A imagem
Elas sempre aparecem em beira de estrada...
Quem? As irmãs da Silva.... Ouvi casos diversos dos seus ataques a motoristas que passavam por lá... o local ameaçava a via de comércio. Então a arquidiocese resolveu me enviar para investigar o caso.
Da Itália tive que passar primeiro pela cidade que vinha antes para interrogar alguns moradores. Fui na casa de dona Celestiana. Depois que perdera filho e marido para as irmãs da Silva virou crente e difícil de falar do assunto. Ainda sim fui tentar uma conversação...
Chegando perto da casa ouvi gritos dos meninos que eu tinha mandado chamar a anciã.
“Não falo com padres... são tudo escravos do diabo e perversores de crianças”. Então resolvi entrar de supetão e antes que ela acabasse eu a cumprimentei:
“Bom dia dona Celestiana, perdoe-me por entrar desse jeito mas o caso é de extrema urgência”.
“Não falo com pedófilos”. Provocou secamente.
“Seus pastores não tem dado muito bons exemplos, pelo que tenho visto nas televisões”. Rebaixei-me(admito). Tanto porque ela avançou em minha jugular como um demônio. Então continuei a provocação: “Onde está a serva do Senhor agora?”
Ela se afastou aterrorizada. Admito ter monopolizado a situação desde o começo. Meus irmãos de paróquia diziam que eu não tinha jeito de padre, mas de inquisidor, por isso fiquei na área de maior pressão. Então observei melhor o interior da casa. Havia uma energia pesada na casa. A mulher não agia sozinha, seus sentimentos estavam sobre camuflagem, e fizesse o que eu fizesse tinha que acabar com algo na casa também, senão ela nada me falaria. Antes de continuar o interrogatório peguei o meu talismã de espada de são-jorge e coloquei acima da janela. O sol que nele batia fez uma barreira purificadora. Coisa que aprendi com os chefes apaches que conheci na Amazônia a quatro meses atrás. A mulher caíra no chão sem forças, e disse somente:” foge daqui, tem coisa grande agindo aqui meu filho”. Olhei ao redor, fora da casa....longe da barreira e estavam todos os moradores do bairro me esperando com facas e pedras nas mãos. Resolvi sair pelo muro, pulando de cercas em cercas, me embreei no mato deixando todo o meu equipamento para trás. Vocês devem estar se perguntando como eu achei que algo havia estranho? Além da energia negativa que sentira por alto(sou sensitivo classe F), vi um santo de madeira nos fundos da casa. Achei estranho uma pessoa evangélica agir assim. Então fiz a barreira de ervas para expulsar qualquer coisa. A mulher nunca fora evangélica, mas algo que entrara no corpo dela resolveu adotar essa imagem... e não faz muito tempo.
No caminho da minha corrida me perseguiam... pedras e paus avançavam sobre mim como vespas.... Foi atingido por uma pedra na nuca... caí ribanceira abaixo em mar de sangue, nodando o rio de vermelho. O rio me levara para perto da estrada das meninas que eu falei no começo. E quando eu levantei, já de noite, as avistei me observando...Gelei a alma!
Eram figuras horrorosas com buracos nos rostos, mãos e pés amputados, e levitavam sobre o nada...Verdadeiramente assombroso.
Assisti tudo parado esperando alguma ação delas... estava indefeso, e de fato completamente desprotegido. Me lembrei do meu crucifixo banhado no rio Jordão e agarrei-me a ele. Então ouvi gargalhadas de crianças inocentes....estranhei.
“Você não precisa se preocupar com agente”. Disseram. “ Sua preocupação maior é com a cidade. Você é a pessoa certa no lugar errado”.
Então resolvi perguntar o porquê do comentário, e o que tinha causado tudo aquilo.
“Eles vieram com uma pantera negra em coleira. Diziam sobre algo novo, algo bom e só tinha que manter a imagem de um cachorro no meio da cidade. Aceitamos. De noite a lua escureceu pra agente, nossos pais e irmãos perderam som e melodia. Fugimos afoitas mas antes disso a pantera nos pegou, arrancou mãos, pernas , olhos, bocas e nariz. Pedimos a Deus para não morrer agora para vingar e salvar a cidade. Faz sete anos que vivemos esperando alguém para destruir a imagem da besta”.
Então resolvi quebrar a imagem. Mas como? perguntei.
Ainda estava ensanguentado da pedra certeira. Elas aconselharam, e disseram que sempre estariam ao meu lado para mostrar o caminho. Por isso eu deveria ser atento.
Pegue a lama do lago, passe no machucado. Você vai sentir dor, é a ferida se fechando. Depois você colherá algumas ervas....E assim o fiz.
Cheguei a cidade. Os moradores quando me viram logo me arrodearam. Então peguei uma flor de barriguda, botei na boca e sumi dali. Na mesma hora uma ilusão de mim correu pra dentro do mato, e os moradores vorazes foram atrás. Quando você põe flores de barriguda na boca você se torna filho de caipora. Ela passa a te proteger até que a barriguda saia da sua barriga. Então passei despercebido pelo resto dos moradores e encontrei a pantera. Que sentia minha presença e vinha em minha direção. Joguei no chão algumas ortigas que avançaram sobre o animal que se contorcia enquanto as ortigas criavam vida sobre ele. Era a caipora que agia pra me proteger. Até lá eu não achara a maldita imagem. Então peguei uma muiraquitã que as gêmeas me fizeram pegar na lama do rio e esta me guiou para a igreja. Entrando nela vi imagens despedaçadas, a cruz inversa em estado de zombaria, e muito sangue espalhado pelas paredes. A estátua estava no centro do templo. Senti um sussurro “Aqui não entro não”. Era a caipora, bicho pagão que não tinha poder para quebrar a barreira de um templo santo, ainda que difamado. Já estava perto, então peguei uma picareta que levava, levantei sobre a estátua e a golpeei.
Nessa hora uma sombra imensa se espalhou por todo o templo. Pensei ter ficado cego no momento, mas via pouco de poucos. “Como ousa me atacar mortal”. A coisa preta gritava pra mim, e avançava... eu me apegava nos poucos cantos iluminados da catedral. Quando finalmente tirei do bolso espada de são Jorge. A erva de novo. Encostei na sombra que se encolheu em gemido demoníaco. E assim cheguei mais perto e a criatura se encolhia até que desapareceu em fumaça. O resto da estátua implodiu e virou terra vermelha. Quando saí da catedral todos da cidade estavam caídos no chão. Fracos e desorientados. As meninas disformes que me ajudaram agora se dissolviam em luz....sorriram pra mim e sumiram.