Fúnebres sorrisos
Ela via o mundo pelos olhos de um ladrão: Alguém que via o mundo solitário, infeliz, sem nada que pudesse a fazer se sentir bem vinda. Sua única companhia era a solidão que a rondava dia e noite. Sua família omissa tentava a todo o tempo comprar seu amor com objetos caros, enquanto viviam a vida se esquecendo que haviam tido uma filha. Agora, com apenas doze anos, a menina precisava enfrentar seus medos sozinha, sem a ajuda de ninguém.
Em mais uma tarde fria e nublada, Anastácia andava indiferente pelo pequeno bosque que havia no final de sua rua, desejando sumir, para ver quem sentiria sua falta. “ninguém – indagou seus pensamentos”. Em meio a esses pensamentos turbulentos que jaziam em sua mente, algo a intrigou. Era uma espécie de árvore, meio torta, com uma grande abertura no centro. Aproximou-se para ver de perto aquela curiosa cavidade um tanto trivial. Foi quando de repente um homem esguio, alvo e com um longo sobre-tudo preto e uma cartola, saiu do meio da árvore. Anastácia hesitou, dando um pulo assustado para trás.
- Não se acanhe querida! – Ele disse -. Sei o motivo pelo qual você veio até aqui e acho que posso ter a solução para liquidá-los.
“um veneno – pensou – Parece uma idéia tentadora.“
- Não sei o que o senhor quer dizer. Só fiquei curiosa com aquela estranha árvore, mas já estou de saída – disse, recuando passos longos para trás.
- Certamente.. Curiosidade é o início de todas as aventuras, não é mesmo Alice?
- Anastácia! Chamo-me Anastácia. O que queres dizer com “aventuras”? – perguntou, se aproximando um pouco.
Um sorriso sombrio esboçou-se no rosto do homem, e esticando-lhe a mão ele disse:
- Venha comigo. E descubra por si só.
Ao entrar no orifício escuro, Anastácia teve uma sensação estranha. Medo? Talvez. Mas isso não foi capaz de impedi-la de seguir em frente. A menina não sabia ao certo o que encontraria lá dentro, mas tinha a esperança de que fosse algo melhor do que encontrava lá fora, no mundo real. Fechou os olhos por alguns estantes. Ouviu uma música alta, vozes de crianças e risadas eufóricas. Surpresa, abriu os olhos. Já não estava mais dentro d’arvore.. Agora ela se encontrava em um parque de diversões, como os quais ela via na TV, e esse estava ainda mais belo. Cercado de adultos e crianças, todos visivelmente alegres e despreocupados. “Como fui parar lá?” Mas antes que pudesse chegar a uma conclusão, foi surpreendida por duas vozes que sincronizadas diziam:
-Olá, você deve ser a Anastácia. Estávamos a sua espera. O mago nos disse que você viria.
Anastácia estranhou o modo como elas falavam e o sorriso escondido atrás de um pano preto de cetim, exageradamente grande. Olhou ao redor e percebeu: Todos naquele parque estavam assim. “Como não percebi isso antes?”
- Quem são vocês? – perguntou.
- Melindra e Spencer. Mas chega desse assunto bobo, temos coisas melhores para fazer. – disse Spencer apontando para a montanha russa. – E só uma dica: Aqui, a tristeza não é bem vinda.
Ela não hesitou. Sua inocência e sua infantilidade falaram mais alto. Afinal, ela nunca havia estado em um parque de diversões antes. E que mal poderia haver lá? Ela vivera morbidamente por tanto tempo que a idéia de se divertir um pouco era muito atraente.
Passaram-se horas, e a noite já se fazia presente no céu (sem estrelas, e sem lua) daquele lugar no meio do nada. Ela estava exausta, e perdera completamente a noção de quanto tempo havia ficado lá. Cinco, seis horas? Muito mais do que isso.. Ela precisava recompor suas forças, então saiu do parque e foi procurar a árvore que a trouxera para lá.
- Espere! – Gritou uma voz afobada. – Aonde pensas que vai?
- Hmm.. Para minha casa, quero dormir, ver meus pais..
- Não pode – disse Melindra, que estava sem o pano em seu rosto, exibindo um sorriso maléfico –. Quem entra aqui, não pode sair.
Nesse instante ela entendeu. Aquilo fora uma armadilha! E ela fora enganada, como um patinho indefeso. E agora, ela estava presa naquele lugar tão sombrio, com todas aquelas pessoas com os sorrisos costurados. Sem hesitar, ela se pôs a correr. Queria ir embora, abraçar seus pais, dizer o quanto ela os amava, embora não fosse recíproco. Seu rosto mudara completamente. Há poucos minutos ela estava sorrindo, aproveitando a vida como nunca antes havia feito. Mas agora, o pavor e o medo se apoderam de suas feições, transformando seu sorriso em lágrimas desesperadas. Com os olhos embaçados, Anastácia não pode ver que havia um tronco de uma árvore caída atravessada em seu caminho. Tropeçou e bateu fortemente com a cabeça. Desmaiou.
Após alguns segundos abriu os olhos novamente, e se deparou com a figura de preto com a máscara medonha que havia induzido-a a entrar na fenda escura e a trouxera para lá. Ele estava agora sem sua cartola, e sem sua máscara, segurando um novelo de linha preta em suas mãos. Ela sentiu uma pontada em seu rosto, mas não pôde reagir, pois estava imóvel. Sentiu uma gélida lágrima percorrer-lhe o rosto e bater nas costuras de seu novo sorriso.
- Sorrir, sorrir e sorrir.. Agora para sempre sorrirá. – disse o homem de preto.. seu pai.