INSÓLITO PRESENTE

Já passava das três da manhã, quando, ao acordar, assustei-me ao ver uma sombra que se esgueirava furtivamente, saindo do meu quarto. A princípio pensei que fosse meu filho que saia. Para não ficar em dúvida, perguntei:

- É você filho?

Sem respostas, levantei-me rapidamente e dirigi-me ao seu quarto. Ele ainda não chegara ou talvez tivesse resolvido dormir na casa da amiga. Aquela rotina de dormir fora já era costume desde o inicio do ano, por isso não me preocupava mais.

Mas, afinal, quem estava no meu quarto naquela hora da manhã e que saia quando abri os olhos? Seria alguma alucinação ou apenas fruto de minha imaginação?

Querendo tirar as dúvidas, resolvi voltar para a cama e fingir que dormia. Mantive-me acordado por mais de hora, com os olhos semicerrados. Eu fingia que dormia e, de vez em quando, ensaiava um ronco para iludir o visitante que tinha estado em meu quarto.

Depois de longa espera, que imaginei ser mais de hora, ouvi passos de alguém que andava pela sala. Cuidadosamente e bem devagar, levantei-me e fui andando passo a passo, silenciosamente, rumo ao ambiente de onde eu julgava vir o som dos passos.

Foi enorme o meu espanto ao deparar-me com aquela insólita figura no centro da sala. Ela segurava em uma das mãos, um objeto que eu não consegui identificar. Eu só tinha uma certeza, aquilo eu nunca vira antes.

Quando o estranho viu-se surpreendido com minha chegada, quis fugir, porém, foi inútil, pois eu conseguira materializá-lo no momento que o vi, e o interpelei.

- Afinal quem é você e o que faz aqui?

Ele, que parecia ou fingia não entender o que eu falava, me olhava com espanto e também olhava para os lados, como se esperasse a presença de alguém que pudesse ajudá-lo a responder minhas perguntas.

Depois de perguntar por várias vezes, e, sem obter respostas, resolvi mudar o rumo da conversa, então eu disse:

- Se não se identificar, vou chamar a polícia. Falei e apontei para o telefone que se encontrava sobre a mesinha que se estava num canto da sala.

Ele que não demonstrava entender nada do que eu dizia, olhou displicentemente para o telefone e mostrando o objeto que tinha em sua mão, esboçou alguns sons que eu não conseguia entender. Eu nunca ouvira nada igual. Depois daquela tentativa de comunicação, ele levantou o objeto e ao apontar para o alto, ouvi um zumbido estridente que se misturou com o som do carro que passava na rua.

Em segundos, um nevoeiro foi aparecendo na sala e em poucos momentos nada mais se via. Tateando, fui apalpando as paredes seguindo rumo ao quarto, pensando que lá estaria mais seguro. Quando cheguei ao quarto notei que o nevoeiro também havia tomado conta dele. Com dificuldades consegui chegar até a cama e com certo medo deitei-me nela, como se aquilo pudesse livrar-me de qualquer eventual mal que aquele ser pudesse provocar.

Enquanto me acomodava na cama ainda consegui ouvir o som dos passos e depois, o enorme silêncio que se seguiu.

Alguns momentos depois tudo estava completamente limpo, o nevoeiro que havia surgido, desaparecera. Levantei-me novamente e quando cheguei à sala, vi em cima da mesa, um pacote que eu sabia que não estava ali antes da misteriosa visita. Desconfiado e com medo de alguma surpresa desagradável, aguardei amanhecer para começar explorar o misterioso pacote que alguém havia deixado sobre a mesa da sala.

Antes de abrir o embrulho, liguei para o celular do meu filho e perguntei se havia sido ele quem havia trazido o pacote, ao que ele respondeu:

- Está sonhando? Eu nem estive aí ontem, como poderia ter sido eu quem levou o tal embrulho?

Para não passar por louco, eu arrematei em tom de brincadeira.

- Eu estava brincando, não existe pacote nenhum, só queria saber onde você está.

- Ainda bem. Respondeu ele.

Desliguei o telefone, fiz café e passei a olhar cuidadosamente por fora, todos os lados do embrulho. Escutei pensando que poderia conter algo que eu não desejava, e como não ouvi nem som de uma bomba relógio e tampouco o chiado de alguma cobra, resolvi pegar o pacote para sentir o seu peso.

Quando encostei minha mão no objeto, ele flutuou e ficou parado a uns vinte centímetros da mesa. Era o que faltava para aumentar ainda mais o meu espanto. Liguei novamente para meu filho e pedi que ele viesse com a máxima urgência, pois precisávamos explorar um mundo novo.

Meu filho ao ouvir meu pedido disse:

- Pai, andou bebendo alguma coisa?

- Claro que não, venha o mais rápido que puder, é muito importante.

- Está bem. Respondeu ele.

Quando meu filho chegou, o pacote ainda flutuava sobre a mesa. Ele que pensava ser um truque, passou a mão sobre o pacote tentando encontrar algum fio de nylon que pudesse estar segurando-o.

Depois de minucioso exame ele disse:

- De onde veio isso?

- Eu não sei. Respondi. Depois expliquei detalhadamente tudo o que acontecera durante a noite.

Meu filho com ar de mistério disse em tom de brincadeira e com certo ar de zombaria.

- Mistérios!.. Isso deve ser coisa do outro mundo ou de outro mundo.

- Só pode ser. Conclui.

Sem saber como começar a manusear o embrulho que se mantinha suspenso como se alguém invisível o segurasse, eu, num ato de reflexo, com as duas mãos peguei no pacote e tentei colocá-lo sobre a mesa. Mas, vi que a força que o mantinha suspenso, era bem mais forte que a minha. Mesmo com ajuda de meu filho, não consegui fazer o objeto descer e ficar sobre a mesa. Nem mesmo conseguimos mexê-lo do lugar onde flutuava.

- Mas afinal o que será isso? Perguntei.

- É, pai, com certeza é algo que ainda não compreendemos e nem mesmo sabemos de onde vem.

Depois que soltamos o pacote, ele, sozinho, foi descendo e ficou inerte sobre a mesa, como se estivesse mostrando que tinha vida própria e que nossas forças eram menores do que aquela que agia sobre ele.

Pacientemente, e com todo o cuidado, fomos tirando lentamente o papel que embrulhava o objeto e após desembrulhá-lo totalmente, ele começou brilhar intensamente. Ele era de metal e fora cuidadosamente polido. Procurei em todos os lados e não encontrei nenhuma ranhura ou saliência que indicasse que ele poderia ser aberto. Com o dorso dos dedos bati suavemente no objeto metálico e pelo som, indicava que ele não era sólido. Por mais de duas horas examinei visualmente a caixa metálica enquanto ele continuava brilhando como se estivesse refletindo uma luz que vinha de algum lugar.

Assim ficamos, eu e meu filho, durante todo o resto do dia sentados em frente a mesa, esperando algo que nem mesmo nós sabíamos o que era. Com a chegada da noite, notamos que a caixa continuava brilhando, mesmo com as luzes apagadas. Ele, no escuro parecia uma lâmpada de luz própria. Com a longa espera veio o cansaço e consequentemente o sono, o que nos obrigou ir dormir, deixando sobre a mesa a caixa metálica que não podia ser movida nem aberta, pelos meios mornais conhecidos.

Minha noite foi longa e cansativa. Acordei várias vezes e fui até a sala ver o presente que havia recebido. Eu temia que pudesse ser um “presente de Grego”, por isso tive meu sono entrecortado por pesadelos que meu subconsciente criava tentando explicar o que parecia ser inexplicável.

Bem cedo, depois da higiene pessoal costumeira, fui à sala para ver ser havia alguma novidade e foi quando notei que a caixa flutuava sobre a mesa, enquanto emitia um som estanho, que parecia vir de dentro dela. O único som que parecia com aquele era o de um enxame de abelhas, embora aquele fosse bem mais suave.

Durante o tempo em que fiquei ali parado, observando a caixa, senti um repentino entorpecimento e formigamento dos pés e mãos e pensando que poderia ser algum efeito do som emitido pelo aparelho, afastei-me dele e passei o olhá-lo de longe, como se isso pudesse impedir o que estava ainda por vir. Meu filho havia ido para a faculdade e novamente eu estava só, diante de algo que ainda nem imaginava o que era.

Dirigi-me a cozinha pensando em fazer o café, mas, ao chegar perto do fogão, vi que a vasilha com água, já estava no fogo. A água começava a borbulhar e já se aproximava da fervura. Estranhei o fato, pois meu filho saíra há mais de hora e eu, não me lembrava de ter colocado a água na vasilha e tampouco acendera o fogo. Ao lado, na mesa, tudo estava arrumado nos mínimos detalhes e até havia frutos que eu sempre desejara saborear, mas, que devido a época e o preço destes, tudo não passava de desejos.

Depois destas surpresas, outras maiores ainda estavam por vir.

Peguei o celular pensando em ligar para meu filho para saber que hora ele voltaria para que pudéssemos explorar a “ caixa” e também contar-lhe que havia acontecido na ausência dele..Ele, meu filho, disse que estaria em casa depois das duas horas da tarde.

Quando ele chegou, eu ainda estava sentado em frente à caixa, e ela flutuava. Desejei que ela estivesse sobre a mesa e logo ela desceu lentamente.

Quando ela desceu, comecei a entender como funcionava, pelo menos era isso que eu imaginava, pois ela descera depois de eu haver desejado. Lembrei-me também que pensei em fazer café e tudo aconteceu sem minha ação direta. Afinal o que era aquilo, uma máquina dos desejos?

Por vários dias explorei todas as alternativas e pude constatar que todos meus desejos eram prontamente satisfeitos, tão logo eu desejava. Cheguei inclusive a desejar ver uma mulher linda que me atraía e tudo se realizou da forma que eu imaginara.

E assim fiquei, usufruindo de algo que eu não conhecia, não entendia, mas que me satisfazia em todos os sentidos. Com o tempo passei a entender todo o processo. Depois de várias experimentações, entendi que, jamais deveria desejar algo ruim quando estivesse perto da caixa.

Quando eu manifestava um desejo e estava a mais de um metro de distancia do objeto, o desejo não se realizava. Comecei a entender que a caixa tinha a capacidade de captar meus pensamentos e através de processos que eu não entendia, materializava ou trazia tudo o que eu queria.

Hoje, depois de algum tempo, continuo a usar a caixa. Mas, por meu próprio desejo eu mantenho-a guardada dentro do guarda roupas para evitar os olhos curiosos das visitas que vem a minha casa. Os desejos do meu filho, não são atendidos. Parece que a caixa foi feita especialmente para mim, portanto, ninguém mais tem seus desejos realizados.

Agora, que já se passaram vários anos do recebimento do presente, é que começo a entender que não sou eu quem coordena e decide sobre a minha vida. Em razão de conseguir tudo o que desejo sem esforço, perdi minhas aptidões. Hoje, para alguns eu não passo de uma sombra daquele que eu fui. Só que ninguém sabe que isso aconteceu depois que recebi o insólito presente.

08/07/2010- VEM

Vanderleis Maia
Enviado por Vanderleis Maia em 19/01/2011
Reeditado em 24/01/2011
Código do texto: T2738246