O Suicídio (ou Por que eu me Matei?)
Um dia me disseram que seria bem melhor se eu me matasse. Obviamente, não acreditei. Mas aos poucos, bem aos poucos, muito gradualmente, através de insidiosos detalhes, de sugestões sordidamente subliminares, de fatos e acontecimentos quase que imperceptíveis, a ideia nefasta do suicídio foi tomando forma no meu universo psíquico...
Na verdade, era algo extremamente difícil, quase impossível, escapar à atuação daquelas sugestões suicidas. Muitas vezes, chegavam a ser mais do que sugestões, tornavam-se mesmo imposições, não imposições violentas ou forçadas, mas imposições daquela categoria que, sem deixar de ser elegante, não nos deixam alternativa. Era como pisar nosso pé com educação, com um doce sorriso no rosto. Diziam-me eles, e me provavam, que todos já haviam se suicidado. E que não se arrependiam. Que assim estariam de acordo com todos aqueles que pensavam no que seria melhor para as nossas existências. Insistiam que eu deveria ser sensato e analisar com racionalidade a questão. Assim exigia a categoria de mundo em que vivíamos.
Durante muito tempo hesitei. Havia algo dentro de mim que me transmitia a sensação de que eles mentiam, ou que, ao menos, omitiam uma parcela fundamental da verdade. Ou ainda que talvez eles estivessem realmente convencidos do que me preconizavam, mas que deveriam ter sido enganados, iludidos por outros, assim como agora intentavam fazer comigo. Seja como for, seus argumentos eram irresistivelmente convincentes, duvidar de suas palavras chegava a ser um sacrilégio.
Com o tempo, descobri que eram sinceros e que estavam imbuídos das mais nobres boas intenções. O que não significa que estivessem com a razão. Acreditavam no que diziam, pensavam de fato aquelas coisas, que pareciam soar em suas palavras com tanta sensatez e bom senso. Porém, creio que tais pensamentos não eram autenticamente seus, talvez fossem incutidos em suas mentes por outros, ou por algum poder obscuro, que eu desconhecia, algo como uma lavagem cerebral. Agora, a lavagem seria em mim.
Para eles, o suicídio era o padrão a ser seguido. Por não tê-lo ainda cometido, causava-me espanto o isolamento em que aos poucos fui constatando que me encontrava. Quase todos os outros já haviam se matado ou estavam a caminho de fazê-lo. Alguns, para tomarem coragem, antes de cometer seu suicídio, tentavam convencer as demais pessoas a realizar o mesmo. Desejavam veementemente o suicídio em massa. Já outros, após o ato suicida, vinham para provar que agora viviam absolutamente tranquilos, sem nenhum tipo de preocupação, existindo como se não existissem, o que constituía, para eles, o auge de uma vida perfeita, aceita e compreendida por todos. Enfim, acreditavam-se felizes. E muitos vinham, por piedade, para ajudar os que ainda não tinham se matado, dispostos a ensinar e encorajar o maior número possível de suicídios.
Viviam aqueles suicidados com a firme aceitação geral. Eram tomados como exemplos, para todos, de pessoas decididas, conscientes de seu lugar no mundo, sensatas, trabalhadoras, vitoriosas, que obtiveram o pleno sucesso na vida. Os outros, os que não se mataram, os poucos, os raros, que ainda insistiam em não se suicidar, eram duramente condenados, acusados de mil e uma tolices, erros, equívocos, fracassos, absurdos e, até mesmo, de infâmias e crimes. De modo que a pressão psicológica para que também se matassem era gigantesca.
Eu, hesitando em me suicidar, era visto com muito maus olhos, naturalmente. Chamavam-me de louco. Não entendiam, os suicidados, o que eu buscava na vida. Era ostensível, para eles, que eu só obteria derrotas e fracassos, desgostos e desilusões, aflições e angústias, miséria financeira, todo tipo de insegurança e de incompreensão, que sentiria na pele a crueldade do mundo, talvez me tornasse um pária, um marginalizado, e provavelmente acabaria meus dias na mais completa solidão, sem família, sem amigos, sem trabalho, talvez até mesmo em um hospício ou na prisão.
Até que não vendo saída, cercado por todos os lados, pressionado por aqueles que supostamente vinham me ajudar e convencido por seus irrepreensíveis e avassaladores argumentos, decidi-me pelo meu suicídio.
E o cometi. Agora sou um suicidado. Sinto uma moderada tranquilidade que, no entanto, não é sinônimo de paz. Casei-me com outra suicidada, não creio que realmente a ame. E isso também não importa. Ela também não deve me amar de uma forma verdadeira. Aliás, quem ama de verdade? Temos uma linda filha, que, com o tempo, também aprenderá a se suicidar. Assim desejamos, assim devemos desejar. Vivemos de forma relativamente segura, com uma regular independência financeira. Não temos grandes preocupações. Praticamente, não há alterações nos dias de nossa rotina, creio que atingimos, de forma mediana, todos os nossos medianos objetivos. Sim, objetivos moderados. Grandes objetivos, ideais, vastos sonhos são sempre inatingíveis. E trazem dores insuportáveis. Aprendi que devemos sempre evitá-los.
Tenho um bom emprego, trabalho 40h por semana, não é muito, há alguns suicidados que trabalham bem mais. Não é o emprego de meus sonhos, admito, um pouco estressante, é verdade, meio sem graça, mas paga bem. Nos fins de semana, saímos para nos divertir, tomamos umas cervejas, jantamos fora, às vezes viajamos, é uma vida agradável. E é isso. Não há muito que acrescentar. Não me interesso pelas coisas que acontecem no mundo exterior, a não ser aquele interesse indiferente de quem assiste a um telejornal. Lamento as tragédias, sorrio com as boas notícias, mas também o que poderia fazer por elas? Sou, agora, uma pessoa sossegada, não quero nada mais que venha me inquietar, perturbar o meu morno sossego. Agora sou como todos. Agora estou morto.
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