AQUARELA MACABRA
Belíssima como uma virgem nua a banhar-se na beira de um córrego. Era assim que Dona Marocas via sua cidadezinha natal interiorana, incrustada no vale rodeado de montanhas plúmbeas, oiticicas verdejantes, flamboyants e ipês em floridos outonais, com uma nascente, língua comprida prateada, escorregando sobre seixos, brotando em meio a duas serras gordas, bochechudas como bumbum de bebê. Redundância dizer ser este pedaço de terra possuída todos os anos por famintos de ócio e contempladores da natureza. Dona da melhor pousada, Dona Marocas com seus 80 quilos concentrados em um metro e cinquenta de altura, nadava de braçadas nos lucros que aumentavam a cada ano, proporcionalmente a demanda turística que se multiplicava.
Seu recanto era único. Tinha uma suíte com todo requinte que um mortal possa imaginar. Seria pensar pequeno não lucubrar a pousada de Dona Marocas publicizada na internet, youtube, facebook, e outros “ites”. A velha hoteleira ambicionava mais. Remexendo seu baú de ossos, criou coragem, desembrulhou um quadro envolto em papel celofane. Em um metro quadrado o quadro era uma pintura fugaz, sugante, envolvente. Uma estrada de barro margeada por margaridas em flor e o sol ensanguentado, lá no poente, agonizando. Dona Marocas se emociona. Não pode desgrudar a imagem do seu pai morto a pintura. Aquele olhar paterno, mirante, no quadro. Mesma coisa com sua mãe. Por isso, por ela, ele havia sido guardado. “Besteira, besteira...” resmunga. Resoluta, coloca-o na parede da suite, frontal à cama.
Pousada com turistas escorrendo belas biqueiras, Dona Marocas acorda de espanto, numa manhã de domingo, com a notícia: tem um casal morto na suíte. Entra no ambiente espavorida e lá, de olhos mirados no quadro, o casal defuntídico.
A hoteleira teimosa insistiu por mais dois anos seguidos com a moldura exposta e mais dois casais pegaram o caminho do sol poente.
Dona Marocas cismou de passar tudo a limpo. Foi ver de perto para saber de certo. Vestiu a camisola e foi dormir na suíte...
Belíssima como uma virgem nua a banhar-se na beira de um córrego. Era assim que Dona Marocas via sua cidadezinha natal interiorana, incrustada no vale rodeado de montanhas plúmbeas, oiticicas verdejantes, flamboyants e ipês em floridos outonais, com uma nascente, língua comprida prateada, escorregando sobre seixos, brotando em meio a duas serras gordas, bochechudas como bumbum de bebê. Redundância dizer ser este pedaço de terra possuída todos os anos por famintos de ócio e contempladores da natureza. Dona da melhor pousada, Dona Marocas com seus 80 quilos concentrados em um metro e cinquenta de altura, nadava de braçadas nos lucros que aumentavam a cada ano, proporcionalmente a demanda turística que se multiplicava.
Seu recanto era único. Tinha uma suíte com todo requinte que um mortal possa imaginar. Seria pensar pequeno não lucubrar a pousada de Dona Marocas publicizada na internet, youtube, facebook, e outros “ites”. A velha hoteleira ambicionava mais. Remexendo seu baú de ossos, criou coragem, desembrulhou um quadro envolto em papel celofane. Em um metro quadrado o quadro era uma pintura fugaz, sugante, envolvente. Uma estrada de barro margeada por margaridas em flor e o sol ensanguentado, lá no poente, agonizando. Dona Marocas se emociona. Não pode desgrudar a imagem do seu pai morto a pintura. Aquele olhar paterno, mirante, no quadro. Mesma coisa com sua mãe. Por isso, por ela, ele havia sido guardado. “Besteira, besteira...” resmunga. Resoluta, coloca-o na parede da suite, frontal à cama.
Pousada com turistas escorrendo belas biqueiras, Dona Marocas acorda de espanto, numa manhã de domingo, com a notícia: tem um casal morto na suíte. Entra no ambiente espavorida e lá, de olhos mirados no quadro, o casal defuntídico.
A hoteleira teimosa insistiu por mais dois anos seguidos com a moldura exposta e mais dois casais pegaram o caminho do sol poente.
Dona Marocas cismou de passar tudo a limpo. Foi ver de perto para saber de certo. Vestiu a camisola e foi dormir na suíte...