antes que pudesse fazer mais alguma reflexão. Patrícia! Na minha frente. Olhei para Jéssica e esta apesar de estar meio bêbada e ser totalmente estúpida, entendeu tudo. Parecia estar com muito medo e desceu a escadaria às pressas. Patrícia berrava:

- Você é o sujeitinho mais filho da puta e canalha que já conheci na vida! Você se acha grande coisa, não acha Carlo? Só porque é um bosta de escritorzinho Um fodido que ainda não conseguiu publicar nada e se Deus quiser não vai conseguir! Que precisa ganhar a vida com essas traduções ridículas, senão morre de fome! Miserável!

- Melhor subirmos, Patrícia. Vamos conversar no apartamento. - tentei ainda dizer.

- Precisa? Fala pra mim? Você é um tipinho bem cafajeste mesmo. Seu sacana pervertido! Vai se foder!

Fui. Quer dizer, foi. A Patrícia foi embora. Saiu pisando duro e bateu o portão. Usava aquele seu vestido amarelo que era quase da cor do seu cabelo e estava linda. Fiquei parado, olhando. Olhei também para o porteiro que estava rindo.

- Grande amigo você, hein Cássio? Por que não me avisou?

- Não deu tempo. Sinto muito, Carlo. E agora o que vai fazer?

Sorri sem responder e abri a porta do elevador.

No apartamento, abri uma cerveja, senti no sofá e liguei o rádio. Em seguida peguei o telefone e disquei o número da editora.

- Alô?

- Alô.

- Ana?

- Sim. Quem fala?

- Oi Ana. É o Carlo. O trabalho está pronto. Terminado. Se quiser, pode mandar o rapaz vir buscar hoje mesmo.

- Não brinca? Que ótimo. Já vou preparar o cheque então, ok?

- Maravilha, Ana!

- E você, Carlo, como está?

- Tudo ok, Ana, tudo fantástico.

- E a Patrícia?

- Muito bem.

- Que bom. Então, eu posso mandar o rapaz passar aí hoje pra pegar a tradução e deixar o cheque?

- Claro que pode.

- Qual horário?

- O horário que você quiser. Se eu precisar sair, deixo os papéis na portaria.

- Então está bom. Um beijo.

- Outro.

Desliguei o telefone, acendi um cigarro, liguei o computador e tentei escrever um pouco. Não deu. Tentei, então, uma releitura. Também não consegui. Peguei o cigarro e fui até a janela. Fiquei observando a linda paisagem. As pombas comendo, cagando e fodendo no telhado. Algumas bichas conversando na calçada. Mas foi em vão. Todas essas imagens empolgantes não conseguiam despertar a minha imaginação que parecia narcotizada por mais um dia de monotonia e mediocridade. Salvei algumas páginas que pudessem ser aproveitadas num dia de maior inspiração e fui para a rua tentar a sorte, ou talvez, açoitá-la.