Morte em Debrecen

Entrei no Struzian bar e pedi um Johnny Walker. Era uma fria quinta-feira de fevereiro. Lá fora, chuva fina e vento, ambos intermitentes. Estava sentado junto ao balcão. Dei o primeiro gole no whisky e passei os olhos pela casa. O bar tinha umas quinze mesas, todas ocupadas. Ao fundo um pianista calvo e uma mulher negra, de meia idade, que interpretavam Lady Sings the Blues de Billie Holiday. Meus olhos correram pelas mesas. Numa delas, junto à parede, chamou minha atenção uma jovem sentada sozinha. Era de uma beleza singela, morena clara, cabelos longos. Mas, não foi sua formosura que me chamou a atenção. Foi ela estar me olhando e rabiscando alguma coisa num bloco. Enquanto prestava atenção nela, nossos olhos se cruzaram algumas vezes. Eu, por olhá-la fixamente, ela, por continuar olhando e anotando, como se não notasse que eu a estivesse vendo. Levantei para ir ao banheiro, sem tirar os olhos dela. Pensei em conversar com ela na volta. Demorei uns poucos minutos e, quando voltei, não estava mais na mesa.

Retornei a meu lugar e, para minha surpresa, lá estava o bloco, ao lado do whisky. Nele, apenas um desenho. Eu, caminhando por uma rua à noite. Minha sombra, refletida na parede, formava a figura de um anjo. Um anjo negro. Aquilo me deixara assustado. Precisava falar com ela. Pedi informações ao garçom. Perguntei se ele a conhecia ou se dissera para onde fora. Insisti. Talvez tivesse dito algo quando deixou o desenho. Nada. Ele não tinha nenhuma informação. Olhei mais uma vez para o desenho. Sim, eu reconhecia aquela rua. Era próxima ao Utca Park. Paguei e fui para lá.

A rua estava vazia. O único ruído vinha de uma boate da próxima quadra. Era a única coisa pulsante próximo ao Utca Park. Lá dentro, o som era bastante alto. Havia apenas uma meia dúzia de pessoas. Ela estava na pista, dançando, sensual e sozinha. Eu me aproximei e, usando seu echarpe, ela me puxou para junto dela. Pela primeira vez naquela noite, senti seu corpo quente muito próximo ao meu. Puxei assunto, perguntando seu nome. Ela me respondeu com silêncio e uma cara de reprovação. Deu-se um beijo, como quem dissesse: Sem perguntas! Ficamos ali dançando por mais algum tempo. Sem nada dizer um para o outro.

Ela me puxou pela mão. Saímos da boate e caminhamos poucos quarteirões. Ela ia a minha frente. Deslizava o corpo pela calçada com se ouvisse música. O echarpe, agora entre seus dedos, era a extensão de seus braços, movendo-o com leveza e encanto. Embriagado por seus movimentos, mal vi quando chegamos a um prédio antigo. Subimos um pequeno lance de escada. Ela girou a chave e entramos no apartamento conjugado. Ainda sem dizer uma palavra, me conduziu a uma poltrona próximo a janela. Trouxe-me um whisky e colocou um CD para tocar. Nothing Compares na voz intimista de Sinéad O’Connor. Seu corpo se movia ao compasso da música. Dançava maravilhosa. Como algo intangível. Irresistível e delicadamente, começou a tirar a roupa. Ao final da música, completamente nua, chega a mim. Recebo seu beijo doce, terno, cheio de amor. Fizemos amor como nunca fizera antes. Por fim, era como se eu tivesse atravessado uma linha. Como se houvesse um antes e um depois daquela noite. Era algo que levaria comigo. Fizesse eu o que fizesse, andasse por onde andasse. Em paz, adormeci com o toque de seus dedos pelo meu corpo.

Na manhã seguinte acordei num sobressalto. Numa fração de segundos tentei entender onde estava. Olhei ao redor. As lembranças da noite anterior começaram a vir. Virei-me e a vi. Linda. Seus cabelos cobriam parte do rosto. Deixavam amostra apenas um de seus lindos olhos castanhos. A expressão era de serenidade. Toquei pela última vez seu corpo gelado. Pena que tivesse que terminar assim.

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