UM PEDAÇO DE PAPEL
Amigos escritores do Recanto, e, amigo leitor. Pela felicidade de estar bem próximo do número de 1000 leituras dos textos aqui publicados, gostaria de modestamente “brindá-los”, com o Conto “UM PEDAÇO DE PAPEL”, por ter um significado muito especial para mim. Partindo de uma fictícia situação onde encontrei esse pedaço de papel, me vi pela primeira vez, extremamente nervoso à frente do computador, quando no ponto central da história, precisaria ler algo, que supostamente teria nele escrito. Esse momento deixou-me verdadeiramente agoniado, e o que surgiu, saberão na leitura. Espero que gostem. Deixem seus comentários ou críticas. Eles ou elas, principalmente elas (as críticas) nos fazem bem! Um abraço. Carlos Freitas.
UM PEDAÇO DE PAPEL
(Conto de Carlos Freitas)
Mera casualidade. Um roto e amassado pedaço de papel jogado na calçada, faz com que eu pare minha caminhada para apanhá-lo. - Hiperativos que somos, temos a curiosidade entranhada em nosso ser, não é verdade? Eu, um pouco mais por deliciar-me em escrever.
A estrutura do nosso corpo é formada por um feixe de energias. E, é necessário que esteja em permanente equilíbrio. Quando alimentamos nosso cérebro com dúvidas e questionamentos irreais ante o desconhecido, estamos propensos a ser invadidos por perigosos delírios e alucinações.
E era exatamente como me sentia, com aquele pedaço de papel amassado na minha mão - perdendo o equilíbrio corpóreo e racional. As dúvidas e questionamentos emergindo. Devo confessar: - Ele mexeu com a minha estrutura psíquica! As hipóteses, fluindo: - Quem sabe, ao abri-lo, não encontrarei versos de um clássico soneto de exaltação a vida, criação de um anônimo e inspirado poeta, ou, não contenha receitas mágicas de comportamento, com força capaz de mudar hábitos, atitudes, o nosso pensar, despertando-nos para novas e, fantásticas experiências, redundando talvez, numa força envolvente que enriqueça um pouco mais a nossa espiritualidade?
- Poderá conter também, o relato de uma viagem sonhada por toda uma vida, ali eternizada, e que seria entregue a alguém! - Porque não, a confidência de um amante à sua parceira, que inseguro na última hora, não teve coragem de entregá-lo?
Acaso, não poderia ser também, uma inocente e velada carta de amor, de um deslumbrado e sonhador adolescente, à sua primeira paixão, ou ainda, mentiras traidoras de um pérfido, destilando veneno sobre um amigo, de maneira mesquinha e covarde? – Bobagem minha, talvez fosse apenas uma relação de compras do mercado, o endereço de alguém procurado, ou ainda, um simples número de telefone, agora sem mais utilidade. Poderia ser tudo isso, e outras infinitas variantes. Relutava e refutava a possibilidade de que me revelasse algo trágico.
Porém... Minha curiosidade aguçada e impaciente pedia para que o abrisse logo, desvendando de vez todo aquele mistério e suspense. Um estranho impulso induzia-me a que o abrisse depois. Contive-me, e decidi: - fosse que fosse o que ali estivesse escrito, não me dizia respeito, e por isso, só iria sabê-lo quando chegasse à minha casa.
Assim pensando, coloquei-o no bolso da calça, e reiniciei a caminhada interrompida.
Nesse momento tenho certeza absoluta, que você, tanto quanto eu, esta impaciente e curioso em saber que segredo conterá esse aparente, insignificante e inútil pedaço de papel, não é?
– Já percebeu quantas vezes, desnecessariamente, freamos o curso natural de nossas vidas, por motivos ou situações, que fantasiamos e cultivamos de forma obsessiva e, que realmente só existem no nosso imaginário?
– Alguma vez, já refletiu o quanto nos tornamos mesquinhos extremados, envolvendo-nos, e deixando-nos envolver por elos, que além de nos imobilizar, nos impedem de usufruir daquilo que é positivo, saudável e altruísta?
Já quantificou as situações, em que nos tornamos egoístas e insensíveis, ao deixarmos de estender nossa mão a outra mão amiga, presumindo que iremos acrescentar mais problemas àqueles que já temos?
- Percebeu alguma vez, o quanto somos hipócritas, inconseqüentes e obsessivos, ao querermos viver a vida de outrem, olvidando corrigir e viver as nossas?
Nada se compara, quando tudo esta bem conosco. Na maioria do tempo, ignoramos o nosso próximo e, nos tornamos excessivamente individualistas, mesquinhos e vulgares. Esquecemos que a vida é transitória e volátil. Num piscar de olhos fraquejamos e caímos. Então veremos que estamos sós, envolvidos e presos a uma teia, e, em meio a tempestades e desditas, às vezes fatais. Certamente careceremos de mãos amigas. - As teremos então? Não nos esqueçamos, que temos nos amigos, o nosso porto seguro. Sem eles somos nada. Estaremos à deriva.
Quando, vermos uma gota de orvalho deslizando pela folha de uma arvore, aparemo-la com a boca. Quem sabe não estaremos bebendo uma gota de sabedoria? Pensem nisso.
Bem, enquanto entrevia e sofismava sobre hipóteses, acabei chegando a casa, nervoso, diria mesmo, inseguro... Tenso.
Na sala, sento-me no sofá. Tiro o papel do bolso. Sou o transe materializado. Mãos no colo - trêmulas. Faço um reflexivo e minucioso passeio visual pelo ambiente, como se fosse a primeira vez que ali estivesse. Na televisão ligada, vejo imagens desfocadas.
Num ritual sincronizado, minhas mãos começam a abri-lo. Rigorosamente, estou envolvido pela emoção e, por incontáveis sensações – a do medo é a mais forte! Um misto de mau presságio e agonia sufoca meu peito, fazendo-me supor que, esse pedaço de papel contém algum tipo de revelação devastadora, extremamente assustadora e chocante. Percebo que, ainda não estou preparado para sabê-la. Sentindo-me acovardado, embarco então, numa breve e imaginária fuga.
... A tarde é belíssima. Extraordinariamente encantadora. Estou em meio a uma densa floresta. O intenso sibilo dos insetos espalha-se pela mata, como que levado pelo vento. Ao meu lado, veloz qual flecha, passa um Sátiro – ser mitológico grego - Semideus protetor das florestas e bosques. Da cintura para cima corpo de homem e minúsculos chifres, para baixo, pernas e patas de bode. Desaparece por entre a mata, deixando-me fascinado e entorpecido com a visão. - Quem sabe não estaria à procura da Deusa Artemis? Os vigorosos raios de sol vencem o emaranhado das frondosas árvores, proporcionando-me um visual fantástico, mágico, majestoso! Seus fachos de luz tingem de dourado o espesso e aconchegante tapete de folhas mortas, que repousam sob meus pés, além, de exibir a miscelânea de insetos voadores, que deles sugam o calor. Pássaros, de penugem multicolorida, oferecem aos meus ouvidos, com esplendor e improviso, sinfonias belíssimas com seus maviosos trinados. Cigarras: - incontáveis! Só as ouço, mas, a sensação é de que estão prestes a explodir, tal a fúria e robustez das cantorias. Certamente, clamam por uma leve chuva, que amenize o calor infernal!
Alcanço a margem de um riacho. Inebriado em meio àquele paraíso, sento-me em uma pedra. Contrito, queixo apoiado na mão. Envolvido, e hipnotizado pela magia do lugar, contemplo o rolar de suas transparentes e pacíficas águas. Ouço seu inebriante burburinho. Serenas, seguem seu curso natural, despencando logo à frente num grotão protegido por densa mata. Tudo ali são absoluto envolvimento e harmonia. Sinto-me abraçado e acariciado por uma leve brisa, que passa calidamente, e, percorre todo o meu corpo, como se fossem afagos da pessoa amada. Vejo-me possuído por um celestial, soberbo e intimo sentimento de paz, jamais usufruído. Não tenho duvidas: - Deus se faz presente!...
Um ensurdecedor uivo ecoa pela floresta, desfazendo o mágico transe... Agora, tudo é novamente real, tanto quanto o pedaço de papel em minhas mãos! Quando o sinto plenamente aberto, inicio um lento movimento para cima, em direção aos olhos. Repito o passeio visual pela sala, à procura de coragem, antes de encará-lo.
Ao fazê-lo, a primeira visão que tenho, são de letras escritas com desespero, deixando à vista, palavras cambaleantes, trêmulas e disformes. Revelam angústia, ausência de fé, esperança e renúncia à vida. Finalmente as leio:
– “NÃO TENHO MAIS MOTIVOS PARA VIVER. É O FIM!”
Apenas isso... Mais nada! Nenhum nome, data... Nada! O chão foge dos meus pés, e o firmamento desaba sobre minha cabeça. Naquele momento, me sinto o mais inútil e impotente dos homens na face da terra, e amaldiçôo o instante que parei para apanhá-lo, e agora saber, dessa verdadeira e mórbida declaração de morte.
Com a frase martelando em minha mente, levanto-me titubeante. Vou até a cozinha. Tomo um copo d’água. Na sala, a televisão ainda ligada. Momentos depois no jornal local, a chamada de um acidente ocorrido na mesma avenida, alguns quilômetros adiante de onde encontrara aquele amaldiçoado pedaço de papel. Como um autômato, corro para ver e ouvir a notícia. – Quem sabe não haveria alguma relação com aquele maldito pedaço de papel?
Uma senhora identificada como tia da vítima declarava: - pessoas que haviam presenciado o acidente confirmaram: - sua sobrinha Talita, vinte e seis anos de idade, se atirara na frente do automóvel - Suicidara-se!
Melancólica, disse mais: – Ela era dependente química, e soropositiva do vírus HIV contraída no compartilhamento de drogas por via venosa. Em prantos, concluiu dizendo que Talita passava por profunda depressão. Há exatamente uma semana, e, fruto de um relacionamento altamente conflituoso, morrera sua primeira e única filha de apenas três meses.
Senti no fundo da alma, que fora ela, quem deixara cair pelo caminho, aquele amargo e sombrio pedaço de papel.
Meus olhos fechados deixaram rolar algumas lágrimas. Ainda de olhos fechados, numa breve oração, pedi a Deus, clemência para sua alma.