Turno da Noite

UM FUSCA AZUL estacionou encostado em um arbusto que se escondia na escuridão da noite e era levemente iluminado pelas luzes de um posto de gasolina ali próximo. Escondido nas sombras que o carro proporcionava alguém observava o movimento do local. Poucas pessoas abasteciam seus carros. Na verdade apenas um caminhoneiro e um motociclista conversavam enquanto esperavam o tanque encher. Após isso partiram, e a pessoa continuou observanado de dentro do carro. Eram dez e vinte da noite de uma terça-feira, e o céu e a leve ventania que soprava sobre as árvores, anunciava que uma forte chuva estava por vir. Acendeu um cigarro e se escondeu um pouco mais no negrume da noite que invadia seu carro. Parecia esperar alguém. Parecia esperar que algo acontecesse.

Luize havia acabado de entrar na cabine para assumir seu turno. Estava meia hora atrasada, mas não estava com a pressa que outras pessoas estariam caso estivessem atrasadas na terceira semana de emprego. Seu chefe estava no banheiro se arrumando para ir para casa com uma moça que conhecera mais cedo, na hora do almoço. Estava bem disposta para trabalhar, e estava bem maquiada, porém. A única coisa que a estava incomodando era a fome. Queria comer, mas não podia. Precisava manter sua dieta forçada. Pois se comesse, as coisas sairiam do controle.

Trabalhava como caixa de um posto de gasolina, porém sua cabine, uma espécie de aquário, cercado de vidros e de costas para a floresta e o banheiro misto do posto, ficava afastada das bombas de combustível. Ficava ali sentada sozinha, de segunda à sábado, das dez da noite até as seis da manhã. A escuridão era sua amiga. Adorava o silêncio da noite misturado com o breu que rodeava o local. Sabia que havia uma floresta ali que a cercava, e que a estrada passava por ali em algum lugar, mas ela não a via, via apenas o posto, e os carros chegando. Só isso.

Devagar sentou-se de frente para o monitor e sorriu. Mais uma noite começava. No reflexo podia ver no quadro de avisos pendurado na parede atrás de sua cadeira e ao lado da porta do banheiro, as reportagens que seu chefe prendia. Dezenas de recortes de jornais se referindo a onda de mortes misteriosas e bárbaras que dominavam a cidade vizinha de Moaatinga. Ao todo, em menos de um mês, doze pessoas haviam sido assassinadas com toques de crueldade. Todas encontradas sem nenhuma gota de sangue em seus corpos. Sem nenhuma gota de sangue literalmente. Como se algum tipo de cano de sucção tivesse sido inserido nas pessoas e retirado todo o liquido. Logo que as mortes vieram a público, a imprensa denominou o caso de O Vampiro de Moaatinga, também pelo fato de todas as vítimas possuírem dois pontos parecidos com mordidas de vampiros, na altura do pescoço.

Durante essa onda, todos os moradores não só de Moaatinga, mas das cidades vizinhas se trancavam dento de suas casas ao final da tarde e só saíam após o nascer do sol. Mas Luize estava tranqüila. Estava calma e se sentia segura dentro da cabine que só podia ser aberta por dentro. Porém, de repente, pôde sentir que alguém se aproximava pela sua frente. Reparou também que as luzes do farol de um fusca que parecia estacionado dentre os arbusto, havia se apagado. Ergueu vagarosamente seus olhos para cima e pode ver um rapaz a encarando. Deu um leve sobressalto e tentou manter o sorriso forçado que sua profissão exigia.

-Boa noite,senhor! Em que posso ajudá-lo?- Cumprimentou, e enquanto fazia isso aproveitou para analisá-lo rapidamente. Pode notar, por exemplo que enquanto ele respirava, as covinhas em suas bochechas mexiam-se involuntariamente, que seus olhos eram castanhos claros e que seu cabelo era particularmente mal penteado, o que lhe dava um certo charme estranho. Reparou também, e isso antes de ele a responder, que suas veias do pescoço pulsavam estranhamente.

-Olá...-Fez uma pausa para ler o nome da atendente no seu crachá desbotado. –Lu..Luize. É que acho que estou meio perdido, sabe? Essa estrada é muito escura, e não consegui enxergar placas lá para trás...- Se aproximou do balcão e colocou os cutuvelos sobre a bancada de vidro. – A propósito...Que horas são?Meu relógio parou tem algumas horas.

-São dez e quarenta... Mas...(desculpe a intromissão), para onde o senhor pretendia ir?

-Eu estava indo para Cáscara Sagrada. Vou participar de uma feira de carros antigos por lá. Queria tentar chegar cedo, para poder aproveitar ao máximo. Tenho fascínio por carros antigos e estrangeiros.

-Entendo, mas olha, Cáscara Sagrada fica ao longo dessa estrada...

O rapaz virou o pescoço na direção em que a moça apontava. Não viu nada.

-Você jura que está enxergando uma estrada no meio desse breu todo? Porque se estiver, me indique seu oftamologista!

Os dois sorriram. Ela prosseguiu.

-Cáscara fica um pouco distante daqui. Demoraria umas duas horas para que chegue lá. Seria mais negócio o senhor dormir dentro do carro, e sair antes do amanhecer. A não ser que sei lá, tenha medo do escuro. Há pessoas que tem pavor da escuridão, eu já adoro.

Ele sorriu e ajeitou a gola de sua blusa pólo vermelha e de listras finas e brancas.

-Não tenho nada contra a noite. Mas ouvi rumores sobre crimes que tem acontecido nessas regiões. Tem gente até falando em... Vampirismo.

Luize respirou fundo e pareceu impaciente.

-Isso é coisa da imprensa. Fazem isso para vender jornais e sem saber, acabam afastando turistas. Deve ser algum tipo de animal dessas florestas, que se perdeu e agora busca comida por conta própria e no lugar errado. – disse ela novamente apontando para onde sabia haver uma floresta, mas que era impossível ser vista. Sorriu ao se dar conta do erro.

-Esse local pede uma história de terror, concorda? Escuro, com estradas longas e mal habitadas e iluminadas... Parece conto do Stephen King.- comentou o rapaz retirando um cigarro do bolso de sua blusa e acendendo-o. – E sabe que vampiros estão em alta né, pena que estão virando frescos. Esses filmes de vampirinhos apaixonados estão tirando aquele charme grosseiro dos vampiros.

-Não acredito em vampiros. Pensa só, se eles surgiram na idade média, e fossem chupando sangue de lá pra cá, chegaria uma hora que a Terra toda seria habitada por vampiros. Concorda?

-Sim. Mas sabe que nós adoramos sentir medo. Desde criança! Vai dizer que quando criança se mordia de medo de fantasmas, mas mesmo assim ficava ouvindo as histórias que suas irmãs ou amigas mais velhas contavam?

-Isso mesmo!- disse surpresa e sorrindo. – Depois para dormir era um sacrifício e...

Um clarão interrompeu a conversa, seguido por um trovão longo. O céu parecia se iluminar naquele instante.

-Vai chover. Tem certeza que não vai passar a noite no carro?-perguntou ela enquanto se ajeitava sobre sua cadeira, de modo que pudesse vê-lo mesmo que sentada.

-Estou te incomodando?-perguntou.

-Não, não mesmo. Mas é que parece que vai chover muito, e por aqui, as coisas se alagam rapidamente.

-Quando começar a chover eu vou para meu carro. Ele está próximo. - disse o rapaz apontando para uma direção totalmente oposta a de onde o fusca se encontrava. Ali Luize soube que havia ou houve mais alguém ali.

-Entendi. Mas qual seu nome?

-Meu nome é Uber.

-Uber? Só isso? Você tem cara de Gustavo...William...sei lá.

-E como seria a cara de Gustavo? Como seria a cara de Uber?- perguntou sorrindo e tragando o cigarro.

Ela também sorriu. Um outro trovão soou pela escuridão.

-É vai chover mesmo,Luize. Mas me diga, não tem medo de ficar sozinha aqui? Só você trabalha aqui durante a madrugada?

Luize se ajeitou na cadeira.

-Não, não sinto medo. Trabalho aqui há pouco tempo, e até agora só o quem me chateou foram os bêbados e os caminhoneiros que parecem viver no cio. Meu chefe sai um pouco antes de chegar e hoje, o zelador não vem. Parece que a esposa dele está mal. Mas ainda não vi meu chefe saindo. Deve estar lá dentro com a menina que ele conheceu hoje a tarde.

-Ele é um garanhão?

-Não, ele é tarado mesmo. Aí para uma coroa carente aqui, ele enche ela de elogios, e se for boba, cai na dele e transa na primeira noite.

-Ele nunca deu em cima de você?

-Não. E nem deve!

-Por que não?

-Não daria certo.

Outro trovão e alguns pingos começaram a cair.

-Estou morrendo de fome. – disse Uber apagando o cigarro.

-Eu também, mas não posso comer. Meu estômago deve me odiar.

-Ah eu não como há algumas horas. E quando comi, comi pouco. Preciso controlar essa minha fome devastadora.

-Sou assim também. E minha fome é devido a minha dieta. Tenho me policiado.

-Você mora por aqui?

-Sim. Me mudei para cá há umas semanas. Na outra cidade as pessoas não gostavam de mim.

-Também já passei por isso. Vivo sozinho há anos. Sempre morei sozinho. As pessoas me viam como um mal cristão na vila onde morei por anos.

-Nossa, anos? Você tem quantos anos Uber?

-Quantos anos eu pareço ter?

-Há, sei lá, vinte e cinco? Acertei? Deixa eu ver sua identidade!

Ele sorriu.

-Luize, sou bem mais velho do que aparento na identidade. Bem mais velho.

-Nossa, então está conservado hein? Te indico meu oftamologista se você me indicar seu dermatologista.

Sorriram novamente, e novamente foram atrapalhados pelo barulho do trovão.

-Você não sai daí de dentro?

-Não posso. É regra da casa. Só posso sair na hora que terminar o expediente.

-Credo! Não se sente uma prisioneira?

-Me sinto um peixe aqui! Mas regras são regras.

-E ao banheiro?

-Aqui dentro tem um. É imundo, mas com jeitinho dá jeito. A menina que trabalha aqui antes de mim, no outro turno, é meio desleixada. Porca na verdade!

-Entendi. Acho que eu é que preciso ir ao banheiro. Como faço?

Luize abriu uma gaveta e retirou um chaveiro que tinha duas chaves presas a ele.

-É a azulzinha. - indicou colocando a chave pela passagem aonde os clientes colocavam o dinheiro na parte inferior da janela de vidro que a separava deles.

Uber pegou a chave, as jogou para o alto e foi na direção dos fundos da cabine da moça. Ela sorriu e encarou o monitor. Parecia estar a vontade. Podia ver ao horizonte os raios iluminarem a floresta. A chuva se aproximava com velocidade total. Parecia que ninguém iria abastecer naquela noite. A chuva afastava as pessoas da estrada nos dias comuns, imagine em tempos de assassinatos e boatos de ataques de vampiros. Após cinco minutos, ligou o rádio. A música “Whisky a go go” do grupo Roupa Nova acabava de tocar. Após ela, o locutor entrou em caráter extraordinário.

-Não sabemos quando atacará novamente, mas o vampiro de Moaatinga não tem dado as caras. Até hoje as autoridades não conseguiram encontrar o responsável pelos assassinatos grotescos que tem assustado nossa cidade. Não se sabe se é homem ou mulher. Mas testemunhas disseram ter quase certeza de que é um homem. A força com que os corpos são mutilados sem aparentemente o uso de objetos cortantes ou armas mostra força sobre humana, o que aumenta entre os populares o rumor de se tratar de um vampiro. Criaturas demoníacas que se alimentam de sangue humano. Médicos também não conseguem explicar como o sangue das vítimas é totalmente retirado de dentro delas, e até agora, ao contrário dos filmes, em que as vítimas dos sanguessugas voltam dos mortos assumindo a fome por sangue, nenhuma vítima se transformou em vampiro. Mas todo cuidado é pouco, vampiros podem existir. Vampiros são charmosos e nunca demonstram ser quem são...

Um raio bateu bem próximo da cabine e a luz se apagou. Luize deu uma gargalhada. À sua frente não se via nada. Os raios iluminavam de vez em quando o lugar e tudo que ela via era o posto e as bombas. De resto tudo era breu.

Vinte minutos se passaram e a luz não havia voltado, assim como Uber.

Esperou por mais dez minutos. E resolveu ir atrás. Antes, pegou um canivete suíço que seu chefe guardava dentro de uma embalagem edição de luxo de um panettone de natal. Saiu em meio a ventania e se dirigiu na direção do banheiro. Tudo escuro. Ela estava calma. Sabia que a qualquer momento algo a surpreenderia.

Caminhou por mais alguns instantes e ao olhar para seu lado esquerdo pode ver o fusca azul novamente, e de faróis apagados.aquele carro estava ali há alguns dias. Sempre chegava no meio da madrugada, sempre de mansinho. E ela sempre fingindo não ver. Alguém literalmente estava interessado em alguma coisa no lugar. E algo lhe dizia que essa coisa era ela.

Aproximou-se mais um pouco do banheiro. E parou em frente à porta.

-Uber?!- gritou.- Uber está tudo bem aí? Já está aí dentro há quase meia hora!

Não houve resposta.

Aproximou-se um pouco mais e encostou-se à porta que se abriu facilmente.

Banheiro estava deserto. Luize entrou no local que era abafado e fedia a urina. Olhou dentro dos dois boxes e não havia ninguém lá. Alguém tocou sua perna. ela apenas olhou para o chão, Uber se levantou rapidamente.

-Seu chefe é maluco!- disse.

-Meu chefe? Mas ele ainda está aqui?

-Sim! Eu estava aqui mijando, de repente ele aparece e disse para correr daqui pois o mal se aproximava. Eu me neguei a correr e ele partiu para cima de mim com um pano branco nas mãos. Acho que queria me desacordar e me levar daqui.

-Estranho. Ele não é de fazer isso. Será que bebeu demais?

-Ele é estranho! Não sei como alguma mulher consegue manter relações com aquilo. Gordo...Careca...com aquelas cicatrizes...

Luize se afastou.

-O que houve?

-Meu chefe não é assim... ele não é gordo, nem careca.

Continuou se afastando.

-Como assim? Claro que é. Ele estava vestido com o uniforme do posto. Parecido com esse que você usa...Vamos embora daqui...- disse Uber tentando segurar os braços de Luize, mas ela se esquivou.

-Não toque em mim. Como assim... quem veio ver você aqui?

-Luize, calma! Confie em mim. Esse homem tentou me desmaiar. A única coisa que consegui foi dar um soco na garganta dele. Ele correu lá pra fora e deve estar escondido. Precisamos sair daqui. Seu chefe enlouqueceu.

-Não vou a lugar nenhum com você. Me deixe em paz e vá embora...

-Mas Luize...

-Me deixe em paz!

Nesse instante Uber segurou os braços de Luize e olhou no fundo de sés olhos com olhos estranhos que nada lembravam os olhos doces que exibia momentos antes. A moça se balançou e conseguiu se desprender. Feito isso, correu de volta para a cabine. Uber a seguiu.

Ela corria com grande diferença de distância do homem, mas ao tentar entrar na cabine, desistiu e correu na direção contrária.Uber a avistou de longe e respirou fundo, soltou um grito e correu com toda sua força.

Ao se aproximar viu que havia mais alguém com Luize. O mesmo homem que havia o agredido no banheiro. Ele cercava a moça e parecia ameaçá-la. Carregava na lateral do corpo uma bolsa de couro com um brasão europeu.

Uber desviou e resolveu tentar surpreender os dois. A chuva começou a cair nesse instante.

O homem vestia uma capa preta que lhe dava uma aparência macabra. Seus olhos brilhavam na escuridão da noite, e os raios iluminavam vez e outra as cicatrizes enormes em seu rosto. Ele se aproximava de Luize com as mãos na direção do pescoço da moça. E quando foi se preparar para dar o bote, algo o atingiu nas costas. Caiu com o rosto virado para o chão. Luize respirou fundo e sorriu para Uber. Ambos se abraçaram.

-Confie em mim, Luize. Precisamos sair daqui.

De repente uma explosão.

-Meu carro!- gritou o rapaz ainda tentando ir na direção do veículo em chamas, porém sendo puxado por Luize.

-Vamos embora. Esse homem tem um fusca azul. Ele vem aqui no posto tem semanas, fica me observando... acho que acabamos de matar o tal assassino da cidade.

-Será?

Ao olharem para o local onde o homem estava caído, nada mais havia lá.

-Vamos! – Disse o rapaz puxando Luize.

As chamas do carro iluminava o caminho dos dois,e logo encontraram o fusca estacionado atrás de alguns arbustos.

-E seu emprego?

-Amanhã ligo para meu chefe e peço demissão. Meu chefe de verdade!Não esse homem! Louco!

-Chegar na cidade ligamos para a polícia!- avisou Uber ofegante e abrindo a porta do carro.

Luize entrou e se sentou no banco do motorista.

-Deixa que eu dirijo. A estrada é escura e você tá muito nervoso.

Ele assentiu com a cabeça e sentou-se no banco de trás.

-Vou te levar até Cáscara Sagrada, de lá ligamos para a polícia.

Mais uma vez assentiu e ficou observando seu carro queimar. Sua história estava apagada. Nunca saberiam que ele estivera ali. Os documentos, o dinheiro roubado, tudo queimando. Estava triste e feliz ao mesmo tempo. Sentiu que estava no lugar certo. O fogo iluminava seus olhos que voltaram a ser doces. De repente, sentiu algo incomodar suas costas.

Luize deu partida no carro. E assim que saiu do lugar, o homem se arrastou até a mancha de gasolina no chão com uma das mãos levantadas. Parecia fazer força para falar. Sua garganta doía com o soco que havia levado. Tentou por diversas vezes gritar, mas o carro se afastava. Sua voz nunca chegaria ali e suas costas doíam. Um canivete estava cravado nela.

Respirou fundo e com toda sua força sussurrou:

-Vam...Pi...- até que faleceu.

No carro Uber se ajeitava no banco. Levou sua mão esquerda até suas costas e puxou algo. Era uma pasta. Luize dirigia tranquilamente e cantarolava "Whisky à gogo" do Roupa Nova.

-Será que aquele cara era o assassino mesmo? Se for, e a polícia o encontrar, vão querer saber quem o abateu né?

Uber concordou enquanto analisava a pasta. No geral, eram reportagem sobre vampiros. Fotos de vampiros, de corpos mutilados, reportagens. E em um dos recortes, havia uma foto do próprio homem que ele havia acabado de agredir com o canivete. A reportagem o classificava como louco. Já havia sido preso diversas vezes por seguir pessoas. Por acusá-las de serem vampiros. Seu nome era Danilo Fabonacci. E morava no Rio Grande do Sul. Quando adolescente, sua mãe o atacou com uma tocha acesa, após vê-lo decaptando uma jovem. As cicatrizes tomavam o lado esquerdo inteiro de seu rosto.

Ao virar a página, Uber se surpreendeu.

-Ih Luize...-começou a falar.

-O que houve? Esqueceu alguma coisa?-perguntou a jovem

Ele achou melhor se calar.

-Luize preciso mijar, para o carro! Rápido, está doendo!

O olhar de Luize o encarou pelo retrovisor.

-Não pode esperar uns minutinhos?

-Tá doendo muito. Tenho problemas renais, não posso prender mijo.

A moça estacionou o carro na encosta da estrada. Tudo continuava escuro, mas a chuva dava uma trégua.

-Não demo...- quando Luize olhou para trás, Uber já havia sumido. Pode vê-lo correr como se fugisse de algo. Ao olhar para o banco detrás, ela sorriu ao ver uma dezena de fotos suas, em todos os lugares que freqüentou. E, ao pegar uma dela, pode entender porque Uber havia fugido. A foto a mostrava claramente curvada sobre um jovem mordendo seu pescoço e sugando seu sangue.Na foto seguinte ela cortava sua perna e dela saía um liquido verde. Na seguinte, ela passava o liquido verde sobre o pescoço, propriamente sobre a ferida enorme que fizera. E na última foto, a ferida havia diminuído.

Ela deu um grito como se fosse uma fera prestes a atacar. E num salto foi parar sobre o topo da amendoeira.

Uber corria desesperadamente sem saber aonde ia. Tropeçou por diversas vezes,e sempre se lembrando da vida que levava. Dos roubos, dos assaltos, dos períodos que tivera que se esconder. Mudar de idade, de nome. Havia decidido fugir para sempre tentar viver legalmente. Não estava em seus planos ser atacado por vampiros.

Luize sobre as árvores tentava farejar a distância que o rapaz se encontrava. A fome lhe consumia. Seria o lugar perfeito para matar sua fome e sumir daquela cidade vazia, sem ação. Queria se mudar e poder beber seu elixir da vida. Estava cansada. De repente se esticou e pulou.

Uber sentiu algo sobre suas costas.

Caiu.

Sobre ele Luize se jogou com uma expressão totalmente diferente. Parecia mais velha e com seus olhos avermelhados.

-Quem diria né?Vampiros existem.

-Não me mate...

-Se eu não te matar, eu morro, e você vai contar pra todo mundo.

-Juro que não.

-Vampiros não são idiotas. Sabemos fazer as coisas, sabemos nos esconder. Sabemos quem devemos transformar e quem devemos matar...

-Não me mate... Por favor.

De uma só vez e sem que ele esperasse, ela cravou seus dentes no pescoço magro dele sobre as veias pulsantes que havia observado durante a breve conversa que tiveram e que quase fora estragada pelo caçador que a seguia por décadas.

Uber chorou e ficou encarando a lua que tentava aparecer dentre as nuvens que se dissipavam. Sua vida terminava ali. Sentia seu sangue jorrar.E tudo de repente ficou escuro de vez.

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UM MÊS DEPOIS Rômulo, dono de um drive in no centro de Belo Horizonte, entrou na sua sala para fazer sua última entrevista do dia. Já estava cansado e não agüentava mais ouvir jovens atrás do primeiro emprego. Mas todos sem conteúdo nenhum.queria alguém de porte pro drive in, erao último drive in da região, herança de seu pai, e não queria que a vaga de bilheteria fosse pra qualquer uma.

Sentou-se, ajeitou alguns papéis e enfim encarou a moça de cabelos negros à sua frente. A achou bonita.

-Boa tarde querida... Você já trabalhou em cinema, ou no período da noite?

Ela sorriu e ajeitou seus cabelos tentando seduzir o homem que lhe encarava com um tesão evidente.

-Olha, eu tenho uma verdadeira paixão pela noite. Posso trabalhar no turno da noite tranqüilo! Prometo que não vai se decepcionar!

- FIM -

Fael Velloso
Enviado por Fael Velloso em 02/02/2011
Reeditado em 16/02/2012
Código do texto: T2766506
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