Insônia Parte I

A meia noite já havia passado há muito tempo, mas meu corpo inquieto insistia em rolar de um lado para outro na cama.

O sono parecia rigorosamente distante de mim.

Com o passar das horas, que não se importava em deixar-me para trás, o lençol sufocava-me.

Eu naufragava dentro de mim, perdida entre uma confusa desmedida.

O tique taque dos ponteiros parecia mais gritante em cada segundo. Ele zombava de mim, da minha agonia sem fim. Sua gargalhada muda invadia o cômodo, como uma brisa leve.

Comecei a pensar em coisas boas, imagens divertidas. Lembranças de dias felizes.

Apanhei uma foto sobre o criado mudo ao lado da cama, onde eu sorria abertamente. Havia sido tirada há dois anos, quando viajei para Fortaleza.

Nada parecia adiantar.

A angustia apertava meu peito, sufocando qualquer esperança.

Foi então que me levantei. A partir daqui não sei mais se dormi realmente e tive um sonho estranho ou se tudo foi verdade...

Mas de qualquer forma sei o que vi, sendo real ou não.

Caminhei de um lado a outro no cômodo estreito, observando os móveis sob a tênue luz do abajur. Tudo parecia melancólico.

Tudo estático e sem vida.

O mundo lá fora parecia morto também. Lembro-me que ao deitar escutei o latido de cachorros ao longe, mas agora somente o vento fazia-se presente.

Bulindo as árvores com furor.

Aproximei-me da janela e por uma pequena brecha que abri na cortina, observei por um longo tempo a rua vazia.

As casas estavam escuras, os carros estacionados na calçada estavam úmidos pelo orvalho. O único ser vivo que era corajoso bastante para estar naquela ventania era um gato.

Um animal manchado, magro e pequeno. Adormecia sobre o muro de uma casa.

Meus olhos cobiçaram seu sonho. Até que de repente o bicho despertou, como se algo o houvesse assustado.

Confesso que me assustei também.

Subitamente o gato levantou-se e tornou-se arisco. Eu não conseguia enxergar nada, mas ele viu algo.

Todos seus pêlos se arrepiaram.

Antes parecia apenas uma sombra ou mesmo um vulto de um galho, mas não. Era um homem.

Ele era alto e muito magro, tão pálido quanto à lua.

Vestia roupas bem largas e rasgadas. Pés descalços. Cabelos desgrenhados.

Caminhou lentamente até o bichano, que miou alto e correu, desaparecendo depressa.

O homem ainda permaneceu parado por um bom tempo, como se tivesse congelado naquele vento.

Lentamente deu meia volta, mas ainda assim não pude ver seu rosto completamente.

Ele fechou os olhos e com seu nariz comprido, parecia sentir o aroma de algo, algo que lhe agradou por certo, pois tenho quase certeza de que um sorriso ele esboçou.

O homem misterioso subitamente olhou direto para mim, ou melhor, para minha janela como se pudesse me ver por aquela pequena brecha.

Ele não poderia. Poderia?

Estava escuro demais para os olhos comuns de uma pessoa. Mas ele olhava atentamente. Sem mover-se. Sem piscar.

Nunca senti tanto medo ou tão desprotegida e transparente. Engoli em seco e tentei voltar para cama, contudo não conseguia mover-me dali.

Aqueles olhos penetrantes pareciam enxergar minha alma, ler meus pensamentos.

Ele estava do outro lado da rua, mas de alguma forma eu o sentia bem perto, como se pudesse tocá-lo se esticasse as mãos.

Meu coração pulsava loucamente, a respiração tornou-se difícil.

Uma sensação inédita dominou-me, até que finalmente encontrei-me dentro de mim e libertei-me daquele frenesi gritante.

Corri para longe da janela, afastando-me depressa.

Fiquei algum tempo sentada no chão frio, esperando a calma retornar.

Não sei bem quanto tempo se passou, então retornei a janela, que depois daquele instante se tornou assustadora.

Lentamente abri a cortina.

Apenas o vento passeava pela rua vazia outra vez. Quando o vidro começou a atrapalhar minha visão, tomei uma quantidade enorme de coragem.

Uma coragem que não sabia de onde vinha talvez da sensação incontrolável que batia dentro de mim como um martelo.

Já não havia mais sono algum. Nem medo talvez. Apenas uma ânsia absurda.

Calcei-me e vesti um grande casaco.

Abri a porta do quarto e caminhei lentamente.

Tio Edmundo dormia. Tive certeza já que seu ronco acompanhou-me enquanto descia a escada.

Algo me dizia para ficar, voltar para cama e esperar o sono. Mas ao invés disso abri a porta e sai.

O vento frio e enlouquecido bateu furiosamente na pele nua do meu rosto.

Abracei-me bem apertado e logo alcancei o portão.

Estava sozinha na rua, mas tive a certeza de que em breve não estaria mais...

Continua...

Queila Dias
Enviado por Queila Dias em 28/04/2011
Reeditado em 10/05/2011
Código do texto: T2936192
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