Deixando de existir

Parado numa esquina, vendo o movimento de carros antigos e acabados...
Fumando um cigarro de menta, solto baforadas para o alto... Tragando tranquilo a fumaça cancerígena.

Mil planos passam em minha mente sorrateira, pois é final de semana e divago em devaneios tolos, só para exercitar a mente.
Do outro lado da rua, uma linda e sensual mulher, elegantemente vestida de preto...
Ela caminha com passos decididos, firme... Como que sabe o que quer, a que veio ao mundo.
Fico paralisado, observando aquele ângulo fenômenal: um par de coxas bem delineadas, em cima de um scarpin vermelho de saltos altíssimos...
Uma vasta cabeleira loura, madeixas cacheadas, cachos bem definidos, certinhos, bem alinhados.
A boca... Ahh! Que boca linda com lábios finos, pintados de vermelho berrante, vermelho sangue.
Os olhos, o mais intrigante de um todo. Olhos verdes-esmeraldas. Um verde tão intenso como o Oceano Índico.
E para concluir a descrição. As unhas, perfeitamente cumpridas, bem cumpridas, pra dizer a verdade.
Ela se aproxima e me desperta do meu transe hipnótico. - O senhor tem fogo?... Aquela voz, uma voz doce e perigosa, um que de mistério, num tom perfeito para uma femme fatale.
Eu volto ao meu corpo de solavanco, e solto um risinho nervoso e patético.

- Fo...f...ooo...go... T...ee...nho sim! E estendo o isqueiro Zippo em sua direção.

A minha mão toca na sua pele, tão macia e sedosa, como um apetitoso pêssego...
Arrepio dos pés à cabeça, parece que uma descarga de intensa voltagem perspassa pelo meu corpo material.
Ela pega o isqueiro, e acende ligeiramente o cigarro entre o lábio inferior e o superior... Traga com vontade e depois agradece gentilmente, com um risinho provocante: - Obrigado, senhor!

E me dá as costas, caminhando com os mesmos passos firmes e decididos com que atravessara a rua em minha direção.
No outro lado da rua vizualizo um bar de quinta categoria, com um singelo letreiro luminoso.
Em suas letras de neón estava as seguintes palavras: BAR DA LUZ VERMELHA.

Aquele vulcão de mulher entra pela pequena porta do bar e desaparece do meu campo de visão.
Eu, ainda alucinado, atravesso a rua - agora deserta - e entro no fatídico bar, todo esbaforido e fascinado.
Para a minha surpresa, o bar está vazio! Nada de bêbados estúpidos, entorpecidos pelo efeito do alto teor etílico contido nas bebidas sórdidas - as garrafas viradas no gargalo - não, não é nada disso que encontro! O lugar está repleto de velas vermelhas e roxas.

Um ritual macabro! - logo penso. Minha vista se ofusca com as chamas das velas, muitas velas por sinal, espalhadas meticulosamente em castiçais por cantos previamente preparados e engenhados.
Me pergunto o porque daquele cenário dantesco - parece até um terreiro de umbanda numa sexta-feira à noite - ela já estava me esperando, com um taça na mão.

- Beba, eu preparei especialmente pra você... Disse numa voz doce e incisiva ao mesmo tempo. Tenho que dizer sobre os seus olhos, que agora parecerem ter vida própria.

Eu não pensei em mais nada, avancei alguns passos em sua direção e tomei a taça em minhas mãos. Sem titubear, sorvi a bebida num só gole.
Desceu queimando, como um letal ácido corrosivo. Só então balbuciei algumas palavras, com a voz embargada: - Que bebida é essa?

- É a bebida que trouxe você para o meu mundo! - Ah... Ahh... Ahhh... Agora você está deixando de existir para o mundo dos vivos.
Sem entender nada, consenti involutariamente e me entreguei de cabeça ao ritual macabro.

Foi assim, que a partir daquela noite eu entrei no mundo das trevas. E toda as noites da eternidade eu transarei com a loira mais perigosa que já passou por mim e pediu fogo...


 




 










Bruno Sacilotto
Enviado por Bruno Sacilotto em 27/06/2011
Código do texto: T3061260
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