Mil e um motivos para sorrir

Cai a noite.Tudo silencia.Meu Deus! Pensei que esse dia não terminaria mais. Foram as 24 horas mais intermináveis de minha vida, pensa Helena.Começa recapitular todos os acontecimentos daquele dia, para poder tentar entender tudo aquilo.

O seu dia começara às seis horas quando o despertador começou a tocar desafiando a lei do silencio ( e ela pensara: - Que vontade de mandar você na parede!)Mas sabia que dependia dele para acordar, reprimiu a vontade. Foi para cozinha preparar o café já esquematizando as inúmeras tarefas daquele dia, e não eram poucas. Tinha hidroginástica as oito, unha as nove e quinze, visita para a amiga que saíra do hospital, depilação as dez e quarenta, as onze horas o banho na neta, esquentar o almoço, preparar a salada,tentaria entrar antes das onze e trinta, para não se atrasar na saída a tarde, pois a noite tinha o ensaio do teatro as dezenove e trinta, ou seria a aula de Pilates? Teria que olhar a agenda novamente, que estranho, andava meio esquecida ultimamente, precisava ver isso. Mas agora não era hora de se preocupar com isso, tinha outras coisas para ver; olha para o relógio, pensa meu Deus, já é hora de ir e ainda nem tomei banho, dá uma chuveirada rápida, enrola um coque, por que não vai dar tempo de lavar o cabelo, saí apressada, pensa: Por que não tirei carta? Esse pensamento a tem incomodado bastante ultimamente, ora pensa não ser capacitada, ora sabe que se deixou levar pelo comodismo, ela que nunca foi acomodada na vida., mas tudo bem sempre haverá tempo...

De novo aquela inquietação, aquele gelinho gostoso no estomago, aquele friozinho na espinha, como se a qualquer momento algo muito bom fosse acontecer, mas nem estava com expectativa de nada. Mas sua aguçada intuição lhe dizia que teria mil motivos para sorrir hoje. Que coisa mais estranha, nem havia jogado na loteria...Mas sabia que algo muito bom iria acontecer, seu coração lhe dizia isso, e ela aprendera muito cedo a seguir suas intuições, já que por diversas vezes, não a ouvira e se dera mal. Fecha os olhos, tenta não pensar, mas como esvaziar sua mente, se a toda hora o pensamento vem martelando como uma bigorna....sente náuseas, encosta-se a parede fria para ver se melhora, mas não, a tontura está cada vez mais forte, senta-se no chão, aperta as mãos de encontro ao estômago, leu em algum lugar que isso ameniza as náuseas, agarra-se a isso, afinal não tem outra coisa a fazer só esperar.

De uma coisa tinha certeza, quando tudo aquilo passasse iria rir muito de tanto medo, tanta preocupação, se pergunta:- Por que tanto medo do desconhecido, sempre invejara as pessoas ousadas, que enfrentam qualquer desafio, por que isso agora? Olha pela janela, escuro total, talvez agora fosse o momento ideal de fazer o que sempre tivera vontade, ruas vazias, todos na casa dormem, dá uma ultima olhada no relógio da parede da cozinha, num relance lembra o dia que o comprara, tinha achado tão lindo, mas hoje, não decididamente não o compraria, o achava agora muito brega.

Mas nada disso importava mais, tinha tomado uma decisão e agora iria até o fim, não desistiria, mesmo que se arrependesse, era preferível a não ter tentado. Abre o portão vagarosamente, pensa: - bem que poderia ter engraxado esse maledeto ontem, agora esse guinchado, nesse silencio parece uma orquestra tocando desafinadamente, sai a rua... o medo é muito grande, nem parece que mora ali há tantos anos, a noite tudo muda, os sons são diferentes, o cheiro é muito diferente, as pessoas nos amedrontam, as pernas tremem cada vez que alguém aparece em uma esquina, parecem furtivos, dão a impressão de se esgueirar entre as ruas e muros, que bobagem, eu vou superar isso tudo, meus desejos são muito maiores que tudo isso...Respira fundo, mais um pouco e tudo estará consumado, faltam poucos quarteirões.

Meia – noite...que hora mais estranha para uma entrevista. Mas preciso do emprego, e tenho certeza ele será meu, minha intuição me diz. Mas o anúncio do jornal era claro, o salário muito acima da média, tinha que estar ali as 0 h e30 minutos, adiantara-se. E não havia mais ninguém ali.

O emprego de secretaria na funerária no horário noturno com certeza era seu!