Em alta velocidade
Conto I – Em alta velocidade
O carro seguia em alta velocidade numa rodovia com montanhas arborizadas do lado direito e um precipício rochoso do lado esquerdo. Os contrastes tornavam a paisagem cada vez mais bela.
O vento estava forte e os seus cabelos faziam redemoinhos no ar. Dolores pegou um prendedor em formato de piranha e prendeu os cabelos. Depois procurou um lenço em sua frasqueira e amarrou à sua cabeça prendendo todas as pontas. No rádio tocava uma música romântica. Ela estava alegre e radiante. Olhou-se no espelho do protetor de sol do carro e passou os dedos nas bochechas levemente. Abriu à frasqueira, pegou um batom cor de boca e retocou a maquiagem passando suavemente em seus lábios. Refez toda a maquiagem. Nada de exageros. Sentiu as mãos do seu companheiro tocando suas coxas. Ela sorriu e passou a língua umedecendo os lábios com sensualidade. O carro continuava em alta velocidade. O vento roçava seu rosto deixando uma sensação agradável.
A música já estava acabando. Dolores abriu o porta-luvas, pegou seus óculos escuros, deu uma olhada e percebeu que estava empoeirado. Pegou uma flanela do estojo dos óculos e limpou cuidadosamente. Colocou os óculos e ouviu o final de “EVERGREEN” interpretada por Barbra Streisand. Ela suspirou, recompondo-se na poltrona do confortável carro e sentindo-se a mulher mais feliz do mundo. Sua alma estava tranqüila.
O sol estava quente e já passavam das dez horas da manhã. A paisagem verdejante das montanhas contrastava com o azul celeste do Céu. Um dia realmente lindo!
O carro diminuía a velocidade porque estavam entrando numa área urbana. As placas indicavam que os motoristas deveriam diminuir a velocidade. Ao longe Dolores pode ver o Cruzeiro de uma pequena igrejinha do povoado. Lembrou-se com ternura de sua pequena cidade e do belo Cruzeiro que dava nome ao vilarejo – Cruz das Almas.
Fechou os olhos por um instante e um filme passou em sua mente. Recordou sua infância e sentiu saudade dos pais e do irmão. Uma saudade tão distante!
Ao abrir os olhos, notou que já passavam por pequenos casebres à beira da rodovia. Poucos transeuntes. Um ou outro morador que transitava de bicicleta, algumas crianças fardadas que seguiam rumo a sua casa com materiais escolares na mão.
O carro seguia a uma velocidade permitida para a zona urbana. Quarenta quilômetros. O movimento de carros aumentava devido à redução da velocidade.
Dolores pode observar que havia uma jovem na margem esquerda da rodovia com um bebê no colo. Ela podia ouvir o choro da criança. A Mãe parecia aflita. Do lado oposto percebeu que havia uma senhora de meia idade tentando atravessar a rodovia. Como o movimento estava intenso, ela parecia agoniada, mas os carros não lhe davam passagem. A mulher estava com uma mamadeira nas mãos. Era uma senhora simples. Usava um vestido de chita acima do joelho, sem mangas, cabelos castanhos presos por um lenço e sem maquiagem. A criança estava faminta. O leite da mãe havia secado e o bebê só se alimentava de mamadeira. O gás havia acabado e as mulheres não tinham dinheiro para repor. A avó tinha atravessado a rodovia para pedir que a vizinha deixasse que ela fizesse o mingau do neto. Ao retornar para casa, a filha esperava na outra margem, desesperada com o choro do filho. A avó tentou atravessar com os carros em movimento e foi abatida por um carro que passava em alta velocidade.
Dolores ficou comovida com a situação das mulheres e começou a gritar pedindo socorro. O motorista parou no acostamento e Dolores abriu a porta e saiu se debatendo para ajudar. Saiu aos gritos e caiu no meio do asfalto. Levantou-se e saiu mancando em direção a mãe que estava aos gritos, desesperada. Dolores gritava e se debatia. Chorava e gritava. Era mais um pesadelo na vida de Dolores. Ela acordou e percebeu que seu leito estava rodeado de médicos, enfermeiros e curiosos. Ela estava amarrada à cama e logo em seguida uma enfermeira entrou com sua medicação. Um calmante para mantê-la calma e tranqüila.
Dolores estava assustada e ofegante. Chorava convulsivamente e gritava que socorressem a mãe e o bebê. Uma enfermeira já estava a postos para aplicar novos calmantes em Dolores.
Josa Pinheiro