O Justiceiro

Para um amigo especial, o Cego com melhor visão que conheço!!

Cego.

Era assim que as pessoas me chamavam, de Cego, sem realmente perceberem o que eu via.

As pessoas têm essa mania, de sair julgando sem conhecer, a sociedade vive em torno de aparências e status, deixando-se perder as verdadeiras belezas da vida.

Por isso Cego, porque para a humanidade eu o era de fato, preferia observar a vida ao meu modo, além de deixá-lo menos trágico, fazia do amargo virar doce e do feio virar belo, mas fica difícil tentar explicar essas coisas para pobres visionários.

***

Um homem de curtos cabelos cacheados negros, usando roupas pretas, adentrava a imensa mansão em silencio.

Dizia à lenda que aquele lugar vivia mal assombrado, estava em completa ruína e perdera seu valor com o passar dos anos, mantendo apenas os fantasmas grudados em suas paredes desbotadas.

Seu rosto rude e sério estava concentrado no caminho que estava tomando indo em direção a porta de entrada, mas seus olhos ligeiros observavam qualquer sinal de movimento.

Em questão de minutos seu corpo sumiu ao adentrar aquele mausoléu e qualquer pessoa que estivesse observando tudo do lado de fora não conseguiria analisar nada do que se tratava, o homem andara rápido demais para alguém conseguir acompanhar seus movimentos com precisão.

***

Ele fora enviado para lá em uma das missões mais importantes de sua vida, seu sobretudo negro esvoaçava com o seu caminhar rápido, tinha de ser veloz e inteligente, nada poderia falhar se ele não quisesse ser o responsável por sua própria desgraça.

Não demorara muito para achar seu destino, considerando que aquela era a única mansão na rua, e mesmo estando abandonada há décadas, mantinha consigo sua beleza e formosura.

Fora avisado para tomar cuidado, não só com as pessoas alheias de fora, como também com o que poderia vir a encontrar na parte de dentro, algo que não o preocupou nem um pouco, sua experiência de vida tirara-lhe todo o medo que pudesse existir nele, e mais a mais, ele já havia visto coisas terríveis para se preocupar com boatos bobos.

Seus olhos corriam atentos para todos os lados, a experiência também lhe dera o aprendizado de ter cuidado com intrusos curiosos.

Seus passos largos fizeram seu corpo se aproximar rapidamente em seu destino, e com uma certa força do corpo conseguiu abrir a grande porta de madeira, completamente enferrujada.

Seus olhos percorreram a imensidão escura existente dentro do local, não procurando por nada em especial, mas atento para as supostas novidades que poderia vir a encontrar.

Silencio completo, como se a paz reinasse ali.

***

-Chamei você aqui porque o assunto é sério. Como sabe, odeio ter que desperdiçar tempo com essas bobagens, mas não poderia correr o risco de falar pelo telefone.

Nossa linha pode estar grampeada e o plano falharia certeiramente, não quis correr o risco de perdermos essa oportunidade que lhe trará bons rendimentos, se é que me entende.

O homem de grandes bigodes loiros olhava sério para o rapaz a sua frente.

-Entendo perfeitamente Marcos, mas diga de uma vez por todas onde está!

O homem tinha uma voz dura, mas não rude, os olhos atrás de um quadrado par de óculos com desenhos de cobras nas laterais olhava sério, com as sobrancelhas frisadas para o homem rechonchudo a sua frente.

Este engoliu em seco ao observar a cara irritada do rapaz, passou lentamente um pano branco que tirou do bolso da calça, em sua testa, limpando o suor acumulado na região.

Pigarreou, limpando a garganta.

-Veja, não é uma certeza, mas foi o que me informaram... E entendo se não quiser prosseguir... Mas achei que gostaria de saber...

-Fale logo!

O homem de cabelos negros estava começando a se irritar, fazendo com que Marcos ficasse ainda mais nervoso.

-Bom... - Marcos entregou um pequeno pedaço de papel amarelo nas mãos do homem, que pegou, leu o que estava escrito em silencio, e sem nada dizer se retirou da sala, fazendo com que Marcos relaxasse na cadeira e se aliviasse.

Por isso gostava de trabalhar com Cego, ele era um homem de poucas palavras, mas de muita atitude, era direto e certeiro.

Nunca entendeu bem como aquele apelido pegou, mas sabia que não fazia jus a seu trabalho.

***

Cego amava seu trabalho, não porque tinha adrenalina e emoção, mas porque conseguia fazer com que a lei fosse obedecida da forma, a seu ver, mais correta.

Ele era a lei em pessoa e não admitia que dissessem o contrario.

Depois de alguns minutos que seus olhos se acostumaram com toda aquela escuridão, ele pode ver o que aquela imensa casa possuía, e a verdade é que apenas avistou alguns pedaços de madeira podre jogados pelo piso inteiro, alguns ratos se escondendo, dormindo ou mesmo mortos sendo comidos por outros ratos e muito pó.

Alguns pedaços de papelão aqui e ali, e uma quantidade imensa de um pó branco que brilhava com a luz da lua que adentrava a janela do cômodo que deveria ser a sala.

Ele se abaixou lentamente, os olhos observando o que era o tal pó, os dedos da mão direita esfregando um pouco do conteúdo entre si e levando próximo ao nariz, agora tinha certeza mais do que absoluta que estava no lugar certo.

Se ergueu lentamente, olhou pela janela quebrada que trazia a luz do lado de fora, o matagal cobria mais da metade da casa, o que seria util.

Seus passos silenciosos agora subiam a escada que dava para os quartos, os degraus rangendo de leve, mas ele fazia com que seu peso fosse mínimo, em poucos instantes já estava no andar de cima, a mão indo ao coldre, encostando em seu calibre 38 de aço escovado com cabo de sândalo gravado com uma rosa no cano.

A cabeça adentrou a primeira porta que estava aberta, silenciosamente, não havia nada no lugar, e por experiência própria não iria caçar pelos cantos, sabia que seria perda de tempo nesse caso.

Se voltou para o corredor, havia ainda cinco portas, mas sabia que não precisaria observar mais nenhuma, acabara de achar sua vitima.

A última porta era a única que estava com uma luminosidade fraca, provavelmente uma vela ou uma lanterna fraca.

Andou até o local sentindo a tensão fervilhar em seu sangue, estava acostumado com aquilo, mas seus músculos sempre ficavam rígidos e seu coração acelerava.

Encostou na parede ao lado da porta, sua respiração ficando mais lenta e mais pesada, pegou a arma e a engatilhou, tentou ouvir algum ruído ou qualquer sinal vindo da parte de dentro do quarto, encostou o ouvido na porta, nada.

Tudo na santa paz e era exatamente isso que o deixava preocupado, não gostava dessa tranquilidade toda, nunca era realmente boa coisa.

Respirou fundo e chutou a porta, a arma apontada para atirar em quem estivesse presente, mas seus olhos se espantaram ao observar que não havia ninguém no cômodo, exceto uma pequena lanterna jogada no chão, em direção a porta, como se fosse uma armadilha para que pensassem que tivesse alguém ali.

Mas como poderiam prever algo assim? A não ser que a pessoa tivesse saído as pressas e deixado tudo como estava, o que era pouco provável, considerando que o resto da mansão não parecia invadida nem que alguém fugira de lá rapidamente.

Engoliu em seco e sentiu sua garganta seca, aquilo não estava cheirando bem.

Adentrou o cômodo observando o pouco que ali havia, um grande armário, algumas folhas de jornais espalhados e uma pequena mesinha no canto da parede inferior a porta, com uma perna corroída por dentes de rato.

Foi direto no armário, abrindo suas portas rapidamente, esperando alguma surpresa, nada.

Estava achando tudo muito estranho, vasculhou a mesinha e os jornais, nada de interessante.

Saiu do quarto, sabia que era perda de tempo, mas nesse caso, necessário, checou todos os outros quartos e nada achou além de mais jornais, papelão e madeira.

Voltou a descer as escadas, foi quando avistou uma escada que daria para o subsolo, via uma grande movimentação de ratos naquela região.

Se ateve a ficar em silencio, seus passos rangendo o mínimo possível para chegar ao porão.

Era mais escuro que todo o resto da casa, espremeu os olhos, tentando fazer surgir alguma visão, mas o jeito era tatear.

Suas mãos iam ao ar sem nada encontrar, até que tocou em algo peludo e fofo.

Uma pilha disso.

Mesmo escuro, seus olhos se arregalaram, não conseguia identificar, mas tinha uma idéia do que seria.

Voltou às pressas para a sala, pegando uma dúzia de papelões e levando-os para baixo, ateando fogo com seu isqueiro.

Uma grande luz avermelhada iluminou todo o local, os ratos aos montes fugiam as pressas com medo da novidade.

Seus olhos vasculharam o que havia tocado, e então viu um homem jogado ao chão, de longos cabelos negros acinzentados, os ratos estavam aos montes em cima dele, mas dava para notar pelos seus gemidos que ainda estava vivo.

Às vezes a justiça vinha do destino, às vezes ele tinha que terminar, às vezes tinha que fazer por completo.

Um sorriso sádico veio aos lábios, ele deu um chute na perna do homem, que gemeu mais forte.

O desgraçado estava mesmo vivo, se escondendo da população, depois de matar milhões de pessoas com seu terrorismo todo ainda estava vivo e reclamando de dor, pois ele iria ver o que era dor.

Pegou o homem com uma das mãos e o arrastou para o andar de cima, afastando assim os ratos também de seus feitos.

Jogou-o na sala, fazendo um grande baque com seu corpo se batendo de encontro ao piso.

Chutou o estomago do homem novamente, e mais uma vez, até ele voltar a consciência, completamente zonzo.

Abriu os olhos lentamente, verdes e vivos, maldosos, olhou para ele e entrou em estado de choque, tinha tentado escapar tantas vezes, sabia que estava sendo bem sucedido, como descobriu onde estava afinal?

Cego abriu um largo sorriso cruel, os olhos fervendo de fúria.

-Boa noite Leão Vermelho, como esta? Ah é, sendo fugitivo da policia por trafico de droga - ele apontou para a farinha branca brilhante que examinara há pouco - vivendo junto dos da sua espécie, - apontava agora para os ratos apressados - não deve estar muito bem, não é?

O homem não se movia, os olhos estavam apavorados.

-Pensou mesmo que eu não o encontraria? Depois de matar toda a minha família, achou MESMO que eu não conseguiria?

Ele falava com raiva, suas palavras carregadas de amargura.

-Mas você sabe, ninguém escapa da justiça e você mexeu exatamente com o justiceiro.

A arma agora apontava para Leão Vermelho, que se encolhia amedrontado, mas rapidamente a mão mudou de posição e atirou em uma das pernas do homem que berrou de dor.

- Ah veja só, ele sente dor.

A voz tinha a ironia carregada nas palavras.

-Mas na hora de matar uma pobre mulher com seu filho inocente, você não teve nem dor, nem pena, não é mesmo?

Ele se virava agora, os olhos repletos de lagrimas, mas não deixaria que aquele porco visse seus sentimentos.

-Você se envolveu aonde não podia...

A voz rouca e grotesca de Leão Vermelho saia engasgada com a dor que estava sentindo na perna.

-SILENCIO!!

Cego berrava, se virando irritado para o homem magérrimo e maltrapilho a sua frente.

Ambos se encararam por longos minutos.

-Serei bom, sou um homem justo, como bem sabe. - Cego apontava a arma para a cabeça dele, gesticulando e dando a forte impressão que dispararia aquela arma há qualquer momento.

-Lhe darei a escolha de morrer agora... - A fumaça da queimação que ele fizera no porão começava a surgir em meio à sala. - Ou de tentar se salvar - Os olhos estavam fixos no moribundo agora, que nada respondia.

-Fale logo!!! - Cego berrava, enquanto dava um chute certeiro na boca do estomago do homem, que se encolhia gemendo.

A arma apontou para a mão oposta a perna atingida e disparou, fazendo sangue espirrar em várias direções.

O homem berrara um palavrão alto, o encarou sério.

-Me deixe viver, por favor!!! Por favor!!!

Ele berrava, começando a chorar.

-É uma pena que não pensou nisso antes de torturar meu filho e estuprar minha mulher. Essa possibilidade não está na lista... Mas já que assim quer...

Ele tirou uma caixa de fósforos do sobretudo, acendendo, a chama brilhava em seus olhos, agora vivos.

-Boa sorte!

Ao falar isso ele jogou o fósforo na pilha de madeira próxima, que logo se espalhou, tomando conta rapidamente das coisas, as chamas engoliam tudo completamente esfomeadas.

Cego olhou o homem uma ultima vez e então saiu da casa lentamente, vendo-a se incendiar cada vez mais rápido.

O homem sangrava e tentava se arrastar para a saída que parecia ser quilômetros de distancia.

Já estava quase chegando à rua quando teve a impressão de ouvir berros de desespero vindos de dentro da casa.

Adentrou seu carro e acelerou ladeira abaixo, parando apenas há quilômetros dali, a fumaça cobria o céu, podendo ser visto de longe, a lenda tinha acabado junto da desgraça que viera com ela.

Ninguém sabia o que realmente se passara naquela casa, e nunca saberiam.

As mãos agora tremulas de Cego pegavam uma foto no porta luvas do carro, as lagrimas pingando na foto que mostrava um lindo garoto sorridente junto de sua bela mãe.

Acontecesse o que acontecesse, ele sabia que agora sua missão estava cumprida.

Ficou uns instantes admirando a foto e então voltou a dirigir, a satisfação adentrando em seu ser, sempre que matava sabia que era porque de fato a pessoa mereceu, mas desta vez sentia a justiça fervilhando em suas veias.

Aumentou o som do radio e voltou a dirigir, viu uma ambulância passar as pressas por ele, mas tinha a plena certeza de que já era tarde demais, mas talvez conseguissem salvar alguns ratos, quem sabe.

Gostava de fazer justiça, a limpeza ficava por conta de outros.

O vento entrava pela janela, bagunçando seu cabelo, nunca mais seria feliz como fora um dia, novamente, mas agora sabia que poderia viver tranquilamente, apenas com a saudade de uma vida que um dia fora plena e perfeita

Viveria pela justiça, atrás de pessoas que não mereciam ter a graça de viver.

***

Quem observasse de longe, pensaria que estava vendo coisas, pois o carro desaparecera com o vento, mas a realidade é que Matheus, mais conhecido por Cego, era o santo dos injustiçados, e que apareceria sempre que preciso para aqueles que merecessem ter sua paga.

Diz a lenda que seu espírito vaga por ai, protegendo os pobres que precisam que a justiça seja feita, e ele o faz, afinal, ele é a LEI!

Jéssica Curto
Enviado por Jéssica Curto em 24/08/2011
Reeditado em 18/12/2012
Código do texto: T3180561
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