Carolina

As turbulências não somente causava medo como também assolavam de maneira devastadora a sua mente. A quase 10 mil pés o doutor Rogério demonstrava muita agitação e preocupação. É até natural ouvir alguns comentários dentro do avião e notar um ar de preocupação nos rostos dos passageiros, mas logo são confortados pelo sorriso de uma aeromoça, orientando a todos que é apenas uma ligeira e normal turbulência.

Olhando através da vidraça o doutor Rogério um renomado especialista na área de cardiologia sentiu uma pontada no meio do peito que fez com que o mesmo automaticamente levasse as duas mãos no peito e curvasse todo o seu corpo para a frente, a mulher de meia idade que estava ao seu lado ficou assustada com aquele movimento brusco e disse: - Senhor está tudo bem?

Quando ele retornou o corpo para trás encostando novamente o seu corpo na poltrona e deu um longo suspiro apenas meneou a cabeça com a voz entrecortada respondendo que sim, as lágrimas desciam com intensidade e percorriam todo o seu rosto rechonchudo parando entre as barbas, quando a mulher foi mencionar “você está precisando de ajuda”, a voz soou pelo corredor que dentro de alguns minutos o avião iria aterrizar.

O telefonema de Ester sua esposa a menos de 25 minutos foi tão aterrorizante que ele preferia estar novamente fazendo a sua primeira cirurgia cardiovascular ou entrar em uma “máquina do tempo” e voltar a pelo menos seis anos atrás quando a pequena Carolina nasceu.

A única lembrança que ele tinha era daquele ser tão frágil sendo segurada pelos amigos de profissão, do momento do corte do cordão umbilical, do choro da pequena criança, dos sorrisos que espalhou por toda a sala, e das lágrimas de felicidades da sua esposa. Depois de muita insistência de Ester para que ele assistisse o momento magnífico do parto ele acabará cedendo e por ironia do destino foi justamente o dia que ele estava de plantão oque certamente uniu o útil ao agradável, pois Rogério não abdicava de seu trabalho por nada.

Mergulhado completamente em sua profissão salvando muitas vidas, recebendo muitas honrarias com sobrecargas intensas de trabalho, infelizmente não sobrava tempo para a sua família.

Havia uma enorme lacuna em sua vida familiar que por ele era preenchida na sala de seu consultório, no decorrer dos tempos de casados Ester ainda suportou a ausência de Rogério, porém depois que Carolina nasceu ela cobrava com mais intensidade a necessidade da presença do pai.

No decorrer dos anos ele constrói um patrimônio excepcional, morava na melhor região de São Paulo, sua residência era uma verdadeira mansão. Ester tinha de tudo do bom do melhor, sua filha Carolina tinha um verdadeiro arsenal de brinquedos, e inclusive em sua casa tinha um parque exclusivo para ela, só não tinha o principal a presença do pai.

Foram poucas vezes que Rogério brincou com a menina, visitou a sua escola, deu carinho e amor, contou histórias para ela na hora de dormir, abraçou e beijou-a.

Todas as vezes que Ester tentava começar um diálogo era tarde demais, outro dia conversamos sobre isto, agora estou muito ocupado, agora estou cansado, tive um dia estressante, era, no entanto os velhos “chavões”, que resumia em apenas duas palavras: Desculpas, esfarrapadas.

Porém naquela tarde não havia mais desculpas, como também não haveria mais Carolina, não nesta vida, pois como dizem , quando morre uma criança, é um anjinho que vai para o céu.

Um atropelamento foi o motivo da morte, Carolina cansou de brincar aprisionada, sentiu enjoada com os seus brinquedos, e resolveu conhecer o mundo, a porta estava aberta e os portões também, um momento de descuido enquanto o senhor Antonio o chofer da família retirava o carro da imensa fortaleça, e criança não pode descuidar dizia Bilu, a empregada da família em meio aos prantos para uma mulher alta que estava de óculos escuros naquele imenso cômodo da casa.

Quando Rogério viu aquele pequeno caixão e aos poucos foi se aproximando as suas pernas pareciam pesadas, ele estava andando quase arrastando, todos ficaram paralisado com aquele cenário de horror, o choro foi inevitável acompanhado de vários gritos de desespero.

Ele sentiu o impacto da mão de Ester sobre a sua face desferindo uma bofetada que até mexeu com os seus sentidos, foi tão forte que ele chegou a cambalear e quase desmoronou sobre o caixão e realmente foi o que aconteceu quando ele viu a face da sua pequena Carolina, envolvida entre flores com um vestido colorido que ganhara de sua tia na festa de seu aniversário a menos de dois meses, com a pequena mãozinha apoiada sobre a barriga, sua fisionomia estava intacta, parecia que estava dormindo um sono profundo. Rogério sentia impotente diante daquela situação, ele que havia salvado tantas vidas, não podia fazer simplesmente nada.

Uma onda de calor começou a percorrer todo o seu corpo, uma pressão insuportável sobre a sua cabeça, parecia que iria explodir, de repente ele sentiu um impacto forte sobre o seu corpo, começou a gritar desesperadamente o nome de sua filha, agora ele gritava com mais intensidade: Carolina, Carolinaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa.

Sentiu uma mão apoiar sobre o seu ombro e varias sacudidas sobre o seu corpo e quando abriu os olhos, viu um rosto jovial, calmamente dizendo: Senhor, senhor, o avião já aterrizou, tudo bem? Ele olhou a sua volta, havia uma aglomeração de pessoas que passavam pelo corredor, todas olhando fixamente para ele, o grito havia ecoado por todo o avião, algumas pessoas meneavam a cabeça, a mulher que estava ao seu lado estava bastante assustada, foi quando ele suspirou e percebeu que tudo não passara de um terrível pesadelo.

LUVI
Enviado por LUVI em 05/07/2011
Código do texto: T3077535
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