CRIME NA FAMILIA

Estavam as três moças comemorando alegremente a primeira viagem que faziam sozinhas, sem acompanhamento de familiares.

Dirigiam pela estrada , cantando, brincando e bebendo. Varias garrafas de champagne no chão do carro denunciavam o estado em que se encontravam. Irresponsavelmente, elas bebiam , gritavam chamando à atenção dos outros motoristas.

Já caia a tarde, a visão prejudicada, mesmo assim elas na contra-mão, emparelharam com uma perua e brincavam com o motorista, quando este se deu conta do caminhão que vinha na direção das meninas...tentou gritar. Numa fração de segundos , a motorista percebeu, desviou e jogou o carro para o acostamento, descendo ribanceira abaixo, desgovernada; o carro acabou por chocar se com um corpo , depois uma arvore amparou o choque , e o carro parou....

Mas... Espere: chocou com um corpo? Onde?Como? Um corpo aqui no meio do campo, deserto quase noite.

Isso mesmo, o corpo de uma mulher....

Policia, ambulância, toda ajuda possível foi chamada. A mulher reconhecida pelo policial como Cecília Kursharsky, uma antiga amiga, foi levada para o hospital, com algumas escoriações pelo corpo e um braço quebrado. As meninas recolhidas à delegacia amargaram uma noite diferente.... Numa cela até que tudo fosse apurado.

No hospital, após varias horas de espera, pode então o policial conversar com Cecília e saber o porquê desse passeio noturno, longe de casa e sozinha.

- O que está acontecendo com você? O que fazia naquele lugar, depois de tudo que houve?

- Eu passo os dias assim, procurando. Jamais deixarei de procurar, Ivan, jamais. Principalmente agora, que me deram algumas indicações. Você não entende, preciso saber o que realmente houve.... Onde eles estão. Sinto que meu menino está perto de mim.E não farei nenhuma denuncia contras as meninas.

- Está bem. Descanse agora. Você será liberada amanhã logo cedo. Estarei aqui para levá-la.

Ivan Lorn saiu do hospital muito preocupado, temia pela integridade física e psicológica de sua amiga. Ela já havia passado por muitos dissabores. E tudo indicava que ainda não tinham acabado.

Encontrou-se então, com seu parceiro e foram para o local do acidente.

Depois de muito vasculharem, acharam uma lanterna, suja de sangue fresco; mas ao ser bem examinada, notaram na borda da lanterna, sinais de sangue velho, sêco e alguns fios de cabelos. Levaram para a pericia examinar.

Logo cedo, Ivan já estava ao lado de Cecília, e com ele seu companheiro. Levaram-na para casa, para que pudessem conversar melhor e contar o resultado do exame da lanterna. Já em casa, bem acomodada em sua sala de visita, tendo Ivan ao seu lado e Bruno Herrera, parceiro de Ivan, sentado numa poltrona frente ao casal.

- Cecília, gostaria muito de ajudá-la, mas para isso, preciso saber o que de fato ocorreu. Ivan acha que é você quem deve me contar.

- Estou a três anos, procurando e aguardando noticias de meus entes queridos. Meu marido Rafael, minha filha Soll e meu menino tão querido Éttory. Eles desapareceram numa quinta feira, ao cair da tarde. Mais tarde, o carro dele foi encontrado nesse mesmo lugar do acidente, com alguns agasalhos ensangüentados. É tudo que sei. Desde então, tenho tido somente a companhia do meu irmão Edir e passo meu dias a procurar por qualquer pista, qualquer indicio que me leve, principalmente ao meu filhinho. Há dois dias, uma vidente, que é reconhecida pela policia, disse que meu filho está sêco, mas perto da água.

- E a senhora acredita mesmo nisso? Tenho comigo o laudo da pericia na lanterna. O sangue recente encontrado é seu, mas o sangue velho e os fios de cabelos são de seu filho Éttory. Aonde a senhora guardava essa lanterna? E preciso que me permita examinar sua casa.

- Fique a vontade. A lanterna sempre esteve na garagem. Sem poder mais se conter, Cecília chora silenciosamente.

Ivan a convida para passear, permitindo assim que Bruno fique mais a vontade, para examinar toda casa.

Bruno então com muito cuidado e atenção, vai examinando e fotografando tudo que ache interessante ou esclarecedor. Não perdendo um detalhe sequer. No quarto da menina, Bruno encontrou um quadro feito com a palma da mão de Sol e de Ettory, e uma foto na escrivaninha da menina, de tranças e do garoto de boné do time escolar, sorriam os dois;fotografou e relacionou quem sabe pode ser algo que venha aproveitar mais tarde. ... Sua busca minuciosa continuou e por fim a suíte do casal.... Com o mesmo rigor, Bruno observava tudo.

No banheiro,de repente, notou que havia um canto do teto, molhado, como uma infiltração. Com os sentidos aguçados, Bruno resolveu subir ao sótão. Lá encontrou muitas coisas velhas, apesar da limpeza do local, um vazamento de um cano furado. Gotejava forte, caindo sobre um baú. O baú fechado com cadeados. Atiçou Bruno deveras, usando de todos os meios, até que conseguiu abrir. Diante do que viu, Bruno gelou... Acostumado com tragédias e mortes, mesmo assim gelou, comoveu-se, sentiu seus olhos marejar... Acomodado entre suas roupas, em decomposição, estava Éttory, o menino desaparecido tão querido de Cecília, reconheceu-o pelo boné ao lado. Bruno lembrou-se da vidente: ”sêco, mas perto da água.”

Ivan e Cecília foram avisados, assim como os peritos da policia. Se antes já suspeitavam de Cecília, agora então, tudo levava a crer que ela tinha participação na morte do filho e no desaparecimento dos outros.

Levada a delegacia para ser interrogada, Cecília chorava e tentava se defender.

A pericia constatou que Éttory foi agredido na cabeça, pela lanterna, provocando fratura e hemorragia. Éttory não sofreu muito, estava morto em minutos.

Cecília detida, interrogada, contava que realmente já não vivia feliz no casamento, brigas constantes não só com o marido, mas também com a filha. Não aceitava a maneira como a filha se comportava e o pai sempre a defendia; somente com o menino ela se relacionava muito bem. Cecília chorava e entre soluços explicava... Já não vivia direito, corria sempre atrás de noticias, videntes, não podia mudar com medo que voltassem e não a encontrasse... Afinal vivia seu inferno e agora ainda apontada como culpada.

Ivan e Bruno estavam decididos a resolver o caso, a todo custo. Resolveram voltar à residência de Cecília. Bruno entrou no quarto de Soll, e vasculhando melhor, achou um diário. Nele a menina escrevia a respeito de uma pessoa, elogiava, dizia gostar muito dela, achá-la charmosa, cheirosa e bonita. As anotações iam até ai, cinco meses antes do desaparecimento, nada mais foi relatado ao diário.

Enquanto Ivan especulava sobre um possível namorado ou algum outro envolvimento, Bruno lembrou se do quadro com as mãos de Soll e Éttory. Levando o quadro para os peritos, pediu que recolhessem as digitais. Esse quadro ao ser feito conservou os detalhes das digitais das crianças.

Bruno conheceu também nesse dia o irmão de Cecília, Edir. Pediu que fosse a delegacia para um interrogatório. Mas nada esclareceu. Apenas enfatizou o carinho de Rafael pela filha, até demais e pelo filho. Confirmando que eles brigavam muito com Cecília. E que esta se dedicava mais ao filho.

Tão logo, os resultados das digitais ficaram prontos, foram através de aparelhos ultramodernos, reconhecidas como sendo de outras pessoas... Ou melhor, do Senhor e Senhora Rizzieri, moradores numa cidade a 2500 km de distancia. Examinando as fichas dos Rizzieri, Bruno notou que as datas de nascimento coincidiam com as de Rafael e Soll. Logo em seguida, recebeu os retratos. Não havia mais duvidas, eram mesmo os desaparecidos da família de Cecília.

Bruno ainda comentou: - Pensam em tudo ao fugir, mas ingenuamente se esquecem das digitais e sempre usam as mesmas datas de nascimento. Êrros que muito nos ajudam.

Pedindo reforços, viajou para o local. Aguardando os moradores da casa, pois, notou que tudo estava em silencio e bem fechada. Esperou por mais de duas horas, até que um carro encostou. Desce uma moça e dentro do carro estava um garotinho.

- Boa tarde, Deise Rizzieri ou seria melhor dizer Soll Kursharsky?

- O Senhor deve estar me confundindo, meu nome é Deise.

- Lamento discordar, mas não há nenhuma confusão.... Você está detida. Vamos levá-la a delegacia da cidade onde morava.

Assim Deise/Soll foi algemada, apesar dos pedidos para não deixar seu filho, e alegando ser Deise Rizzieri. Bruno com jeito tirou o garotinho do carro e o levou para o seu, evitando assustá-lo.

Já na delegacia, Bruno ficou encarregado de distrair o menino, enquanto fazia algumas perguntas; identificando assim, que o menino dizia ser filho de Soll e chamava de pai o Rafael.

Aproveitando o bom relacionamento que conseguiu com Leonardo, o agente enquanto brincava, deu água ao menino, pirulitos coloridos, conseguindo assim uma amostra para o exame de DNA , e enviou para o laboratório. Queria ter certeza, que o que se pensava a respeito do pai e filha tivesse fundamento. Todos estavam achando que Soll e Rafael viviam maritalmente e com um filho.

De repente, rompe pela delegacia adentro Rafael, desesperado pela prisão da filha, sendo então barrado por Ivan, ele ouviu:

- Estamos aqui para elucidar a morte de Éttory, e o porquê do seu desaparecimento e de Soll.

- Fui eu... Eu sou o responsável pela morte de meu filho. Soll nada tem com isso. Fui eu que acidentalmente matei Éttory.

Nesse ínterim, Cecília já informada, que sua filha e neto para seu espanto, foram encontrados, estava sendo levada para sala de Ivan quando no corredor, assiste a cena em que Rafael entra desesperado e ouve sua última frase: Fui eu que acidentalmente matei Éttory.

Em total desespero Cecília se aproveita do espanto geral inclusive do policial que estava ao seu lado, apodera-se de sua arma e atira em direção a Rafael... Uma, duas, três vezes... Dois tiros certeiros em pleno peito jogam Rafael a poucos metros de distancia dos policiais e já morto.

Por uns instantes a cena congelou!

O primeiro movimento veio de Soll, que estava na sala em frente, e aos prantos joga-se

ao lado do pai e o chama desesperadamente. Deixando todos em comoção.

Reunidos todos na sala de Ivan, antes que comecem a reunião, chega o laudo do DNA de Leonardo. Constata se então, que Leonardo é filho de Soll e de paternidade outro parente que não era Rafael, mas sim Edir Kursharsky.

Ivan, já antevendo a confusão lançada, pede à única pessoa capaz de esclarecer o que realmente aconteceu culminando nessa tragédia. Pede que Soll esclareça tudo.

Soll chorou muito, mas aos poucos, foi se acalmando e com muita tristeza relata sua estória.

-Em casa sempre tivemos muitas brigas, mamãe e papai, eu e mamãe, todos os dias as mesmas brigas, desentendimentos por pouca coisa ou coisa nenhuma. Ela nunca se desentendia com Éttory. Tudo que ele fazia era certo, mesmo estando errado. Eu e papai nem podíamos sequer ralhar com ele, que mamãe já se aborrecia.

-Então, papai e eu nos uníamos cada vez mais e cada vez mais nos afastávamos dos dois. Apesar disso tudo eu me sentia feliz, pois, tinha tio Edir, que sempre me tratou com muito carinho desde pequena. Sempre o achei bonito, bem vestido, charmoso e ele sabia disso.

-Até que um dia, meus pais viajaram e me deixaram aos cuidados de Tio Edir. Ele veio para nossa casa e providenciou pizza, refrigerante e nos divertimos , assistindo a TV.

Já tarde, resolvi me recolher, pois tinha sono e fui para meu quarto deixando titio na sala. Adormeci por uma ou duas horas e acordei assustada com titio sentado em minha cama com as mãos em meu corpo.Ele estava completamente nu. Tentei lutar, briguei, chorei e implorei... Nada adiantou.... Fui estuprada pelo meu tio Edir. Ele ameaçou matar meu pai, caso contasse a alguém.

-E durante vários meses, ele me teve sob carinhos e ameaças. Até que percebi que estava grávida... Desesperada, comuniquei a ele, que respondeu , daria um jeito.

-Apesar da situação desesperadora, senti alivio, pois, achei que diante da gravidez, ele pararia de me procurar... Ledo engano.

-Meus pais, naquele dia horrendo, saíram para fazer compras no mercado e logo em seguida tio Edir chegou. Comentou que estava aguardando eles saírem. E mais uma vez, me vi subjugada a ele, sem poder reagir, satisfazendo todos os seus mais baixos desejos. Só que nesse dia, para minha desgraça, Éttory voltou mais cedo da escola, e não sabendo onde estavam todos, foi direto para meu quarto. E nos flagrou juntos, mas não chegou a ver que era tio Edir.

-Assustado, meu tio saiu pela janela, passando pelo terraço, indo para escadas do fundo, que dão para o jardim e conseqüentemente para a rua.

Nesse momento, Soll chora copiosamente. Ivan lhe entrega um copo com água, que bebe de uma só vez... E todos respeitando sua dor, aguardam silenciosos.

Soll mais calma se recupera e olhando a todos, recomeça.

-Eu corri atrás de Éttory, para falar com ele, até a garagem. Ele gritava que ia contar a mamãe, que eu trouxe um rapaz pra minha cama.... Eu tentava fazer com que se calasse e me ouvisse. Mas ele insistia, gritava que eu iria apanhar que mamãe me mataria... Foi então, que peguei a lanterna e agredi Éttory na cabeça. Ele só deu um gemido e já caiu.

-Apavorei quando vi a poça de sangue se formando em volta de sua cabeça.

-Em seguida, paralizei sabendo que havia matado meu irmãozinho.

-Não sei quanto tempo fiquei ali, ao lado dele chorando e pedindo perdão.

-Voltei à realidade, ao ouvir a voz de papai. Estava só, havia deixado mamãe na casa de amigos. Papai ao ver Éttory caiu ao seu lado de joelhos, pasmo, e verificou que já estava morto. Abraçados, chorando muito contei o que aconteceu. Falei tudo. Tudo mesmo.

-Eu não sei dizer, como papai agüentou tudo. Em alguns momentos durante meu relato, pensei ver papai passando mal, com a mão no peito, suas mãos apertadas, sem cor, sem sinal de sangue em sua face. Eu chorava e dizia que seria presa ou morreria nas mãos de mamãe. Foi quando ele decidiu: vamos embora.

Colocamos Éttory em um baú, rezamos e o fechamos como se o estivéssemos enterrando. O sótão era local restrito a todos, menos papai.

Depois, retiramos somente algumas peças de vestuário para não chamar atenção e saímos de carro, até o local já conhecido dos senhores, onde o deixamos e dentro dele o blusão de Éttory que usamos para limpar o sangue, na garagem.

O pensamento de papai era que todos pensassem que fomos passear como tinha dito à mamãe que faria ao chegar a casa, e nesse passeio fomos atacados, seqüestrados... Enfim algo do gênero.

Pegamos uma carona que nos levasse bem longe dali. Providenciamos documentos novos e quando a gravidez começou a aparecer, alugamos uma casinha, afastada do centro e passamos a viver como um casal. Mas somente no papel e para as pessoas em volta; dentro de nossa casa éramos apenas pai, filha e neto.

-Soll termina seu relato entre lágrimas de muita dor, tristeza e profundo desamparo.

- E sua mãe, nunca pensaram na dor e no desespero dela?- pergunta Bruno.

-Sim muito- responde Soll - mas como poderíamos contar tudo a ela. Éttory já estava morto, nada mudaria isto e ela jamais me perdoaria, nem a papai.

-Também sofríamos e não contávamos com a insistência de mamãe não admitir que pudéssemos estar mortos.

Cecília ali sentada parecia alheia a tudo, nada mais importando agora. Perdera tudo.

Tudo que tinha de mais caro. E ela sim era a única culpada. Não soubera viver e retribuir o amor de Rafael. Jamais observou seu irmão Edir, a ponto de não perceber suas atitudes vis. Não prestara como mãe para Soll, enquanto só tinha olhos para Éttory, com quem era tão fácil a comunicação. Inquirida a dizer algo, Cecília limpou as lágrimas, com o dorso da mão, olhou a todos, sorriu leve e tristemente:

- Espero que Soll seja para Leonardo , uma mãe melhor do que eu fui para minha filha.

Abaixou a cabeça, ergueu-a olhou para a filha, retrato de pura dor. Seus olhos, lindos, iguais os de Soll, para sempre perderam o brilho. Cecília, já longe dos simples mortais, foi levada para sua cela.

Edir foi preso e espera sua condenação. Soll responderá em liberdade... Cecilia em um

Hospital psiquiátrico passa seu tempo conversando com o filho querido.

(Casos como esse, existem milhares, mas desse participei ativamente e ainda dói .Os olhares. A angustia. A Lembrança .)

KOKRANNE
Enviado por KOKRANNE em 13/03/2011
Código do texto: T2845712
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