Os Fofoqueiros

     Quem mora em vila, sabe que as notícias voam rápido nesse tipo de local. E logo que aquela moça ruiva e seu pai, ou avô se mudaram para a Vila Genoveva, um bafafá começou a se formar entre os vizinhos.

     Quem seriam os dois? De onde vieram? Seriam bons ou maus vizinhos? Muitas dúvidas e especulações começaram a serem feitas sobre ambos. Queriam saber se aquele senhor que parecia mal se mover sozinho seria pai, avô ou se mesmo seria parente da bela moça que chegara com ele.

     De dentro do caminhão de mudanças os brutamontes que trabalhavam para a empresa tiraram diversos móveis, todos eles em tom prateado. Tiraram uma enorme televisão de plasma, e alguns abajures luxuosos que ficariam muito bem na cabeceira da cama, segundo alguns vizinhos pensavam. A moça falava constantemente em seu celular. Caminhava de um lado para o outro no pátio da vila e parecia muito aborrecida com a pessoa do outro lado da linha. Insistia em dizer que não tinha culpa do ocorrido, que não poderia cuidar dele sozinha e que precisava que alguém a ajudasse. Enquanto falava, monitorava e indicava aonde os brutamontes deveriam despachar as coisas.

     Quando por fim pareceu que as coisas haviam acabado, ela entrou em casa e apagou as luzes. Os vizinhos mais antigos não estavam se agüentando de curiosidade. Queriam por que queriam saber quem seriam aqueles dois e o que aquele senhor seria dela. E se os dois tinham dinheiro, pois a julgar pelos móveis, pareciam ter uma boa situação financeira.

     Na primeira noite, tudo foi silêncio. Na primeira manhã, os vizinhos que acordavam cedo conseguiram ver a moça sair em um carro vermelho muito bonito, acompanhada de dois homens mal encarados. Ela pareceu contente em vê-los, e apontou várias vezes para dentro da casa. Saíram juntos, e os vizinhos estranharam. Será que o senhor de idade, quase inválido havia sido deixado sozinho na casa?

     Durante a tarde, os aposentados sentaram-se debaixo da amendoeira da vila e tentaram chegar a conclusões comuns sobre os dois novos vizinhos. Foi então que Seu José, o jornaleiro, disse ter lido algo na banca sobre uma gangue que sequestrava idosos com dinheiro e pediam resgates absurdos às suas famílias. Logo todos se desesperaram. Na vila, oitenta por cento dos moradores eram idosos com certa considerável situação financeira. Nem é preciso dizer que todos ficaram morrendo de medo.

     Às oito da noite, quando a moça voltou de onde quer que tenha ido, todos estavam apreensivos. Todos tentando disfarçar ao máximo enquanto fingiam conversar na pracinha, enquanto fingiam jogar dominós na pracinha. E enquanto fingiam que não estavam nem aí pra ela. Só que a bela mulher conseguiu notar certa estranheza na face dos velhinhos que a observavam. Entrou rapidamente em casa.

     Um silêncio rondou a vila, até que alguns minutos depois, um dos velhinhos pareceu ter ouvido algo vindo de dentro da casa.

     -Eu escutei alguém pedir socorro!- afirmava ele enquanto coçava sua orelha.

     -Você tem certeza?-perguntou Dona Vilma.

     -Tenho! Não estou surdo ainda! Alguém pediu socorro lá dentro,e a voz era masculina!

     Ouviu-se outra vez alguém gritar por socorro. E desta vez todos ali ouviram.

     -Meu Deus, será que essa mulher seqüestrou aquele senhor e está o torturando?

     -Será que ela sabe que sabemos quem ela é?

     -Gente, sejamos sensatos! Não temos certeza de nada ainda para afirmar!

     Ouviu-se outro grito de socorro.

     -Sensatos, porra nenhuma! Vamos ligar para a polícia agora! – gritou o mesmo senhor que falara anteriormente.

     Um murmurinho tomou conta da pracinha. E parou logo que a ruiva chegou na porta com seu celular. Ela discou alguns números e começou a chorar. Dizia não estar certa se queria aquilo, que era melhor optar por outra solução. E após isso, entrou novamente não sem antes acenar para os vizinhos que tentavam disfarçar que a observavam.

     -Vai chover, hein! Acho melhor irem para suas casas!-gritou ela sorrindo.

     Eles sorriram em retornou, mas assim que a vigiada bateu a porta, começaram a xingá-la e criticá-la.

     -Viram o tom de deboche que ela disse que ia chover? Ta na cara que é criminosa!

     -Eu acho que ela usa aquele senhor como escravo sexual!

     -Eu acho que ele é pai dela! E que ela tem conchavo com traficantes. O pai não deve ter dado mesada e ela quer se vingar.

     As hipóteses foram chegando ao absurdo de cogitarem a moça se tratar de uma alienígena em busca de embriões humanos idosos, para que com sua tecnologia alienígena pudesse rejuvenescê-los e lhes ensinar tudo que seu planeta tinha de melhor que a Terra. Mas essa eles descartaram.

    Os dias foram se passando, e toda noite eles ouviam o senhor gritar por socorro. Às vezes durante a madrugada. Às vezes quando a ruiva chegava em casa com seus capangas. Até que uma semana depois, o síndico da vila resolveu reunir alguns moradores e decidir o que seria feito.

     -Esse senhor pode estar passando por torturas graves, e nós estamos sendo cúmplices disso tudo! Temos que chamar a polícia e dizer que a tal gangue que seqüestra velhinhos está na nossa Vila Genoveva!

     Todos assentiram a aplaudiram silenciosamente. Como se aplaude silenciosamente? Sei lá... Só estando lá ou sendo velho para saber fazer.

     E assim, no final da tarde, quando a moça chegou, dois policiais se aproximaram dela. Ela deu um salto para trás assustada pela maneira como eles se aproximaram. Enquanto eles conversavam, os moradores todos escondidos atrás de suas cortinas, mas observando tudo, assistiam atentamente o flagrante. Sorriram quando a moça abaixou a cabeça e começou a chorar.

     -Pegamos a vagabunda!- sussurrou uma das velhinhas que enquanto observava a cena, terminava de tricotar um casaquinho para seu neto.

     Mas o que os surpreenderia era que os policiais entrariam na casa e minutos depois sairiam parecendo se desculparem. Além disso, desceram as escadas junto da moça e foram até a casa do síndico.
     Muito amedrontado ele abriu sua porta.

     -Pois não policial? Em que posso ajudar a lei?- perguntou com a voz trêmula.

     Minutos depois todos estavam convocados para comparecer à praça e ouvir o que a moça tinha a dizer:

     -Eu fico chocada como a mente humana é capaz de criar histórias absurdas! Saí de meu bairro justamente para fugir da violência, venho para uma vila que julguei simpática... e sou confundida com uma seqüestradora de idosos! É isso é? Eu sou uma seqüestradora de idosos?

     Todos ficaram calados. Ela continuou:

     -Eu e meu pai estamos passando por problemas. Acabei de perder minha mãe, e não tenho quem cuidar dele enquanto trabalho. Insisto para meus irmãos fazerem isso, mas só querem curtir as viagens que o dinheiro dele pode pagar! Será que ainda terei problemas com vizinhos inxiridos? É isso? Será que vocês não tem o que fazer? Assistir novelas da tarde? Cozinhar? Caminhar na praça após o sol abaixar?

     -Não venha com essa!- interrompeu o síndico. – Nós ouvimos ele pedindo socorro todas as noites!

     Houve um silêncio. Ela ficou encarando o senhor com uma fisionomia que pedia para ele pensar um pouco. E funcionou.

     -Seu nome... É Socorro né? – concluiu ele ficando roxo de vergonha.

     -Numa casa imensa dessas, teria como ele me chamar sem gritar pelo meu nome? Teria gente? Respondam!...Ok, se tivéssemos walking-talking, mas não vou jogar com essa hipótese.

     Não houve resposta. Apenas suspiraram e voltaram para suas casas com os rabos entre as pernas.

     Os policiais mais uma vez se desculparam com a bela ruiva e foram embora. Socorro voltou para dentro de casa, colocou as bolsas sobre o sofá e foi até o quarto de seu pai. Lá estava ele deitado e ao vê-la arregalou os olhos com pânico total tentando gritar por alguém. Ela se aproximou sorrindo e falou baixinho ao pé do ouvido dele:

     -Quase nos pegaram! Se continuar gritando não vou nem insistir em resgate. Vou te matar como um porco! Não vou perder tempo contigo! Há outros velhos ricos por aí!

     Lá fora, os dois capangas dela, que sempre chegavam junto com Socorro, ao virarem a esquina entraram em um carro e tiraram a fantasia de policiais.

     -Sorte que conseguimos grampear a ligação antes que eles conseguissem chamar a polícia né?- disse um deles. – ah como a tecnologia ajuda contra os fofoqueiros!

     No dia seguinte ninguém mais teve noticias de Socorro e nem de seu pai. Mas os vizinhos aprenderam da pior forma a não julgarem até terem certeza das coisas. Sentiam-se até culpado por terem praticamente expulsado a pobre moça e seu pai da vila. Só não sabiam que deixarem de ser fofoqueiros não poderia ter sido feito em momento mais inconveniente. Justamente quando seriam úteis.


FIM
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Se gostaram,comentem! POR FAVOR! É IMPORTANTE SUA OPINIÃO!
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Fael Velloso
Enviado por Fael Velloso em 10/03/2011
Reeditado em 03/07/2012
Código do texto: T2840202
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