AMOR ACONTECE

Numa noite Paulo vê, através da janela do seu apartamento, uma moradora num prédio do outro lado da rua. Uma mulher que o deixa perturbado. Mulheres bonitas geralmente deixam os homens perturbados. E as mulheres feias? A feiúra também intriga. Fascina.

Ele conta os andares do prédio ao lado, desce até a rua. Atravessa a avenida. Vai até aportaria. Diz ao porteiro que gostaria de falar com a moradora do quarto andar.

—Qual o nome do senhor?

Ele se detém por alguns segundos, ajeita os óculos, olha para os lados, como se tivesse esquecido o que o trouxera até ali.

—Diga a ela que moro no prédio ao lado.

Depois de alguns segundos no telefone, o porteiro diz que a dona Julia descerá para atendê-lo. Julia? O nome dela é Julia? O homem esperava um nome feio.

Julia aparece no Hall do prédio. Atrás da porta de vidro, tenta identificar o estranho parado na calçada. Um homem de meia idade, calvo e de óculos. Ela pede para o porteiro destravar o portão para que o homem entre. Ele caminha até Julia sentindo um certo aperto no peito. Pára frente a ela, tentando desvendar cada detalhe daquele estranho corpo, como um observador ignoto diante de uma obra de arte.

—Pois não? — pergunta Julia.

—Me chamo Paulo.

—Sim, seu Paulo. Algum problema? Você queria falar comigo? Você mora no prédio em frente?

—Sim, e eu estava na janela.

—O que foi que houve?

—Não, é que eu queria te ver de perto.

—O que?!

—Posso tocá-la?

Julia dá um passo para trás. O porteiro se levanta alerta.

—Desculpa. Não é nada disso. Desculpa...

—Algum problema, dona Julia? — pergunta o porteiro.

—É que sou escultor. Há tempo que procuro uma forma tão original e contundente. Você é perfeita.

—Desculpa, mas estou sem tempo para brincadeiras.

Chega um homem de uniforme com um rádio amador na cintura.

—Está tudo bem — diz Julia para o segurança.

—Toma o meu cartão — diz Paulo, retirando do bolso o endereço do seu estúdio

Julia pega o cartão, onde está escrito em letras garrafais Paulo Lenonn escultor.

— Desculpa pela confusão.

Paulo volta ao seu apartamento e não consegue mais dormir naquela noite. Começa a cair uma chuva torrencial. Paulo vai repetidas vezes até a janela, mas as cortinas da janela do prédio ao lado estão abaixadas.

Se Julia fosse uma mulher bonita, ou feia, pouca coisa mudaria. Um homem encantado por uma mulher é a coisa mais normal do mundo. Um homem quando está maravilhado por uma mulher é capaz dos maiores feitos. Ou das maiores tragédias. O que é a mesma coisa. Julia julga que Paulo não passa de um tarado e não dará importância à cena ocorrida no hall do seu prédio. Mas por outro lado, toda mulher é vaidosa. Julia então ficará embevecida por ter sido cortejada por um escultor. E uma mulher feia? Como ela agiria ao ser cortejada por um escultor?

Julia passa a noite chuvosa em claro, escondida atrás das cortinas do seu apartamento, tentando decifrar aquele estranho homem.

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F Mendes
Enviado por F Mendes em 21/01/2011
Código do texto: T2742803
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