Eu o Matei

Eu o observei dormir por alguns minutos, e como ele ressonava, deixando o odor etílico sobrevoar pelo quarto, misturado a outros odores pútridos. Naquela noite, como em todas as outras, ele havia agredido minha mãe.

Minha pobre mãe, que por escolhas mal feitas, suporta a vinte e cinco anos um monstro que dorme todas as noites ao seu lado. Os tristes olhos condenados de minha mãe me diziam, que estava a morrer lentamente, envenenada por suas palavras agressivas. Ela um modelo antigo feminino, onde o recato e a submissão prevaleciam.

Mas eu sempre fui diferente, de tudo e todos...

A faca reluzia em minhas mãos, refletindo a luz lunar que mergulhava através da janela, espelhada na lamina afiada. Deixei que o brilho ofusca-se o seu rosto, atentando-me as linhas profundas e secas de sua face adormecida, castigada pelo tempo. Aquela expressão monstruosa parecia-me tão pacifica por alguns minutos.

Ele despertou lentamente, ainda um pouco sonolento. Foi então, que a oportunidade não podia ser perdida. Súbito, saltei sobre ele com a faca em punho, enterrando-a direto em seu peito. Senti o seu corpo retesar, os músculos rígidos se contorciam, enquanto eu penetrava mais fundo até sentir, a lamina tocar algo duro e quebrar-se em seu interior. Os olhos dele vidrados fitavam-me com terror e ódio, vermelhos como brasas incandescentes. Da sua boca um jorro sanguíneo foi expelido, misturadas a murmúrios de palavras sufocadas.

Minha mãe invadiu o quarto, parando diante da cena, levou as mãos aos lábios para apartar um grito. Disse-me algumas palavras, mas eu não podia ouvi-la. Meu coração retumbava em meu peito, ensurdecendo meus ouvidos e meus olhos não podiam desviar-se da morte daquele homem.

Enfim, ele morreu.

Segurando nas mãos o cabo da faca. Com aqueles olhos gordurosos a me fitar, perdendo seu brilho e cor, mergulhando no vazio da morte. O sangue denso e escuro, tingiu os lençóis e cobertas de carmesim, deixando o odor ferroso em tudo. Quando a adrenalina se esvaiu por completo, além dos músculos doloridos, pude apreciar a sensação e a satisfação de vê-lo morto. Finalmente morto...

Eu havia alertado minha mãe, e até mesmo lhe dei conselhos. Mas para uma mulher que havia se tornado surda para a razão, pouco lhe valeriam meus conselhos.

Eu implorei...

Eu supliquei...

Toda esta tragédia familiar, poderia ser evitada.

Ele a subjugava, a humilhava, entre agressões físicas e verbais, minando sua própria alma, seus sonhos e desejos...destruídos...

Hoje, estou isolada em uma cela quadriculada e confortavelmente acolchoada. Sinto-me em paz comigo, sem culpa ou remorso, pois o que eu fiz, foi por amor...

Taiane Gonçalves Dias
Enviado por Taiane Gonçalves Dias em 25/09/2011
Código do texto: T3240856
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