Assassinato no apartamento 1009
1- O primeiro ato
Eram 07h20 quando Bernardo despertou. Havia dormido mal, o que não era mais uma novidade depois de três semanas de noites pessimamente mal dormidas. Ao acordar, cumpre sempre o mesmo ritual: duas roladas na cama, se posta ao centro e se estica de tal forma a parecer uma estrela. Ao sentir o estralar de algumas vértebras, finalmente decide levantar.
Pôs-se sentado ao canto da cama, torcendo seu pescoço para os dois lados até estralá-lo. Só então, calça sua pantufa de coelhos orelhudos e adquire coragem para andar até o banheiro.
Ao abrir a porta de seu quarto, a claridade vinda da sala e invadindo os cômodos da casa, revela um dia nublado, o que não era costume para esta época do ano. Bernardo solta um suspiro de desânimo com o tempo, entra no banheiro, levanta a tampa do vaso e percebe que alguém usou aquele banheiro antes dele. Pouco tempo antes dele.
Bernardo permanece congelado na posição semi arqueada, segurando a tampa do vaso, e admirando o líquido amarelo que já está por lá.
Aqui devo explicar que Bernardo é do tipo metódico. Tudo em sua casa é alinhado e qualquer coisa que esteja fora do lugar é motivo de paranóia. Aqui estava em uma destas situações. Apesar da vontade imensa de urinar, decide vasculhar sua casa em busca de mais alguma coisa fora do lugar. Ele então solta a tampa do vaso fazendo um alto barulho para o horário e condomínio que vivia. Rapidamente se dirige a biblioteca que fica em frente ao banheiro.
A claridade do dia nublado oriunda da varanda não chega até a porta da biblioteca, e depois da última reforma que ele fez em sua casa, não consegue acender a luz sem ter que entrar até o centro do antigo quarto.
Sua pantufa de coelhos orelhudos desliza pelo cômodo, com medo de esbarrar em algo que pudesse estar fora do caminho. No quarto passo, um antes do interruptor, Bernardo interrompe gélido os seus passos. Sua mão começa a tremer. Existe um respirar ofegante em sua frente. Ele consegue sentir aquele respirar mentolado, e tem absoluta certeza de que seu hóspede desconhecido consegue sentir sua respiração ofegante e assustada. Bernardo sentia-se como um animal acuado, uma presa, diante de seu mais feroz predador.
Nesta altura o medo já havia tomado conta do corpo de Bernardo por completo. Imóvel, ele não sabe o que fazer. Sua vida lentamente começa a passar pela sua cabeça. Ele não sabe se corre, grita, dá um passo ao lado para acender a luz enquanto imagina quem possa estar ali com ele. Na verdade durante estas três semanas mal dormidas, Bernardo sabia bem quem podia estar ali em sua frente. Uma lágrima oriunda de seu olho direito escorre pelo seu rosto.
Pensamentos rápidos, inúteis e prontamente interrompidos pelo telefone que começa desesperadamente a tocar. Eram 07h30, hora que o despertador de seu celular estava programado para tocar. Antes que pudesse pensar novamente no que fazer, Bernardo cai no chão do escritório com a primeira facada em seu rim. Antes que pudesse gritar, se defender ou qualquer outra coisa, seu visitante lhe crava a faca mais oito vezes de forma aleatória, até perceber que não existe mais respiração ou pulso vindo do então cadáver de Bernardo.
Cinco minutos depois, as pantufas estão encharcadas de sangue e o visitante desconhecido bem longe da cena do crime.