MUNDO DAS NOITES BRANCAS - PARTE 3
Na testa do Cristo, aflorou num ponto luminescente, que foi crescendo lentamente até formar uma estrela. Feixes de luz brilhante flutuaram na minha direcção, submergindo todo o meu corpo. Uma onda de calor vibrou através de mim, suspendendo-me do chão. Senti-me assoberbada por um carinho inaudito. Não conhecia a possibilidade de um afago assim, tão maravilhosamente terno e acariciador.
Depois a luz principiou a desvanecer-se! Senti os músculos novamente ganhar rigidez. Os meus pés tocaram o chão. Os feixes luminosos retrocederam para a estrela. Que imediatamente se eclipsou. A imagem de Cristo reconstituiu a sua serenidade de estátua e o altar regressou à sua plácida existência.
Continuei imóvel, tomada por uma sensação de aturdimento.
“O que é isto?”, interroguei baixinho. Mas o rosto do Cristo manteve-se inalterado. Agora, já não lhe encontrava o ar humano que vira antes.
Regressei ao banco e ajoelhei-me! A leveza continuava influir no meu espírito uma presença subjectiva, de contornos insusceptíveis de definir. Senti vontade de rezar. Fechei os olhos e suportei a cara sobre os dedos entrelaçados. Comecei a recitar as minhas velhas orações, mas quando dei por isso já falava palavras minhas; construía uma espécie de monólogo dialogado com a minha própria consciência:
“Estou perdida!”
“Tu é que não quiseste ver!”
“Mas estava tão apaixonada pelo Lourenço. Ele fazia-me tão feliz, antes...”
“O Lourenço é um cabrão assassino que merecia ser degolado, depois daquilo que fez.”
“Devia ter protegido o meu bébé!”
“Foi ele que o matou!”
Neste momento, a dor asfixiante voltou a torturar-me. E, novamente, vi Lourenço a precipitar-se sobre mim, com os olhos vermelhos purulentos de raiva. Eu encolhendo-me sobre a barriga, subjugada pelo pânico, a desorientação.
- Eu não quero ter filhos! Eu avisei-te de que não podias engravidar! Não devias ter-me desobedecido... - gritava, completamente fora de si; sacudindo-me com força pelos ombros.
Comecei a chorar, o que pareceu enfurece-lo ainda mais. Subitamente, começou a esmurrar-me na cabeça. As pernas perderam a força. Caí ao chão. Então o impensável aconteceu: Lourenço desferiu-me um violento pontapé na barriga. A dor trespassou-me furiosamente. Sucumbi num negrume abstracto.
Quando recuperei os sentidos, encontrei-me deitada no chão inundado de sangue. Percebi que Lourenço dormia no sofá! Nesse mesmo instante, soube que me era impossível continuar naquela casa.
Fugi silenciosamente para a escuridão da noite.
“Matou o meu filho! Matou-o...”
(continua...)
Conto publicado no blog da autora:
mundodasnoitesbrancas.blogspot.com