RAQUEL

O texto que a seguir apresento baseia-se num enredo já conhecido. Vi essa história há muitos anos num programa de televisão. Passado um bom tempo, vi coisa semelhante noutro canal. Mas como nunca vi isso escrito, resolvi tomar a liberdade de dar-lhe forma de conto, pelo menos para ver se eu tenho "jeito para a coisa". Minha intenção é aprender a escrever histórias e, com algum esforço, escrever sempre mais e melhor.

Há muitos anos, a profissão que eu exercia obrigava-me a viajar de uma cidade a outra, ficando às vezes até duas ou três semanas hospedado em alguma pensão ou numa pequena casa alugada. Eu gostava do que fazia e apreciava conhecer pessoas. Mas é bom lembrar que minha personalidade aberta e sincera - e daí a facilidade no trato com todo mundo - é que atraía todos a mim. Nunca conheci alguém que não desejasse minha companhia, e minha atividade profissional consistia, como consequência, no bom emprego de meu talento comunicativo.

Chegando então num certo povoado, cidade modesta mesmo, sem hotel ou algo parecido, tratei de procurar uma casa para alugar, que não foi fácil encontrar. Mas enfim achei uma, bem simples, quase vazia, mobiliada apenas com os móveis mais essenciais. Não sendo a esse respeito muito exigente, acomodei-me satisfeito e procurei dedicar-me de imediato ao trabalho que tinha a desempenhar.

A tal casa situava-se na periferia, próximo ao cemitério do lugarejo, e por isso mesmo parecia ter a calma que eu queria. O terreno era um tanto elevado, de onde podia-se ver tudo ao redor. Evidenciava-se, bem adiante, um casarão de aspecto desgastado onde, nos fins de semana, ocorriam as reuniões dançantes da juventude do lugar. Às sextas e aos sábados as noites eram atravessadas por músicas que me seriam ensurdecedoras se eu tivesse de pernoitar ali por perto. Ora, dormir ao lado do cemitério era-me sem dúvida preferível, por ter a tranquilidade de que eu precisava.

Os dias foram-se passando sem transtornos e eu já estava concluindo o trabalho que viera ali fazer. Era sábado, na segunda-feira eu iria embora. Naquela noite fiquei acordado até mais tarde, terminando minha tarefa e fazendo novos planos, preparando-me para a partida. Todo o trabalho havia sido levado a bom termo, tudo certo, nenhum incidente e nenhuma perturbação, pelo menos até aquela hora; pois então...

A janela que dava para o cemitério estava aberta, e por um instante pareceu-me ver a figura de uma moça, ali mesmo, naquela abertura, sorrindo para mim. Poucos segundos depois, alguém bateu à porta. Não fosse a imagem recém vista, eu não me assustaria, a princípio, pois já outras vezes vieram pessoas falar comigo. Estando eu à mesa, levantei-me e fui abrir a porta.

Abri e surpreendi-me. A moça que eu acabara de ver na janela era real, e estava ali, à minha frente. Muito bonita, parecia irradiar simpatia; e eu, mesmo assustado, procurei retribuir o sorriso. Convidei-a a entrar.

- Espero não estar atrapalhando - disse ela. Meu nome é Raquel e estou aqui porque gostaria de conhecê-lo. Tive esse pressentimento de que hoje eu iria conhecer alguém interessante. Mas na verdade saí de casa para ir ao baile, pois gosto de dançar. Vou passar na casa de uma amiga, e iremos juntas. Vi sua janela aberta, e não resisti à vontade de descobrir quem é que está morando aqui.

Por sugestão minha, sentamo-nos ambos à mesa e eu falei-lhe um pouco de mim, contei-lhe que estava na cidade de passagem, a trabalho. Ela ouvia com vivo interesse, e não parecia ter pressa em sair. Disse que era filha única, que sua mãe morava "naquela casa branca de janelas verdes perto da igreja", casa essa que eu não conhecia, pois tampouco ia à igreja.

Enquanto conversámos de uma e outra coisa, o vento lá fora uivava de mansinho e, fora isso, o silêncio era quebrado apenas pelo piar de muitas corujas que pousavam sobre as cruzes do cemitério. Pedi licença, levantei-me e fechei a janela. Mas sendo noite de baile, logo o ar encheu-se do som musical que daquele badalado salão vinha. Silenciamos nossa conversa, e ela disse então que queria dançar.

- Dançar? Aqui comigo?

- Sim, com quem mais? Perdi a vontade de ir ao baile, e minha amiga já deve ter ido.

Levantamo-nos, aproximamo-nos mais e eu a toquei, com verdadeira satisfação. Ela disse que minhas mãos eram quentes. Dançamos ao som de uma, duas, três músicas. Enfim, dançamos por umas duas horas. Ela não se cansava, parecia estar feliz, e eu de mim não diria outra coisa.

Depois disse que precisava ir, que sua mãe estava preocupada, pensando nela.

- Foi um prazer e uma honra tê-la conhecido e, ainda mais, ter dançado com você - disse-lhe eu. Quer que a acompanhe até sua casa? Lá fora está escuro e frio.

- Não, preciso ir só - disse ela, já à porta.

- Então, pelo menos leve este blusão para abrigar-se um pouco.

- Está bem, amanhã você o terá de volta. Vá até a casa branca de janelas verdes e fale com minha mãe.

Ainda quis insistir em acompanhá-la, mas ela, mais uma vez, recusou o favor que eu lhe oferecia, e desapareceu na escuridão da noite.

Ficando novamente só, achei difícil conciliar as ideias. Aquela visita não fora um acontecimento banal. Ainda perturbado, fiquei pensando na moça por uma hora ou duas, até que enfim fui dormir.

No dia seguinte, domingo, eu deveria preparar-me para ir embora. Mas era forte meu desejo de rever Raquel. Eu precisava ir à casa dela, a pretexto de reaver o blusão que lhe havia emprestado.

Foi fácil achar a casa branca de janelas verdes. Estava, porém, toda fechada, nem parecendo ser habitada. Bati, ninguém me atendeu; esperei um pouco e estava quase resolvendo ir embora para voltar mais tarde. Mas então notei que da igreja vinha uma senhora, e vinha em direção à casa.

Cumprimentei-a, e perguntei-lhe se morava ali; ela disse que sim, olhando-me com atenção.

- A senhora tem uma filha chamada Raquel? É que preciso falar com ela...

A mulher pareceu assustar-se.

- O senhor deve estar enganado, seu moço. Minha única filha, que tinha esse nome, faleceu há quase um ano. Moro aqui sozinha.

- Mas como? Esta noite conheci uma moça com a qual dancei, e acabei emprestando-lhe o meu blusão, e aqui estou para reavê-lo. Ela indicou-me esta casa, não pode haver engano.

- Não, o senhor deve estar confundido. Olhe, eu vou ao cemitério agora; não quer acompanhar-me? Lá, no túmulo, o senhor verá a foto de minha filha, e vai se convencer de que se trata de outra pessoa.

Acompanhei-a, fomos devagar, conversando, tentando eu esclarecer e entender as coisas.

Lá chegando, e encontrando o jazigo procurado, logo surpreendi-me ao ver, sobre a cruz, o meu inconfundível blusão; e ainda mais perturbado fiquei ao ver a foto da moça na lápide. Era a mesma, sem dúvida, a Raquel que estava comigo na noite anterior. Fiquei atônito, sem entender nada.

- Ela morreu há quase um ano - disse-me sua mãe. Foi num sábado à noite, ela queria muito ir ao baile, queria dançar. Minha filha era alegre e comunicativa, e dizia estar com o pressentimento de que iria conhecer alguém que não era daqui. Consenti que fosse, contanto que passasse na casa de sua amiga para irem juntas. Ah, quisera que Deus me tivesse dado forças para proibi-la de ir àquele baile. Pois mal ela chegando, houve uma briga de rapazes do lado de fora da casa. Um deles sacou uma arma, e Raquel caiu atingida por uma bala perdida. Teve morte instantânea, o acontecimento chocou a todos aqui, os bailes foram suspensos por um mês. Depois a agitação noturna nos fins de semana retornu ao que era antes. O senhor sabe como essas coisas são...

Enquanto a mulher falava, eu segurava o blusão e não conseguia tirar os olhos da foto de sua filha ali sepultada.

- Esta noite eu sonhei muito com minha filha, sonhei que a via dançando, alegre e feliz. É uma tristeza não tê-la mais comigo, mas Deus sabe o que faz... Mas então, seu moço, está convencido de que se trata de outra pessoa?

Não pude responder a essa pergunta. Minha certeza era que se tratava da mesma moça, sem entender como. Eu estava abalado, precisava ir e despedi-me de qualquer maneira da senhora, agradecendo-lhe a boa vontade que tivera comigo.

Pelo resto do dia, muitas pessoas vieram despedir-se de mim, com palavras e abraços calorosos, o que não me deixava pensar muito no acontecido nas horas anteriores. Só bem tarde é que fiquei sozinho novamente. Com a janela aberta, sentei-me àquela mesa, intimamente esperançoso que a moça tornasse a aparecer. Não apareceu. E a única explicação que encontrei é que a alma de certas pessoas, quando morrem, não vai diretamente para um lugar definido; fica, por algum tempo, vagando nas proximidades do corpo, esperando o momento oportuno para dele desligar-se. Tal pensamento acalmou-me um pouco e pude então dormir pela última vez naquela casa.

Fui embora na manhã seguinte. Antes da partida, arranjei um ramalhete de flores e fui depositá-lo no túmulo de Raquel. Nada de novo na sepultura de quase um ano, tudo ali era paz e silêncio. Mas na foto, ela parecia sorrir para mim, feliz como naquela noite, a noite que era sua e que foi minha. Sim, descanse em paz, minha bela Raquel; foi um prazer e uma honra tê-la conhecido e ter dançado com você.

Egon Werner
Enviado por Egon Werner em 11/07/2011
Reeditado em 10/08/2011
Código do texto: T3089167
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